Resenha do livro “A reprodução da vida cotidiana e outros escritos”, de Fredy Perlman, por Tonho.

Apresentação

Convidamos nosso amigo Tonho, tradutor e membro do conselho editoral da Monstro dos Mares para escrever algumas palavras sobre um dos títulos de nosso catálogo. Ele escolheu o livro “A reprodução da vida cotidiana e outros escritos”, de Fredy Perlman, da Editora Textos Subterrâneos de Portugal (que infelizmente não está mais ativa).

Aproveite a leitura e a recomendação.


“A reprodução da vida cotidiana e outros escritos”, de Fredy Perlman.

Perlman é um autor nascido na República Tcheca em 1934, que passou a infância na Bolívia – sua família fugia da ocupação nazista –, a adolescência e juventude na América do Norte, e a vida cruzando os movimentos de esquerda americanos e europeus – IWW, Maio de 68 e indústrias auto-geridas da Iugoslávia, para citar alguns. Perlman rejeitava rótulos como sindicalista, anarquista, situacionista ou marxista, se dizendo simplesmente violoncelista. Apesar de tê-lo descoberto pouco tempo atrás e nem de longe ser um acadêmico em Perlman, três textos dele saltam aos olhos: A reprodução da vida cotidiana, A Contínua Atração do Nacionalismo e Against His-Story, Against Leviathan (Contra a história dele, Contra o Leviatã). Não conheço versões lusófonas deste último.

A reprodução da vida cotidiana foi o texto que chamou minha atenção na antologia. Um texto marxista em todo o seu conteúdo e terminologia – teoria do valor-trabalho, como iniciada por Smith e desenvolvida por Ricardo e Marx –, mas que soa como uma pedrada no telhado de vidro de movimentos marxistas que esqueceram do que importa em nome da estética autoritária. Alguém descreveu o texto da seguinte forma: “Um mineiro não leva a montanha para casa, apenas as pepitas – Perlman traz as pepitas marxistas neste texto”.

O texto gira em torno de uma ideia que parece inicialmente ser um trava-língua, mas que é fundamental para a práxis: A vida cotidiana reproduz a forma social que deu forma social à vida cotidiana, mesmo quando essa forma deixou de ser útil – as minúcias da vida do trabalhador assalariado perpetuam o controle que o salário exerce sobre a atividade vital, mesmo quando as condições materiais mudam. A prática diária de todos anula os objetivos de cada um, diz Perlman.

Romper com a escravidão assalariada requer que o indivíduo rompa com a vida cotidiana, e isso significa enxergar a atividade criativa para além da produção de mercadorias. Ir além do espetáculo da mercadoria, numa referência à Guy Debord. O trabalhador tem um papel que não se resume a seguir o sindicato ou a burocracia, se não se constrói uma nova mediação alienante.

O texto dialoga com praticamente todos os grupos libertários ou comunistas, e inclui referências aos movimentos dos quais Perlman participou. É simples também colocá-lo para conversar com movimentos que não existiam à época, como o insurrecionalismo, a crítica à civilização ou, com um pouco de criatividade, o Imediatismo de Hakim Bey.

Namastreta,
Tonho.

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