Já faz seis meses que a Pandemia do Novo Coronavirus chegou ao Brasil e América Latina. É possível que cada uma de nós já tenha desenvolvido estratégias para lidar com o vírus, adotando um protocolo de segurança que atenda minimamente as necessidades mais básicas. Sabemos que, infelizmente, um dos principais sintomas dessa doença é escancarar as diferenças. Por isso, é importante reconhecer que algumas pessoas não conseguem manter os mesmos cuidados por diversos fatores, que são essencialmente sociais. Sabemos que os impactos sanitários, ambientais e sociais desse período modificarão profundamente os modos de viver e existir das próximas gerações.
É importante que cada pessoa apoie, dentro de suas possibilidades, as campanhas de apoio mútuo mobilizadas por diversas iniciativas, que seguem surgindo nesse tempo infeliz de descaso governamental.
Algumas pessoas, ainda que com dificuldades, optaram pelo auto-isolamento. Essa é uma forma de “distanciamento social” que busca evitar a circulação de pessoas e, com isso, reduzir ao máximo as chances de contágio e transmissão do vírus. Sabemos que esse método de prevenção envolve uma série de questões que precisam ser problematizadas AGORA. De que forma e em que condições é possível manter esse isolamento sem ignorar a realidade brasileira?
O objetivo deste texto não é expor as contradições envolvidas nessa escolha, mas reconhecer que, em diferentes modelos, um auto-isolamento é possível, seguro e pode ser solidário. Além disso, de alguma maneira pode ser útil para a auto-instrução e para a promoção de novos conhecimentos.
Você deve ter notado uma oferta imensa de cursos e lives com debates interessantíssimos, grupos de estudos on-line e projetos que recebem a adesão de variados perfis. Nossas amizades também estão promovendo momentos de encontro com artistas, músicos, performances e outras atividades artísticas e de compartilhamento de conhecimentos como nunca havia sido visto.
É bem possível que, se você leu até aqui, muito provavelmente já assistiu algum desses eventos, já recebeu o convite para participar de alguma live, um podcast ou, até mesmo, em algum momento já promoveu seu próprio evento. Por isso podemos ter essa conversa, pois já entendemos que alguma coisa temos em comum.
Auto-isolamento / auto-instrução
Para ampliar nossos conhecimentos e contribuir no desenvolvimento de uma autodefesa legítima contra a ideologia hegemônica do estado, do grande capital e do patriarcado, precisamos de uma programa de educação política capaz de romper com as lógicas de dominação e fazer com que nossas visões de mundo abram um espaço de possibilidade em nossos enfrentamentos cotidianos.
Nós, que nos reconhecemos como pessoas identificadas com políticas radicais e revolucionárias, precisamos construir ferramentas práticas para que nossas ideias e críticas possam emergir das realidades às quaisque estamos condicionadas, especialmente durante a pandemia. É preciso estilhaçar as ideias do senso comum e desenvolver dentro de nós a coragem necessária para que nossas convicções e capacidades de ação possam fortalecer uma resposta autônoma e autogestionária, compartilhando dos princípios e éticas libertários aos problemas impostos pelo Covid-19 ou agravados por ele.
Pensando em tudo isso, seguem abaixo algumas dicas para realizar momentos de leitura no seu dia a dia, só ou com seu bando.
Ideias e sugestões para seu programa de auto-instrução
- Ler (ou reler) obras de uma autora ou ator do seu interesse, em ordem cronológica;
- Ler um livro junto com uma amizade e promover encontros on-line para trocar ideias a cada capítulo;
- Combinar a leitura de um texto literário com textos e teóricos que dialogam com a obra;
- Fazer uma ampla seleção de documentários e filmes de ficção sobre um tema;
- Pesquisar artigos acadêmicos, livros, zines e panfletos sobre um tema de seu interesse ou de algo absolutamente novo para você e seu bando. Anticolonialismo, agroecologia libertária, solarpunk, teoria queer, feminismo negro, epicurismo, arrombamento de fechaduras e segurança digital são ótimos exemplos de temas;
- Transitar entre diferentes escolas e movimentos literários e sociais;
- Criar uma playlist de músicas que tratam sobre o tema de sua pesquisa e, na sequência, pensar sobre as letras e o contexto social da época de lançamento;
- Reservar um horário para leitura sem muitas interrupções;
- Navegar por sites estrangeiros de editoras e livrarias;
- Acessar a Biblioteca Anarquista Lusófona e conhecer os diversos textos disponíveis;
- Explorar formatos e gêneros, alternando histórias em quadrinhos, contos, romances, etc;
- Ler obras de autoras e autores que você sempre considerou impossíveis ou inacessíveis;
- Fazer um cineclube virtual para assistir filmes e debater com co-residentes e familiares, utilizando recursos de videochamada ou mensagens de texto/áudio;
- Ler o livro, assistir ao filme e discutir a adaptação;
- Criar um zine;
- Organizar sua biblioteca/coleção (vale a pasta de PDF);
- Compartilhar seus títulos preferidos com suas amizades, para depois organizar leituras em grupo;
- Crar sua própria estratégia de leitura.
Utilizar o tempo de auto-isolamento como um tempo útil e necessário para que seja possível fortalecer nossas visões de mundo e apontar direções para além do atual estado de coisas. Se manter o isolamento é viável para você, considere fazer um programa de estudos, um plano de zines, livros e capítulos que podem articular respostas para as dúvidas que movimentam suas inquietação e que te fazem perguntar como será possível fazermos, com nossas mãos, um século 21 absolutamente diferente.
Algo novo está em ebulição, bote para ferver!