Ilka Oliva, imigrante indocumentada nos EUA: “Somos um negócio perfeito para as autoridades”

Confira esta entrevista com a escritora e poetisa guatemalteca, Ilka Oliva Corado, autora de História de uma Indocumentada — a travessia do deserto de Sonora-Arizona publicada no Diário Liberdade sobre o livro que recebeu versão em Português do Brasil pela Editora Monstro dos Mares.

Na Foto: Ilka Oliva Corado com a última edição, em espanhol, de História de uma Indocumentada — a travessia do deserto de Sonora-Arizona.

Escritora e poetisa guatemalteca, Ilka Oliva Corado vive há muitos anos nos Estados Unidos, sem documentos. A Editora Monstro dos Mares está trazendo seu livro, inédito no Brasil, no qual a autora narra sua travessia a pé da fronteira mais vigiada das Américas, que durou 3 dias e 3 noites. “Não migrei por anseios de luxos econômicos, nunca acreditei no sonho americano. Nem sequer tinha imaginado viajar aos Estados Unidos de férias, muito menos viver aqui”, contou Ilka.

História de uma Indocumentada — a travessia do deserto de Sonora-Arizona traz cada pormenor de um trajeto pelo qual passam (ou ficam pelo caminho) centenas de migrantes latino-americanos todos os dias rumo ao vizinho do norte. Um relato visceral que conta cada provação colocada na jornada.

Escrito em 2014, traduzido ao português em 2017 e finalmente publicado no final de 2020, o tempo de vida da obra perpassa pelas diversas discussões e conjunturas mais recentes envolvendo o tema, como as promessas do atual presidente estadunidense de construir um muro ao longo desta fronteira, as detenções ilegais de famílias e a separação de crianças dos pais, para não falarmos das mortes, incluindo de crianças, que ocorrem nestes centros de detenção de imigrantes. Mas isso é apenas uma parte do quadro de violência sistêmica ao qual tentam driblar os migrantes em travessia — infelizmente tem muito mais coisas acontecendo.

Na entrevista a seguir, produzida e publicada pelo Diário Liberdade em 3 de abril de 2015, Ilka apresenta sua obra e reflete um pouco a respeito das questões relativas ao tema, tanto em nível macro, quanto a respeito de sua própria vida durante e sobretudo após a travessia.

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Abaixo, leia a entrevista na íntegra:

O que te conduziu a abandonar o seu país para empreender esta viagem perigosa e ilegal aos Estados Unidos?

Ilka: A frustração. Uma depressão profunda. A minha vida pessoal era um caos, já tinha tido duas tentativas de suicídio e estava a caminho da terceira quando decidi migrar.

Não migrei por anseios de luxos econômicos, nunca acreditei no sonho americano. Nem sequer tinha imaginado viajar aos Estados Unidos de férias, muito menos viver aqui. Na Guatemala trabalhava de professora de Educação Física num dos colégios mais prestigiados, e estudava psicologia na Universidade de San Carlos. Mas o meu sonho, acima de tudo, era ser árbitra internacional de futebol.

Quando tomei a decisão de migrar, este país me atravessou o caminho e foi a minha via de escape. Uma decisão que tomei em um dia sem parar pra pensar duas vezes e da qual não me arrependo. Preparei a minha viagem em um mês.

Lutei com todas as forças do meu ser para conseguir o meu sonho, dei tudo até a última gota de suor, mas a Guatemala me negou a oportunidade por ser mulher. Está tão implantado o machismo e os estereótipos que ver a mulher ’em um mundo de homens’ representa uma ofensa para quem acha que nós mulheres devemos estar em casa lavando pratos e cuidando de crianças o tempo inteiro. Nesse tempo, a Federação de Futebol da Guatemala não estava pronta para ver uma mulher abrir as suas asas e voar. Devagar houve mudanças, mas o sistema e a sociedade patriarcal ainda não compreendem que os homens e as mulheres tenham as mesmas capacidades e habilidades, basta eliminar os preconceitos e os estereótipos para avançarmos como humanidade. Não existe o mundo de homens nem o de mulheres, mas sim o que conformamos todos os seres humanos. Quando vamos compreender?

O futebol é a paixão da minha vida. Chegou o momento em que me ofereceram cama em troca da categoria de árbitra internacional e foi quando desabei porque compreendi que não dependia do meu esforço nem da minha capacidade, mas do meu sexo. Renunciei imediatamente e emigrei sem saber para onde o vento me ia levar, fui folha seca.

Haverá a quem possa parecer exagerada a decisão de migrar por uma decepção, de um sonho. Mas é preciso viver uma paixão com todas as forças do ser para saber que é o motor que nos motiva a viver. A mim me cortaram as asas e assim emigrei, completamente abatida. Não tenho por que mentir, não é vitimização, é a minha realidade e foi o caminho que percorri.

Quais são as provas pelas quais passaram durante a travessia?

Ilka: Muitas, e são impossíveis de enumerar. Desconcerto: o desconhecido provoca angústia e mais ainda ao se tratar de uma travessia sem documentos. De repente é preciso tirar forças de onde não há para poder sobreviver a uma experiência assim tão traumática. Há que ter o sangue frio e deixar as emoções de lado ou estar completamente devastado para tomar a decisão de deixar a vida na tentativa. Isso me aconteceu, não me importava morrer na fronteira, dava na mesma. Jamais pensei que a iria sobreviver.

Uma situação tão extrema que se torna um aprender a enfrentar o medo e a desafiar a morte. Ver pessoas morrerem e não enlouquecer com o cheiro de sangue fresco e com a atrocidade da desumanidade. Um entra e sai do inferno constantemente nessa travessia. E igualmente na pós-fronteira.

A experiência não termina por aí, mas marca para o resto da nossa vida. Uma pessoa aprende o verdadeiro significado da sobrevivência, do tempo, dos instantes. Estar frente à morte constantemente muda por completo a nossa visão das coisas. O que realmente vale a pena é a alegria. Quem sobrevive a fronteira supera uma prova de fogo e sangue e sabe que nada nem ninguém poderá jamais o abater. É por ela própria nos ter feito invencíveis, mas isso é qualquer coisa de quem se inteira quando passa o tempo. No momento da travessia, somos farrapos, o estigma nos derruba. É o tempo o que cura tudo.

Sofreu qualquer ameaça dos coyotes?

Ilka: Claro. Há que saber que os coyotes ou polleros são quadrilhas de tráfico de pessoas. Não se assustam na hora de amedrontar e quebrantar a moral das suas vítimas. Porque afinal somos isso, e eles os predadores. Somos apenas um objeto com o qual eles fazem negócios. Vivos valemos-lhes até para o tráfico de órgãos, mortos estorvamos menos e nos enterram em valas clandestinas ou nos deixam atirados às beiras dos rios, ou nos caminhos de ferro.

A ameaça é parte da estratégia de intimidação que usam as bandas de coyotes para submeter os migrantes em trânsito. Não soube de qualquer pessoa que atravessasse a fronteira sem ter sofrido intimidação dos coyotes. Não ficam apenas em palavras: da intimidação verbal passam imediatamente a violência física, com golpes, torturas e estupros. Desrespeitam a vida e cometem assassinatos.

Como agem as organizações de tráfico de imigrantes que atravessam a fronteira?

Ilka: Primeiro, temos que estar cientes em que essas quadrilhas são conformadas pelas próprias autoridades mexicanas. O narcoestado que se vive no México há muito tempo tem recrudescido os abusos a migrantes. Sequestros, estupros, desaparecimentos forçados e assassinatos vêm das mesmas autoridades que mancomunadas com o crime organizado fazem dos migrantes em trânsito o seu melhor negócio. É que somos um negócio perfeito e suculento para eles.

Aí estão envolvidos consulados, dirigentes, agentes de migração, presidentes das câmaras municipais, ministérios públicos, exército e a própria sociedade civil. Não existe proteção alguma para os migrantes. As pessoas observam o abuso e olham para o outro lado. Acusam-nos de ladrões, de infestar o México com a nossa presença. De ir roubar os seus empregos, de encher de violência o país. Acusam-nos de estupradores. Todo o infame é o que representamos nós migrantes centro e sul-americanos para a sociedade mexicana. Por isso, quando nos matam não se alteram. É o próprio governo quem manipula as redes do tráfico de pessoas.

Como trabalham as forças de segurança do México e dos Estados Unidos quando se trata de imigrantes ilegais tentando atravessar a fronteira?

Ilka: Se atravessar o México é um inferno por si próprio, a fronteira entre esse país e os Estados Unidos fulmina os migrantes. São tratados como assassinos em ambos os lados. A polícia mexicana que encontra migrantes na fronteira os sequestra e pede resgate aos familiares nos Estados Unidos. Os que têm sorte são deportados para os seus países de origem, e os que não têm são entregues às organizações criminosas que possuem redes de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual ou laboral, e ainda para o tráfico de órgãos.

Muitas vezes assassinam-nos ali mesmo no deserto, e são essas ossadas que se vão sendo encontradas com o passar dos anos. Ou esses corpos em estado de decomposição que não conseguem ser reconhecidos pelas organizações de Direitos Humanos, porque a polícia tirou os documentos de propósito para que os restos não sejam retornados para os seus países de origem.

A Patrulha de Fronteira realiza uma verdadeira caçada. Tem todo apoio do governo norte-americano. Insultam, batem, torturam, estupram, assassinam e não há forma de os denunciar porque quando uma denúncia é apresentada perante as cortes norte-americanas, estas são negadas. Não há forma de prová-las, embora estejam evidentes as provas de que eles assassinam migrantes e desrespeitam os Direitos Humanos. Os próprios agentes da Patrulha de Fronteira abusam sexualmente de crianças, adolescentes e mulheres na fronteira e nos centros de detenção, tudo fica gravado nas câmaras de vigilância e mesmo assim as denúncias não são tidas em conta.

Porque nós, migrantes no México e nos Estados Unidos, somos invisíveis, a ralé de uma leva de párias que procuram comida e teto, essa massa humana que não interessa nem aos governos do país de origem, de trânsito e de destino. Estamos sozinhos. E sozinhos morremos. Tanto as autoridades mexicanas, como a Patrulha Fronteira, nos usa e elimina após o uso. Não há lei que nos proteja. Não há humanidade que nos respeite.

Você foi testemunha de uma situação de maus-tratos, falta de respeito e violação da dignidade humana?

Ilka: Gostaria de dizer com todas as forças do meu coração que não fui testemunha, mas infelizmente fui, e essas imagens estão na minha memória e vão me perseguir até o dia que eu morrer. Abuso sexual por bandas criminosas em território mexicano e abuso sexual, golpes e assassinatos pela Patrulha de Fronteira em território norte-americano.

Vivi a degradação humana na fronteira. Todos — dos coyotes às autoridades mexicanas e norte-americanas — nos tratam como restos. É um verdadeiro calvário atrever-se a atravessar a fronteira. A maior parte das pessoas não sabem aquilo que lhes espera, porque quem consegue sobreviver na fronteira não conta, pois é vergonhoso, dói, é humilhante e preferem guardá-lo no mais profundo da sua memória. Há quem possa imaginar, mas mesmo assim a necessidade os obriga a migrar. Há que ter muito claro que as migrações de centro-americanos aos Estados Unidos são forçadas. E daí começa a tragédia.

Você sofreu algum trauma na travessia?

Ilka: Sofri. Por muitos anos não pude dormir mais do que três horas. Quando conseguia conciliar o sono, acordava com os pesadelos e aos gritos, ouvindo o som das motos e das balas. Ensimesmei-me. Como consequência, tateio, mas ainda não consigo falar com a normalidade de antes de atravessar a fronteira.

Afastei-me das pessoas e fechei-me. Sumi no álcool porque só ébria conseguia esquecer por instantes o que tinha vivido na fronteira. Subi de peso. Deixei de praticar esportes. Odiei a minha vida de esportista. Renunciei à alegria. A fronteira roubou-me as ilusões. Fez-me pedaços. Fujo das reuniões sociais, não suporto estar entre um grupo grande de pessoas, prefiro a solidão. E na Guatemala não era assim, sempre era a alma da festa. Não consigo dominar o falar em público, e na Guatemala era ao inverso. Desconfio mais das pessoas.

Qual foi o destino daqueles que, assim como você, atravessaram a fronteira?

Ilka: Saímos dos nossos países de origem e não sabemos se vamos atravessar a fronteira ou vamos morrer no caminho. O destino é incerto. O destino é chegar a este país e trabalhar nos ofícios destinados para os indocumentados: limpar casas, cortar grama, trabalhar de sol a sol nos campos de cultivo, trabalhar de pedreiro, partir as costas em fábricas trabalhando até 19 horas por dia de segunda a domingo. Não ter direitos trabalhistas. Que desrespeitem os Direitos Humanos em relação a nós. Que nos discriminem.

O destino? É morrer lentamente em um lugar que nos descrevem como o país dos sonhos. Um embuste suntuoso e uma realidade de esgoto. Mas do outro lado a realidade nos países de origem morre-se de fome, então entendo por que a necessidade de empreender uma travessia assim tão arriscada. Lá não é melhor do que aqui para nós, os invisíveis.

O que comenta do livro ‘História de uma indocumentada, travessia no deserto de Sonora – Arizona’?

Ilka: Sou a protagonista principal, e não para ter as atenções postas em mim, mas porque assim me tocou, porque essa é a história da minha travessia.

A jornalista chilena Carolina Vásquez Araya, residente na Guatemala, teve muita influência na minha decisão de escrever dessa maneira. Faz anos que leio as colunas de opinião dela no Prensa Libre – um jornal guatemalteco – e sempre denuncia o tráfico de pessoas, os abusos sexuais que vivem as crianças, adolescentes e mulheres nos nossos países de origem. A discriminação com que crescemos as crianças marginalizadas pelo sistema e a sociedade.

Ela é uma das poucas jornalistas que dão voz ao drama da migração forçada e aprofunda nas razões, uma mulher de uma humanidade admirável, mestra no sentido mais completo da palavra. Ela foi o motor que me impulsionou a me despir de tal maneira.

Lendo as colunas dela compreendi que não podia ficar com isto dentro, que o meu dever humano era fazê-lo conhecer. Que se queria fazer parte da mudança não podia guardar algo tão devastador, e que precisava trazer à tona para outras pessoas conhecerem através da própria protagonista o que a fronteira entre o México e os Estados Unidos é.

Consegui escrevê-lo com todo o tipo de pormenores graças a que já o superei. Foram dez anos trabalhando as minhas emoções, abrindo as feridas e arejando-as para que pudessem secar. Passei por desvelos, por renúncias, pelo alcoolismo e por depressões para voltar a renascer. A fronteira deixou-me estéril, de sonhos, de vida, e não foi um processo fácil lembrar o cheiro do sangue e não me desabar de novo.

Escrevi este livro porque é a minha obrigação humana, porque sou pós-fronteira, porque sou uma de milhares de invisíveis. Porque se não o dizemos nós, os indocumentados, ninguém dirá com integridade. É por isso que o escrevi, não para procurar fama nem dinheiro, nem aplausos. Escrevi-o porque quero fazer parte da mudança e para isso há que se envolver.

Qual é a sua situação atual nos EUA? Como é a vida como um imigrante ilegal?

Ilka: Continuo a ser indocumentada tal como quando cheguei em 11 de novembro de 2003.

Trabalho nos mil ofícios como os milhões de indocumentados. Não tenho direitos trabalhistas. Como outros milhões de invisíveis, podem me deportar a qualquer dia. Igual a eles, saio do apartamento que alugo com a minha irmã-mãe, Evelyn – que já fazia um ano por aqui quando eu emigrei, embora ela tenha emigrado com visto e não viveu a fronteira – e não sei se vou regressar porque a qualquer momento um policial racista pode me parar e enviar-me direto para a deportação. Aprende-se a viver com essa realidade cheia de sobressaltos. É parte do andar indocumentado neste país.

Por isso aprendi a desfrutar das pequenas coisas: os meus passeios de bicicleta, as minhas caminhadas pela reserva florestal, as vistas do lago Michigan, a brisa da primavera e as cores do outono, o branco inverno tão cheio de magia. São coisas que para muitos parecem insignificantes mas que enchem a alma. Uma pessoa aprende a viver com o que tem, que enfim é muito.

Este processo catártico da escrita e da poesia permitiu-me refletir. Aos poucos, as letras converteram-se na minha razão de ser, no ar que respiro, na minha convicção. São enfim a minha expressão mais leal.

Não posso ser egoísta e guardá-las só para mim criando borboletas de cores e céus sempre azuis: o meu dever é lançá-las ao vento para que outras pessoas saibam o que é a realidade do indocumentado que, no fim das contas, é muito similar em qualquer lugar do mundo.


“Anarquismo é criar bibliotecas”

Para alguns, ser anarquista também é lutar contra o estigma da violência. No caso de Toby, responsável pela biblioteca anarquista mais antiga do México, a luta imediata é humanizar nossas formas de convivência. “O que você ganha quebrando uma vitrina? Amanhã vão colocar outra”, questiona.


CIDADE DO MÉXICO – Toby detém uma das maiores coleções bibliográficas sobre anarquismo no continente. O homem, na casa dos cinquenta, é anarquista e pacifista até a medula, o que para ele é o mesmo. Seus óculos têm a rigidez de um arame e ele parece dispensar quase tudo, até mesmo o sobrenome: insiste que eu o cite como “Toby da Biblioteca Reconstruir”.

A Biblioteca Social Reconstruir foi fundada pelo anarquista Ricardo Mestre, refugiado da Guerra Civil Espanhola que em 1976, nos anos da mais dura perseguição política ao Partido Revolucionário Institucional (PRI), abriu uma biblioteca pública com seus livros. Mestre faleceu e agora Toby cuida da livraria localizada a algumas ruas da estação do metrô La Raza, ao norte da Cidade do México.

Na entrada, que é aberto ao público, há uma placa proclamando “Liberdade e não-violência”. Quando pergunto a Toby Sem Sobrenome por que paz? ele conta a seguinte história:

Nos anos em que Mestre esteve na Espanha, os donos da fábrica onde ele trabalhava contratavam fura-greves para arruinar uma greve de trabalhadores. Os confrontos viraram até tiroteios. Em uma ocasião, Mestre atirou contra um fura-greve que ficou apenas ferido.

Anos depois, numa turnê de propaganda, ele foi questionado por alguns participantes sobre seu local de origem. O Mestre respondeu que era de Villanueva y Geltú, ao que um dos presentes respondeu que aquele lugar trazia lembranças ruins, pois em uma época em que sua família estava literalmente morrendo de fome lhe ofereceram um péssimo emprego e a necessidade o fez aceitar, mas ele descobriu que teve que enfrentar alguns grevistas e nos tumultos foi espancado, perseguido e que tomou um tiro.

O Mestre percebeu que tinha sido o homem que atirou nele e em suas memórias reflete: “Como é possível que nós anarquistas tenhamos matado um homem por causa de coisas materiais? Fomos capazes de matar um homem que entrou no conflito, não por ser um traidor, mas por causa da fome, por causa da miséria?”.

O Mestre entendia o anarquismo de uma perspectiva muito mais ampla: se os fins eram bons, os meios tinham que ser bons, explica Toby.

Toby, na Biblioteca Social Reconstruir.
Toby, na Biblioteca Social Reconstruir. Foto: José Ignacio de Alba.

— Como você explicaria o anarquismo para alguém que não conhece o termo?

As pessoas não entendem bem o conceito e a imprensa ou o Estado se encarregam de dizer que anarquismo é caos, desordem, quando significa o contrário. O anarquismo cria uma sociedade organizada sem governo, ou seja, há organização. Basicamente, quando surge um problema, discutimos juntos, o que é acompanhado por uma ação direta; existe um problema, nós resolvemos nós mesmos, sem intermediários.

— Tem gente que associa a ação direta com a violência, e não é bem assim né?

Não, não, não. Ação direta é quando você tem um problema de criminalidade na vizinhança, ou com o lixo, qualquer coisa. Você cria um acordo com os vizinhos e eles arrumam na hora, ou seja, ação direta. É como se você quisesse sair com uma garota, você não vai dizer ao seu amigo “veja se ela quer sair comigo.” Não! Você vai pessoalmente fazer as coisas, isso é ação direta. Sempre foi assim, no anarcossindicalismo é o trabalhador que vai direto no patrão: essas são as nossas condições! Sem ter um advogado que vai falar por eles. A ação direta é para aqueles envolvidos em resolver seus próprios problemas.

Toby explica que o anarquismo chegou ao México em 1861 com o grego Plotino Rhodakanaty, que fundou o grupo Estudantes Socialistas, onde floresceram diferentes movimentos. Um dos participantes mais proeminentes era Julio Chávez López, que organizou uma revolta camponesa em uma área entre Chalco e Puebla.1 Os rebeldes queimaram terras e títulos de propriedade até que o movimento foi suprimido militarmente e Chávez López foi fuzilado.

— Este movimento influenciou a Revolução?

— Não, porque o problema do México e de toda a humanidade é que a memória se perdeu, não há continuidade; Além disso, o Porfirismo2 foi encarregado de apagar a história dessas rebeliões.

O anarquismo no México voltou a florescer no século 20, com os irmãos Flores Magón, Librado Rivera, Práxedis G. Guerrero, entre outros. Aqueles eram os tempos da Revolução e do jornal anarquista Regeneração que circulou em várias cidades. O Partido Liberal Mexicano lutou em vários lugares, a popularidade do anarquismo causou seu isolamento com outros revolucionários, como o Francismo I. Madero.

Toby explica que a Constituição em vigor no México, desde 1917, tem vários elementos anarquistas. Por exemplo, as jornadas de trabalho de 8 horas, o dia de descanso e a autonomia municipal são elementos magonistas.

— Qual é a situação do anarquismo no México?

— Atualmente as cidades são muito grandes, são poucos os que lutam pelo anarquismo. Isso indica que vai dar muito trabalho. Mais do que perfeição, buscamos mais elementos de liberdade. Se tivéssemos força para derrubar o Estado e poder nos apropriar dos meios de produção, o faríamos; Mas enquanto não podemos, estamos formando espaços: criamos bibliotecas, promovemos a pedagogia libertária, apoiamos grupos que fazem rádios livres, localizamos gente que têm espaços ociosos na comunidade. Estamos criando espaços e procurando uma maneira de levar o anarquismo a coisas muito básicas. Por exemplo: anarquismo é criar bibliotecas.

— Que avaliação você faz do que aconteceu no dia 2 de Outubro com a violência durante o protesto?3

— Quando alguém quebra uma vidraça, pergunto: “O que você ganha quebrando uma vitrina? Amanhã vão colocar outra”, questiona. Essas cenas ficam boas apenas nas fotos, mas isso não faz a menor diferença. A violência se torna uma espécie de carnaval, onde as pessoas gritam “Morte ao Estado!” e depois voltam à normalidade. Temos que repensar a eficácia do que fazemos agora. É na mente e no coração que devemos fazer a mudança, antes de usar armas.

Toby garante que as pessoas mais violentas durante as marchas são as primeiras a sair do anarquismo, “porque você não vai vencer um Estado de violência com sua suposta violência”. Além disso, ele garante que as pessoas que agem com violência durante as marchas tendem a ter “ideias burguesas” sobre o anarquismo, e agem como o Estado quer concebê-las.

— Como você traz o anarquismo para a vida diária?

— Tornando as coisas que você faz todos os dias mais humanas.

Toby recomenda a leitura de Ideologia anarquista de Ángel J. Capelleti para quem deseja saber mais sobre o assunto.

Texto: Ignacio de Alba
Fotos: Daniel Lobato e Ignacio de Alba
Publicado em Pie de Pagina em 6 de Outubro de 2019
Tradução: DaVinci
Notas, revisão e versionamento: Baderna James


Importante

Nota da Monstro dos Mares: Podemos não concordar com as ideias de Toby sobre alguns temas, mas concordamos plenamente que é necessário e urgente criar mais espaços sociais comunitários como o hacklab, a rádio livre e a biblioteca, independentemente de qualquer divergência.

  1. Nota da edição: Puebla, oficialmente Heroica Puebla de Zaragoza, é um município do México, capital do estado de Puebla. []
  2. Nota da edição: O Porfirismo na história do México, é o período de 30 anos durante o qual governou o país o general Porfirio Diaz. []
  3. Nota da edição: Grandes protestos em memória aos 51 anos (2019) do Massacre de Tlatelolco, onde militares abriram fogo contra centenas de estudantes e civis que protestavam contra a realização dos Jogos Olímpicos de 1968 na Cidade do México. []

Zapatistas: lições de auto-organização comunitária

A primeira intenção de acabar com a política e substitui-la pela justiça transformadora baseada na comunidade está em andamento nos E.U.A., mas existem comunidades que têm experimentado a auto-organização, como os Zapatistas em Chiapas.

À medida em que a pandemia de Covid-19 sufoca os sistemas de saúde e as economias, inclusive nas nações mais avançadas, as redes mútuas e os esforços de auto-organização têm surgido em todo mundo como amostra de solidariedade pandêmica.

Com o assassinato policial de George Floyd, E.U.A., vê-se uma expansão da auto-organização: de doações e fundos de ajuda mútua para manifestantes até patrulhas cidadãs em Mineápolis e uma zona autônoma livre de política em Seattle.

A partir do caso Floyd, a primeira intenção de abolir a polícia e acabar com a política, e substitui-las pela justiça transformadora baseada na comunidade está em andamento nos E.U.A., mas existem comunidade que têm experimentado a auto-organização sem recorrer aos estados que as oprimem ou espoliam, como Rojava no noroeste da Síria, Cooperação Jackson no Mississippi e Zapatistas em Chiapas.

Os zapatistas, em particular, têm passado os últimos 20 anos organizando suas comunidades de maneira autônoma em relação ao Estado em todas as esferas da vida, desde a política e o sistema de justiça até a atenção médica, a economia e a educação. À medida que somos testemunhas dos limites do que se pode mudar radicalmente, a experiência zapatista é mais relevante do que nunca.

Sendo aprendiz de novas formas de democracia direta e autogoverno apátrida, viajei para Chiapas em dezembro passado para participar de um programa de um mês, chamado “Celebração da Vida”, que culminou com a celebração do 26º aniversário do levante Zapatista de 1994, quando campesinos indígenas de Chiapas se organizaram para defender seus direitos e terras contra o Estado e os grandes proprietários.

Embasando-me na investigação etnográfica existente, assim como em minhas próprias entrevistas e conversas durante a viagem, exploro neste texto as características mais instrutivas da organização social dos zapatistas: tomada de decisões de baixo para cima, justiça autônoma, educação, sistemas de saúde e economia cooperativa, com a esperança de que possamos nos beneficiar da experiência deles ao construir nosso próprio “outro mundo”.

As pessoas decidem

Nos 26 anos posteriores ao levantamento inicial, os zapatistas se converteram em uma voz de destaque dos povos indígenas de México e construíram um sistema autônomo de fato de autogoverno em territórios contíguos ao estado de Chiapas, habitados pelos defensores do movimento.

Um princípio-chave subjacente no projeto zapatista, que assegura que as instituições autônomas sirvam às pessoas, é “mandar obedecendo”, o que significa liderar obedecendo. Isso implica que os líderes políticos não tomam decisões em nome de sua comunidade como seus representantes, mas atuam como delegados da comunidade, implementando as decisões tomadas nas assembleias locais, um mecanismo tradicional de tomada de decisões.

Representantes existem no nível da aldeia e, diferente das assembleias tradicionais do México, incluem mulheres, cujo empoderamento está no centro da revolução zapatista. As assembleias elegem delegados por um conselho municipal, e seguem no nível da estrutura zapatista.

Logo, em nível regional, vários autônomos são representados por delegados em Juntas de Bom Governo (JBG), o Conselho de Bom Governo, chamados assim em contraste com o ‘mau’ governo mexicano. Os membros da JBG servem durante 3 anos de forma rotativa, em turnos de apenas algumas semanas. Essa rotação frequentemente se destina a prevenir o aparecimento de redes de clientelismo.

O mapa é cortesia de Maël Lhopital, voluntario do DESMI.

Qualquer ideia proposta em um nível administrativo superior passa pelo processo de consulta com cada comunidade, e após isso é que cada delegado leva a opinião de suas comunidades para a reunião municipal. Há uma forte ênfase na tomada de decisões por consenso, mesmo que isso signifique, constantemente, assistir a reuniões de um dia em que todos devem ser escutados, e que as decisões não aconteçam até que se chegue ao entendimento geral.

Os líderes são eleitos de acordo com o peso da tradição indígena, a obrigação de servir à comunidade, e se comprometem a postos de responsabilidades não-remunerados. As comunidades têm direito de revogar o mandato daqueles funcionários que não cumpram com seu dever de servir às pessoas.

A formação político-militar EZLN (Exército Zapatistas de Libertação Nacional), que se organizou clandestinamente em 1983 e alcançou o levante de 1994 e as ocupações de terras, existe paralelamente aos três níveis de administração autônoma e da direção política do movimento. Bem organizado hierarquicamente, seu corpo mais alto é formado por civis eleitos por assembleias comunitárias. Além disso, sua presença nos assuntos comunitários é limitada para garantir um verdadeiro autogoverno democrático das comunidades zapatistas.

O subcomandante Moisés fazendo uma declaração na celebração de aniversário, rodeado pelo resto da CCRI-CG, o corpo mais alto do EZLN (Comitê Clandestino Revolucionário Indígena – Comando Geral) | Foto: Anya Briy

Após adotar uma posição de rechaço a qualquer ajuda do chamado governo ‘mau’, os zapatistas assumiram a função estatal de prestação de serviços nas comunidades afiliadas ao movimento. Isso significa construir seus próprios sistemas comunitários de justiça, educação, saúde e produção.

Sistema de justiça

O sistema de justiça zapatista tem ganhado confiança e legitimidade, incluindo para além dos partidários do movimento. É gratuito, acontece nas línguas indígenas e é comprovadamente menos corrupto ou parcial em comparação com as instituições governamentais de justiça. Há, ainda, o que tem de mais importante: adota um enfoque restaurador, no lugar do punitivo, e coloca ênfase na necessidade de encontrar uma solução que satisfaça todas as partes.

Dentro da comunidade, o sistema possui três níveis: o primeiro nível se refere a questões entre os partidários zapatistas, como fofocas, roubos, embriaguez ou disputas domésticas. Tais casos são resolvidos pelas autoridades eleitas ou, se necessário, pela assembleia comunal, segunda a prática habitual. Ao resolver conflitos, as autoridades funcionam, em grande medida, como mediadoras, propondo soluções às partes envolvidas. Se não conseguem resolver, os casos passam, então, ao nível seguinte, municipal, no qual são tratados por uma Comissão de Honra e Justiça eleita.

Na maioria das vezes, as sentenças envolvem serviços voluntários ou multas; as penas de cárcere normalmente não excedem alguns dias. Como Melissa Forbis explica, o cárcere comunitário geralmente é apenas uma casa cercada com uma porta parcialmente aberta para que as pessoas possam passar para conversar e trazer comida. Quando quem cometeu a infração não tem meios e precisa pedir dinheiro emprestado aos membros de sua família para pagar uma sanção, estes também estão envolvidos e a prisão ajuda a prevenir uma transgressão maior. As questões domésticas relacionadas com as mulheres são abordadas pelas mulheres na Comissão.

Maria Mora oferece um retrato revelador do enfoque do movimento sobre a punição, documentando um caso em que os zapatistas emitiram uma sentença de serviço comunitário durante um ano por roubo. Aos declarados culpados permitiu-se oscilar entre o serviço com o trabalho em seus próprios campos de milho para que suas famílias não tivessem que compartilhar o castigo. A comissão explicou sua decisão da seguinte maneira:

“Pensamos que se simplesmente os prendêssemos, os que realmente sofreriam seriam os membros da família. Os culpados simplesmente descansariam todos os dias na prisão e aumentariam de peso, mas suas famílias precisariam trabalhar no milharal e descobrir como sobreviver.”

O nível mais alto do sistema de justiça, o JBG, se ocupa de casos que envolvem principalmente não-zapatistas ou outras organizações políticas locais, geralmente sobre disputas de terra, assim como as autoridades governamentais locais. Os não-zapatistas buscam o sistema de justiça autônomo não apenas quando têm disputas com membros das comunidades zapatistas, mas também quando experimentam um tratamento injusto por parte dos funcionários do governo; neste caso, os zapatistas podem decidir acompanhar os demandantes ao escritório público e debater em seu nome.

Embora os zapatistas tenham polícia, ela é bastante diferente de como estamos acostumados a pensar nisso. Como documenta Paulina Fernández Christlieb, não são armados, nem uniformizados, nem profissionais. Igual a outras autoridades, a polícia é eleita por sua comunidade; não são remunerados e não servem nesta função permanentemente. Cada comunidade tem sua própria polícia, enquanto nos níveis administrativos mais altos, os do município e da região, não têm. Descentralizados e desprofissionalizados, os policiais servem e estão sob o controle da comunidade que os elege.

Festival de dança que faz parte do longo programa do mês, chamado de “Celebração da Vida: membros da comunidade Zapatista comemoram a vida depois de 1994. As placas falam, “Educação”, “Saúde” e “Trabalho Coletivo”. Foto: Anya Briy

Educação

O sistema educativo zapatista está igualmente enraizado na comunidade. As escolas autônomas são administradas pelos chamados “promotores da educação”, principalmente jovens locais que ensinam em suas próprias comunidades sob a supervisão de um comitê educacional eleito por uma assembleia local.

Desde o lançamento do sistema educativo autônomo, os zapatistas têm levado a cabo programas de capacitação para preparar os promotores educativos e desenvolver um plano de estudos em colaboração com grupos solidários, ONGs e voluntários de fora, assim como em consulta com a população local. Atualmente as comunidades têm seus próprios profissionais que capacitam novos promotores. Assim como outros postos de autoridade e responsabilidade, os promotores não recebem salários e a comunidade apenas os ajuda no cultivo de seus campos de milho.

O plano de estudos está integrado na vida da comunidade e é desenhado para preparar uma nova geração para as tarefas de governança e autossuficiência, que incluem temas como autonomia, história, agroecologia e medicina veterinária. As aulas são ministradas tanto em espanhol quanto nas línguas indígenas, com ênfase na preservação das tradições e conhecimentos locais. A comunidade participa ativamente da escolha da metodologia e do plano de estudos, como mostra o comentário de um promotor de educação de uma das comunidades, citado por Bruno Baronnet:

“Consultamos o nosso comitê de educação e nossa assembleia sobre os verdadeiros conhecimentos que são importantes para nosso povo. São as pessoas que decidem e respeitamos suas opiniões, inclusive se as vezes não estou de acordo, como no outro dia durante a assembleia, quando me pediram que eu não jogasse com as crianças durante as horas de escola porque alguns pais pensam que não se podem aprender enquanto se divertem. Não sabia como dizer a eles que não estão de todo certo, mas os convencerei na próxima vez. (Tradução da autora, do Francês).”

Os jovens zapatistas estão representando suas vidas antes de 1994, fingindo beber cerveja e segurando um cartaz com o nome de um recente programa de ajuda governamental, Sembrando Vida.

Cuidados com a saúde

Os zapatistas também têm desenvolvido seu próprio sistema de saúde, enquanto ainda se utilizando da ajuda de especialistas não-zapatistas. A maioria das comunidades tem um voluntário local, um promotor de saúde, que recebe capacitação em medicina tradicional e moderna nos centros de saúde regionais organizados pelos zapatistas. Estes voluntários prestam serviços básicos em uma casa de saúde local.

O tratamento mais avançado disponível está nas clínicas localizadas em travessias de caminhos e em alguns centros municipais. A clínica em Oventic, por exemplo, é uma das mais sofisticadas: oferece cirurgia básica regular, atendimentos dentários, ginecológicos e oftalmológicos, abriga um laboratório, um canteiro de ervas, uma dúzia de leitos e está equipada com ambulâncias. Os comitês de coordenação de saúde, igual aos de educação, existem em cada nível administrativo, o que garante a participação das comunidades na administração do sistema de saúde autônomo.

Mulheres zapatistas que saíam de uma clínica localizada no centro de Morelia, onde se realizou o encontro internacional de mulheres, que também faz parte do programa de um mês e o aniversário. | Foto: Anya Briy

Nas comunidades mistas, onde os zapatistas coexistem com os não-zapatistas, os serviços autônomos estão abertos a todos. Me disseram, por exemplo, que pais não-zapatistas enviaram seus filhos para as escolas autônomas porque sabem que são de melhor qualidade. A mesma coisa se aplica às clínicas zapatistas, já que a falta de médicos nas comunidades indígenas é comum.

Produção: Para Todos Tudo, Para Nós Nada

O funcionamento do governo autônomo, escolas e clínicas, assim como de outros projetos coletivos, são financiados por meio do ingresso em cooperativas e coletivos de terras. Eles estão no centro da inspiração zapatistas de alcançar a autossuficiência econômica do Estado e construir uma economia baseada na distribuição equitativa dos recursos.

Embora as cooperativas e os coletivos coexistam com os terrenos familiares e o empreendimento individual, a participação no trabalho coletivo acontece de forma rotativa e é obrigatória. Também existem os bancos populares em forma de fundos rotativos que concedem empréstimos a baixo interesse aos membros da comunidade como base de apoio. Esses bancos geram fundos que se convertem em novos projetos coletivos. Alguns projetos coletivos são apenas para mulheres e têm a intenção de criar uma oportunidade para que elas ganhem confiança e participem da vida social de suas comunidades.

María, membro de uma comunidade zapatista, compartilhou sua experiência e compreensão sobre muitos aspectos da luta zapatista, incluindo o compromisso com o trabalho coletivo. | Foto: Anya Briy

Outro mundo é possível

Os desafios que o movimento zapatista enfrenta são muitos. Vão desde desertores, resultado da campanha de cooptação do governo por meio de subsídios e programas de melhoria, até a dependência financeira do financiamento por parte de ONGs solidárias e a persistência de tendências patriarcais e desigualdades internas.

Sem dúvida, apesar dos desafios, em 26 anos de luta pela autonomia, os zapatistas têm construído acordos sociais funcionais baseados na democracia debaixo para cima, cooperação e justiça comunitária, que colocam o bem estar da comunidade acima do benefício individual.

Através desses acordos, as comunidades zapatistas têm assegurado os direitos, a proteção e as necessidades básicas que o Estado mexicano tem lhes negado ou não pôde lhes proporcionar. Como assinalou recentemente Dora Roblero de Frayba, uma organização que vem acompanhando os zapatistas desde o princípio, os zapatistas podem ser a única comunidade no México mais preparada para resistir à pandemia, graças a sua auto-organização de serviços básicos durante anos.

Sabendo que os Estados não protegem e nem promovem serviços para tantos cidadãos em todo o mundo, a experiência zapatista oferece uma alternativa inspiradora centrada na comunidade.


Por Anya Briy, publicado em OpenDemocracy e traduzido por Ste.

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