Ilka Oliva, imigrante indocumentada nos EUA: “Somos um negócio perfeito para as autoridades”

Confira esta entrevista com a escritora e poetisa guatemalteca, Ilka Oliva Corado, autora de História de uma Indocumentada — a travessia do deserto de Sonora-Arizona publicada no Diário Liberdade sobre o livro que recebeu versão em Português do Brasil pela Editora Monstro dos Mares.

Na Foto: Ilka Oliva Corado com a última edição, em espanhol, de História de uma Indocumentada — a travessia do deserto de Sonora-Arizona.

Escritora e poetisa guatemalteca, Ilka Oliva Corado vive há muitos anos nos Estados Unidos, sem documentos. A Editora Monstro dos Mares está trazendo seu livro, inédito no Brasil, no qual a autora narra sua travessia a pé da fronteira mais vigiada das Américas, que durou 3 dias e 3 noites. “Não migrei por anseios de luxos econômicos, nunca acreditei no sonho americano. Nem sequer tinha imaginado viajar aos Estados Unidos de férias, muito menos viver aqui”, contou Ilka.

História de uma Indocumentada — a travessia do deserto de Sonora-Arizona traz cada pormenor de um trajeto pelo qual passam (ou ficam pelo caminho) centenas de migrantes latino-americanos todos os dias rumo ao vizinho do norte. Um relato visceral que conta cada provação colocada na jornada.

Escrito em 2014, traduzido ao português em 2017 e finalmente publicado no final de 2020, o tempo de vida da obra perpassa pelas diversas discussões e conjunturas mais recentes envolvendo o tema, como as promessas do atual presidente estadunidense de construir um muro ao longo desta fronteira, as detenções ilegais de famílias e a separação de crianças dos pais, para não falarmos das mortes, incluindo de crianças, que ocorrem nestes centros de detenção de imigrantes. Mas isso é apenas uma parte do quadro de violência sistêmica ao qual tentam driblar os migrantes em travessia — infelizmente tem muito mais coisas acontecendo.

Na entrevista a seguir, produzida e publicada pelo Diário Liberdade em 3 de abril de 2015, Ilka apresenta sua obra e reflete um pouco a respeito das questões relativas ao tema, tanto em nível macro, quanto a respeito de sua própria vida durante e sobretudo após a travessia.

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Abaixo, leia a entrevista na íntegra:

O que te conduziu a abandonar o seu país para empreender esta viagem perigosa e ilegal aos Estados Unidos?

Ilka: A frustração. Uma depressão profunda. A minha vida pessoal era um caos, já tinha tido duas tentativas de suicídio e estava a caminho da terceira quando decidi migrar.

Não migrei por anseios de luxos econômicos, nunca acreditei no sonho americano. Nem sequer tinha imaginado viajar aos Estados Unidos de férias, muito menos viver aqui. Na Guatemala trabalhava de professora de Educação Física num dos colégios mais prestigiados, e estudava psicologia na Universidade de San Carlos. Mas o meu sonho, acima de tudo, era ser árbitra internacional de futebol.

Quando tomei a decisão de migrar, este país me atravessou o caminho e foi a minha via de escape. Uma decisão que tomei em um dia sem parar pra pensar duas vezes e da qual não me arrependo. Preparei a minha viagem em um mês.

Lutei com todas as forças do meu ser para conseguir o meu sonho, dei tudo até a última gota de suor, mas a Guatemala me negou a oportunidade por ser mulher. Está tão implantado o machismo e os estereótipos que ver a mulher ’em um mundo de homens’ representa uma ofensa para quem acha que nós mulheres devemos estar em casa lavando pratos e cuidando de crianças o tempo inteiro. Nesse tempo, a Federação de Futebol da Guatemala não estava pronta para ver uma mulher abrir as suas asas e voar. Devagar houve mudanças, mas o sistema e a sociedade patriarcal ainda não compreendem que os homens e as mulheres tenham as mesmas capacidades e habilidades, basta eliminar os preconceitos e os estereótipos para avançarmos como humanidade. Não existe o mundo de homens nem o de mulheres, mas sim o que conformamos todos os seres humanos. Quando vamos compreender?

O futebol é a paixão da minha vida. Chegou o momento em que me ofereceram cama em troca da categoria de árbitra internacional e foi quando desabei porque compreendi que não dependia do meu esforço nem da minha capacidade, mas do meu sexo. Renunciei imediatamente e emigrei sem saber para onde o vento me ia levar, fui folha seca.

Haverá a quem possa parecer exagerada a decisão de migrar por uma decepção, de um sonho. Mas é preciso viver uma paixão com todas as forças do ser para saber que é o motor que nos motiva a viver. A mim me cortaram as asas e assim emigrei, completamente abatida. Não tenho por que mentir, não é vitimização, é a minha realidade e foi o caminho que percorri.

Quais são as provas pelas quais passaram durante a travessia?

Ilka: Muitas, e são impossíveis de enumerar. Desconcerto: o desconhecido provoca angústia e mais ainda ao se tratar de uma travessia sem documentos. De repente é preciso tirar forças de onde não há para poder sobreviver a uma experiência assim tão traumática. Há que ter o sangue frio e deixar as emoções de lado ou estar completamente devastado para tomar a decisão de deixar a vida na tentativa. Isso me aconteceu, não me importava morrer na fronteira, dava na mesma. Jamais pensei que a iria sobreviver.

Uma situação tão extrema que se torna um aprender a enfrentar o medo e a desafiar a morte. Ver pessoas morrerem e não enlouquecer com o cheiro de sangue fresco e com a atrocidade da desumanidade. Um entra e sai do inferno constantemente nessa travessia. E igualmente na pós-fronteira.

A experiência não termina por aí, mas marca para o resto da nossa vida. Uma pessoa aprende o verdadeiro significado da sobrevivência, do tempo, dos instantes. Estar frente à morte constantemente muda por completo a nossa visão das coisas. O que realmente vale a pena é a alegria. Quem sobrevive a fronteira supera uma prova de fogo e sangue e sabe que nada nem ninguém poderá jamais o abater. É por ela própria nos ter feito invencíveis, mas isso é qualquer coisa de quem se inteira quando passa o tempo. No momento da travessia, somos farrapos, o estigma nos derruba. É o tempo o que cura tudo.

Sofreu qualquer ameaça dos coyotes?

Ilka: Claro. Há que saber que os coyotes ou polleros são quadrilhas de tráfico de pessoas. Não se assustam na hora de amedrontar e quebrantar a moral das suas vítimas. Porque afinal somos isso, e eles os predadores. Somos apenas um objeto com o qual eles fazem negócios. Vivos valemos-lhes até para o tráfico de órgãos, mortos estorvamos menos e nos enterram em valas clandestinas ou nos deixam atirados às beiras dos rios, ou nos caminhos de ferro.

A ameaça é parte da estratégia de intimidação que usam as bandas de coyotes para submeter os migrantes em trânsito. Não soube de qualquer pessoa que atravessasse a fronteira sem ter sofrido intimidação dos coyotes. Não ficam apenas em palavras: da intimidação verbal passam imediatamente a violência física, com golpes, torturas e estupros. Desrespeitam a vida e cometem assassinatos.

Como agem as organizações de tráfico de imigrantes que atravessam a fronteira?

Ilka: Primeiro, temos que estar cientes em que essas quadrilhas são conformadas pelas próprias autoridades mexicanas. O narcoestado que se vive no México há muito tempo tem recrudescido os abusos a migrantes. Sequestros, estupros, desaparecimentos forçados e assassinatos vêm das mesmas autoridades que mancomunadas com o crime organizado fazem dos migrantes em trânsito o seu melhor negócio. É que somos um negócio perfeito e suculento para eles.

Aí estão envolvidos consulados, dirigentes, agentes de migração, presidentes das câmaras municipais, ministérios públicos, exército e a própria sociedade civil. Não existe proteção alguma para os migrantes. As pessoas observam o abuso e olham para o outro lado. Acusam-nos de ladrões, de infestar o México com a nossa presença. De ir roubar os seus empregos, de encher de violência o país. Acusam-nos de estupradores. Todo o infame é o que representamos nós migrantes centro e sul-americanos para a sociedade mexicana. Por isso, quando nos matam não se alteram. É o próprio governo quem manipula as redes do tráfico de pessoas.

Como trabalham as forças de segurança do México e dos Estados Unidos quando se trata de imigrantes ilegais tentando atravessar a fronteira?

Ilka: Se atravessar o México é um inferno por si próprio, a fronteira entre esse país e os Estados Unidos fulmina os migrantes. São tratados como assassinos em ambos os lados. A polícia mexicana que encontra migrantes na fronteira os sequestra e pede resgate aos familiares nos Estados Unidos. Os que têm sorte são deportados para os seus países de origem, e os que não têm são entregues às organizações criminosas que possuem redes de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual ou laboral, e ainda para o tráfico de órgãos.

Muitas vezes assassinam-nos ali mesmo no deserto, e são essas ossadas que se vão sendo encontradas com o passar dos anos. Ou esses corpos em estado de decomposição que não conseguem ser reconhecidos pelas organizações de Direitos Humanos, porque a polícia tirou os documentos de propósito para que os restos não sejam retornados para os seus países de origem.

A Patrulha de Fronteira realiza uma verdadeira caçada. Tem todo apoio do governo norte-americano. Insultam, batem, torturam, estupram, assassinam e não há forma de os denunciar porque quando uma denúncia é apresentada perante as cortes norte-americanas, estas são negadas. Não há forma de prová-las, embora estejam evidentes as provas de que eles assassinam migrantes e desrespeitam os Direitos Humanos. Os próprios agentes da Patrulha de Fronteira abusam sexualmente de crianças, adolescentes e mulheres na fronteira e nos centros de detenção, tudo fica gravado nas câmaras de vigilância e mesmo assim as denúncias não são tidas em conta.

Porque nós, migrantes no México e nos Estados Unidos, somos invisíveis, a ralé de uma leva de párias que procuram comida e teto, essa massa humana que não interessa nem aos governos do país de origem, de trânsito e de destino. Estamos sozinhos. E sozinhos morremos. Tanto as autoridades mexicanas, como a Patrulha Fronteira, nos usa e elimina após o uso. Não há lei que nos proteja. Não há humanidade que nos respeite.

Você foi testemunha de uma situação de maus-tratos, falta de respeito e violação da dignidade humana?

Ilka: Gostaria de dizer com todas as forças do meu coração que não fui testemunha, mas infelizmente fui, e essas imagens estão na minha memória e vão me perseguir até o dia que eu morrer. Abuso sexual por bandas criminosas em território mexicano e abuso sexual, golpes e assassinatos pela Patrulha de Fronteira em território norte-americano.

Vivi a degradação humana na fronteira. Todos — dos coyotes às autoridades mexicanas e norte-americanas — nos tratam como restos. É um verdadeiro calvário atrever-se a atravessar a fronteira. A maior parte das pessoas não sabem aquilo que lhes espera, porque quem consegue sobreviver na fronteira não conta, pois é vergonhoso, dói, é humilhante e preferem guardá-lo no mais profundo da sua memória. Há quem possa imaginar, mas mesmo assim a necessidade os obriga a migrar. Há que ter muito claro que as migrações de centro-americanos aos Estados Unidos são forçadas. E daí começa a tragédia.

Você sofreu algum trauma na travessia?

Ilka: Sofri. Por muitos anos não pude dormir mais do que três horas. Quando conseguia conciliar o sono, acordava com os pesadelos e aos gritos, ouvindo o som das motos e das balas. Ensimesmei-me. Como consequência, tateio, mas ainda não consigo falar com a normalidade de antes de atravessar a fronteira.

Afastei-me das pessoas e fechei-me. Sumi no álcool porque só ébria conseguia esquecer por instantes o que tinha vivido na fronteira. Subi de peso. Deixei de praticar esportes. Odiei a minha vida de esportista. Renunciei à alegria. A fronteira roubou-me as ilusões. Fez-me pedaços. Fujo das reuniões sociais, não suporto estar entre um grupo grande de pessoas, prefiro a solidão. E na Guatemala não era assim, sempre era a alma da festa. Não consigo dominar o falar em público, e na Guatemala era ao inverso. Desconfio mais das pessoas.

Qual foi o destino daqueles que, assim como você, atravessaram a fronteira?

Ilka: Saímos dos nossos países de origem e não sabemos se vamos atravessar a fronteira ou vamos morrer no caminho. O destino é incerto. O destino é chegar a este país e trabalhar nos ofícios destinados para os indocumentados: limpar casas, cortar grama, trabalhar de sol a sol nos campos de cultivo, trabalhar de pedreiro, partir as costas em fábricas trabalhando até 19 horas por dia de segunda a domingo. Não ter direitos trabalhistas. Que desrespeitem os Direitos Humanos em relação a nós. Que nos discriminem.

O destino? É morrer lentamente em um lugar que nos descrevem como o país dos sonhos. Um embuste suntuoso e uma realidade de esgoto. Mas do outro lado a realidade nos países de origem morre-se de fome, então entendo por que a necessidade de empreender uma travessia assim tão arriscada. Lá não é melhor do que aqui para nós, os invisíveis.

O que comenta do livro ‘História de uma indocumentada, travessia no deserto de Sonora – Arizona’?

Ilka: Sou a protagonista principal, e não para ter as atenções postas em mim, mas porque assim me tocou, porque essa é a história da minha travessia.

A jornalista chilena Carolina Vásquez Araya, residente na Guatemala, teve muita influência na minha decisão de escrever dessa maneira. Faz anos que leio as colunas de opinião dela no Prensa Libre – um jornal guatemalteco – e sempre denuncia o tráfico de pessoas, os abusos sexuais que vivem as crianças, adolescentes e mulheres nos nossos países de origem. A discriminação com que crescemos as crianças marginalizadas pelo sistema e a sociedade.

Ela é uma das poucas jornalistas que dão voz ao drama da migração forçada e aprofunda nas razões, uma mulher de uma humanidade admirável, mestra no sentido mais completo da palavra. Ela foi o motor que me impulsionou a me despir de tal maneira.

Lendo as colunas dela compreendi que não podia ficar com isto dentro, que o meu dever humano era fazê-lo conhecer. Que se queria fazer parte da mudança não podia guardar algo tão devastador, e que precisava trazer à tona para outras pessoas conhecerem através da própria protagonista o que a fronteira entre o México e os Estados Unidos é.

Consegui escrevê-lo com todo o tipo de pormenores graças a que já o superei. Foram dez anos trabalhando as minhas emoções, abrindo as feridas e arejando-as para que pudessem secar. Passei por desvelos, por renúncias, pelo alcoolismo e por depressões para voltar a renascer. A fronteira deixou-me estéril, de sonhos, de vida, e não foi um processo fácil lembrar o cheiro do sangue e não me desabar de novo.

Escrevi este livro porque é a minha obrigação humana, porque sou pós-fronteira, porque sou uma de milhares de invisíveis. Porque se não o dizemos nós, os indocumentados, ninguém dirá com integridade. É por isso que o escrevi, não para procurar fama nem dinheiro, nem aplausos. Escrevi-o porque quero fazer parte da mudança e para isso há que se envolver.

Qual é a sua situação atual nos EUA? Como é a vida como um imigrante ilegal?

Ilka: Continuo a ser indocumentada tal como quando cheguei em 11 de novembro de 2003.

Trabalho nos mil ofícios como os milhões de indocumentados. Não tenho direitos trabalhistas. Como outros milhões de invisíveis, podem me deportar a qualquer dia. Igual a eles, saio do apartamento que alugo com a minha irmã-mãe, Evelyn – que já fazia um ano por aqui quando eu emigrei, embora ela tenha emigrado com visto e não viveu a fronteira – e não sei se vou regressar porque a qualquer momento um policial racista pode me parar e enviar-me direto para a deportação. Aprende-se a viver com essa realidade cheia de sobressaltos. É parte do andar indocumentado neste país.

Por isso aprendi a desfrutar das pequenas coisas: os meus passeios de bicicleta, as minhas caminhadas pela reserva florestal, as vistas do lago Michigan, a brisa da primavera e as cores do outono, o branco inverno tão cheio de magia. São coisas que para muitos parecem insignificantes mas que enchem a alma. Uma pessoa aprende a viver com o que tem, que enfim é muito.

Este processo catártico da escrita e da poesia permitiu-me refletir. Aos poucos, as letras converteram-se na minha razão de ser, no ar que respiro, na minha convicção. São enfim a minha expressão mais leal.

Não posso ser egoísta e guardá-las só para mim criando borboletas de cores e céus sempre azuis: o meu dever é lançá-las ao vento para que outras pessoas saibam o que é a realidade do indocumentado que, no fim das contas, é muito similar em qualquer lugar do mundo.


Apresentação de “Abaixo ao trabalho 2ª edição” por Baderna James

Abaixo ao trabalho
Imagens da primeira e segunda edição

A segunda edição de Abaixo ao Trabalho é uma homenagem, uma saudação e lembrança muito querida de um título que circulou durante muitos anos em vários meios graças a atuação da editora Deriva, um coletivo editorial que apresentou a toda uma geração, a possibilidade de realizar livros artesanais de baixo custo sem depender da indústria gráfica e sem amargar com tiragens gigantes.

A experiência de escolher os textos, formatá-los e colocar “pra rodar” é o que forma uma editora. Essa tarefa vem acompanhando coletivos de inspiração anárquica ao curso da história. É possível citar um sem-número de iniciativas genuinamente artesanais que estiveram presentes na formação de leitores dissidentes e libertários. Coletivo Sabotagem, Barba Ruiva, Deriva, Nenhures, Index Librorum Prohibitorum, Erva Daninha, são algumas dessas editoras que colocaram na pista livros feitos um a um, manualmente, nos mais diversos formatos e materiais.

Atualmente, algumas editoras como Imprensa Marginal, Contraciv, Facção Fictícia, Subta e Monstro dos Mares estão em movimento a mais tempo, saudando e inspirando o surgimento de diversas editoras artesanais que se chegam como a Terra Sem Amos (TSA), Adandé, Amanajé, Edições Kisimbi, Lampião, Insurgência, Correria e outros tantos projetos que florescem nos diversos recantos do país.

Relembrar e homenagear a movimentação de compas que fizeram livros com as próprias mãos e celebrar a chegada de tantos outros coletivos nos dá a certeza de que é possível apropriar-se das técnicas e das tecnologias que compõem a produção de livros e zines. Publicar os textos que percorrem o nosso tempo com observações e análises, pesquisas e investigações, relatos e estudos, compõem um conjunto de práticas significativas para formar um retrato da permanência das ideias de autonomia, liberdade, auto-organização e colaboração na luta contra todas as formas de opressão.

Anarquistas, libertárias, autônomas, anárquicas, críticas, dissidentes ou insurgentes, independente das cores e das tintas de cada coletivo editorial artesanal de ontem e de hoje, Abaixo ao Trabalho retorna às ruas, para circular de mão em mão, aproximando pessoas, movimentos, coletivos, grupos e bandos em torno de suas ideias: uma crítica genuína à ideia de trabalho.

Muitas das pessoas que tocam projetos editoriais artesanais já desistiram da possibilidade de se manterem em empregos horríveis, trocando suas liberdades por um salário no final do mês. O livro que você tem em mãos, reúne não apenas um conjunto de ideias, mas espectro de experiências que (re)afirmam a possibilidade de que há diversos modos de multiplicar e se somar as lutas do nosso tempo.

Faça livros, multiplique!

Baderna James, Outubro de 2020.


Resenha: O índio no cinema brasileiro e o espelho recente, de Juliano Gonçalves da Silva

o índio no cinema brasileiro

Sobre o autor

Juliano Gonçalves da Silva é Mestre em Multimeios pela Unicamp e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, onde pesquisa a representação de personagens indígenas no cinema latino-americano.


Resenha

Por Claudia Mayer
Doutora em Letras Inglês (PPGI-UFSC)
Estudos Literários e Culturais

Em O índio no cinema brasileiro e o espelho recente, Juliano aborda a representação de personagens indígenas no cinema ficcional brasileiro, fornecendo de um levantamento dos filmes que apresentam tais personagens. Esse levantamento começa em 1911, quando Juliano identifica o primeiro filme de ficção com personagens indígenas, atravessando as décadas até chegar aos anos 2000.

Para realizar essa inventariação, além de consultar fitas VHS, exibições, e cinematecas, o autor acessa fontes como artigos de jornais, resenhas, cartazes e entrevistas. Assim, é capaz de construir um panorama tão completo quanto possível, incluindo nele filmes perdidos; isto é, dos quais não existem mais cópias. Esse aspecto da obra a torna atraente para quem pesquisa ou estuda as áreas da Antropologia, das Ciências Sociais e do Cinema, e também para o público que se interessa pelo cinema brasileiro e pelo cinema de maneira geral.

Além da significativa contribuição para a conservação da história do nosso cinema, O índio no cinema brasileiro e o espelho recente traz às leitoras e leitores a importante reflexão sobre o impacto cultural das representações ficcionais sobre a existência real dos povos indígenas ao discutir como o cinema ficional produz, reproduz e contraria os estereótipos constituídos acerca dos indígenas, que permeiam o imaginário da cultura brasileira. É por isso que o autor faz uma diferenciação entre os termos “índio” e “indígena”: enquanto o primeiro se refere à imagem ficcional estereotipada, o segundo é utilizado para se referir aos indígenas reais — que, sem sombra de dúvida, têm suas vidas e culturas impactadas pelas imagens veiculadas pela cultura hegemônica.

O livro O índio no cinema brasileiro e o espelho recente, de Juliano Gonçalves da Silva, está sendo produzido por meio de uma campanha de financiamento coletivo. Essa campanha dará suporte a todo o processo editorial e à distribuição da obra. É importante ressaltar que parte do projeto de financiamento coletivo inclui a distribuição gratuita do livro para bibliotecas comunitárias, coletivos e pesquisadoras acadêmicas e independentes. Com isso, o projeto ultrapassa o alcance individual de cada livro e busca atingir a sociedade como um todo.

Além disso, a proposta editorial contribui para a difusão do conhecimento produzido nas universidades públicas do país, ao levar para o público dentro e fora dos ambientes de pesquisa acadêmicos livros de baixo e baixíssimo custo e via distribuição gratuita. Soma-se a isso a publicação em Copyleft; isto é, a obra pode e deve ser distribuída sem o pagamento de direitos autorais. Dessa forma, reforça-se o compromisso com a produção de conhecimento livre, para todas as pessoas e por todas as pessoas.


Financiamento coletivo

Para contribuir com a realização desse projeto, acesse o site https://www.catarse.me/oindionocinemabrasileiro.
As doações iniciam em R$ 10,00.

Mais informações podem ser obtidas em nossos canais de comunicação:
E-mail: [email protected]
Instagram: @monstrodosmares
Facebook: fb.com/monstrodosmares
Telegram: Grupo – @editoramonstrodosmares; Canal – @monstrodosmares
Correios: Caixa Postal 1560, Ponta Grossa – PR, CEP 84071-981.
Sobre: Quem faz a Monstro dos Mares?


Vídeo de apresentação

Apoie o financiamento coletivo do livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente” de Juliano Gonçalves da Silva no Catarse -> http://catarse.me/oindionocinemabrasileiro

Resenha do livro “A reprodução da vida cotidiana e outros escritos”, de Fredy Perlman, por Tonho.

Apresentação

Convidamos nosso amigo Tonho, tradutor e membro do conselho editoral da Monstro dos Mares para escrever algumas palavras sobre um dos títulos de nosso catálogo. Ele escolheu o livro “A reprodução da vida cotidiana e outros escritos”, de Fredy Perlman, da Editora Textos Subterrâneos de Portugal (que infelizmente não está mais ativa).

Aproveite a leitura e a recomendação.


“A reprodução da vida cotidiana e outros escritos”, de Fredy Perlman.

Perlman é um autor nascido na República Tcheca em 1934, que passou a infância na Bolívia – sua família fugia da ocupação nazista –, a adolescência e juventude na América do Norte, e a vida cruzando os movimentos de esquerda americanos e europeus – IWW, Maio de 68 e indústrias auto-geridas da Iugoslávia, para citar alguns. Perlman rejeitava rótulos como sindicalista, anarquista, situacionista ou marxista, se dizendo simplesmente violoncelista. Apesar de tê-lo descoberto pouco tempo atrás e nem de longe ser um acadêmico em Perlman, três textos dele saltam aos olhos: A reprodução da vida cotidiana, A Contínua Atração do Nacionalismo e Against His-Story, Against Leviathan (Contra a história dele, Contra o Leviatã). Não conheço versões lusófonas deste último.

A reprodução da vida cotidiana foi o texto que chamou minha atenção na antologia. Um texto marxista em todo o seu conteúdo e terminologia – teoria do valor-trabalho, como iniciada por Smith e desenvolvida por Ricardo e Marx –, mas que soa como uma pedrada no telhado de vidro de movimentos marxistas que esqueceram do que importa em nome da estética autoritária. Alguém descreveu o texto da seguinte forma: “Um mineiro não leva a montanha para casa, apenas as pepitas – Perlman traz as pepitas marxistas neste texto”.

O texto gira em torno de uma ideia que parece inicialmente ser um trava-língua, mas que é fundamental para a práxis: A vida cotidiana reproduz a forma social que deu forma social à vida cotidiana, mesmo quando essa forma deixou de ser útil – as minúcias da vida do trabalhador assalariado perpetuam o controle que o salário exerce sobre a atividade vital, mesmo quando as condições materiais mudam. A prática diária de todos anula os objetivos de cada um, diz Perlman.

Romper com a escravidão assalariada requer que o indivíduo rompa com a vida cotidiana, e isso significa enxergar a atividade criativa para além da produção de mercadorias. Ir além do espetáculo da mercadoria, numa referência à Guy Debord. O trabalhador tem um papel que não se resume a seguir o sindicato ou a burocracia, se não se constrói uma nova mediação alienante.

O texto dialoga com praticamente todos os grupos libertários ou comunistas, e inclui referências aos movimentos dos quais Perlman participou. É simples também colocá-lo para conversar com movimentos que não existiam à época, como o insurrecionalismo, a crítica à civilização ou, com um pouco de criatividade, o Imediatismo de Hakim Bey.

Namastreta,
Tonho.

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