2024 conviver é formar comunidades

Acreditamos que a atividade de fazer livros está ligada à reflexão sobre o tempo em que vivemos. Por isso, a cada início de ano escolhemos um tema para nos acompanhar no dia a dia. Este texto expõe nossas reflexões e visões mundo para inspirar as atividades de 2024.

Cada atividade que realizamos na Monstro dos Mares é movida por identificar e reconhecer em nossas práticas os princípios que buscamos assimilar e disseminar por meio das publicações que distribuímos. As bases estruturais existir, permanecer, conviver, educar e celebrar transbordam nossa atividade de fazer livros de inspiração anárquica. Queremos que, cada vez mais, a editora se torne um espaço no qual as pessoas se articulam e transformam encontros em trocas, convivência harmoniosa, música e boas conversas. Os livros e as pessoas, em conjunto, transformam qualquer lugar em um recanto para a construção da convivência e o que de bom pode vir dela: compartilhar e colaborar. Acreditamos que compartilhar e colaborar são boas formas de se pensar a construção de comunidades.

Comunidades são mais que grupos de pessoas que compartilham ideais, necessidades, acasos ou algum outro laço que as mantém juntas – temporária ou permanentemente. A formação de comunidades depende da convivência, e a convivência depende de espaços para que as pessoas se encontrem, produzam, aprendam, celebrem e façam o que mais quiserem fazer. Esse tipo de aliança depende também de mudanças de hábitos, como se abrir para participar de atividades que, talvez, você não se engajaria se não fosse pela conexão com as pessoas envolvidas ou com o espaço onde as atividades serão realizadas.

Nossas experiências têm nos mostrado que temos duas lutas político-privadas que necessitam da nossa atenção. A primeira é que precisamos, política e privadamente, lutar para que se torne possível a multiplicação de espaços autônomos fomentadores de diálogo. Falamos, por exemplo, de aluguéis e zoneamento urbano, que dificultam a manutenção de espaços sem fins comerciais diretos. A segunda é que precisamos, política e privadamente, lutar para transformar a cultura de isolamento que nos cerceia as alianças comunitárias. Aqui, estamos falando de, por exemplo, trabalharmos demais e não conseguirmos encontrar nossas amizades, ou então das economias de intimidade da heteronormatividade, que culturalmente nos dificultam a aproximação e troca com pessoas que acabamos de conhecer.

Conviver é, por definição, não estar só; ou seja, é viver juntes.

Já há alguns anos almejamos transformar, gradativamente, a editora em um espaço de convivência e produção em que as pessoas possam chegar para aprender, conversar, tomar um café, tocar os próprios projetos e compartilhar ideias. Ou talvez não fazer nada por um tempo. Um dos desafios que reconhecemos é incentivar, efetivamente, o hábito de ocupar espaços em que as pessoas podem ter acesso a algo gratuitamente: quero dizer, como uma biblioteca. Em uma biblioteca, não é necessária nenhuma troca financeira mediando o acesso aos livros. O acesso a trocas no espaço da editora é imaginado por nós um pouco como o acesso a uma biblioteca onde é possível encontrar livros, pessoas para conversar, um cafezinho e uma cachorra amorosa. Certamente a analogia pode ser problematizada e a comparação entre o espaço da editora e uma biblioteca vir a se tornar não muito boa, mas é importante reforçar a ideia da convivência ao redor dos livros, das conversas e da convivência.

Assim como a disseminação de ideias libertárias foi alavancada por meio da imprensa, que tornou possível a distribuição facilitada e em maior quantidade de panfletos, periódicos, cartazes e outros materiais impressos entre as pessoas e suas comunidades, os espaços que permitiam que as pessoas se encontrassem para conversar também foram fundamentais para que a convivência impulsionasse o pensamento crítico e autônomo, a auto-organização para a solução de problemas comuns, e o apoio-mútuo. Ou seja, a criação de comunidades politicamente engajadas e organizada por meio das trocas entre as pessoas.

Quanto mais encontros, risadas e boas conversas nós pudermos ter, mais poderemos colaborar. Mais nossas conexões se fortalecerão e mais sentiremos apoio em nossas comunidades, e apoiar iniciativas de nossas amizades tem transformado a convivência em produção coletiva e colaboração em projetos diversos, em que não nos veríamos envolvides não fosse a convivência no espaço da editora. Estamos conseguindo dar passos importantes rumo à construção de comunidades com mais inclusão, respeito às diversidades e fortalecedoras das economias alternativas, como a produção de artistes, artesães, poetes, mecaniques de bicicleta, cozinheires de rango vegan. Também estamos aprendendo muito sobre como garantir a participação das pessoas que trabalham na economia formal, de quem busca trabalho e também daquelus que desistiram de trabalhar.

Apoiar as pessoas que fazem parte das nossas comunidades é praticar o princípio do apoio-mútuo, assim como reconhecer o vigor das ideias e fortalecer a felicidade e a autonomia de todes como seus também. Nosso bando compartilha ideias vinculadas às causas que movimentam as pessoas com quem convivemos. Sonhamos que, com o passar do tempo, a Monstro dos Mares seja um lugar de articulação de comunidades de pessoas dispostas a experimentar outros modos de organizar nossos bondes, bandos e grupos.

Nossos livros são publicações experimentais criadas por pessoas criativas e consideradas amadoras; nossa oficina está em constante reformulação e melhoria; os textos são escritos por pessoas que, muitas vezes, nunca haviam sido publicadas antes; os papéis utilizados são convencionais e podem ser encontrados em qualquer papelaria. Nossos livros são publicações feitas por pessoas para quem os livros são, por um motivo ou outro, importantes. Elas estão interessadas em conteúdos originais, de natureza crítica, e que buscam modos de ultrapassar limites impostos pela forma, pela linguagem ou pela imagem – conscientes de que tais limites são, inegavelmente, tensões políticas contra as quais estamos lutando enquanto convivemos. Cada um de nossos livros e zines é o resultado do convívio, das convergências e das divergências de nossas comunidades. Os livros são, de toda forma, parte produto e parte produtora de nossa convivência.

As palavras, nas centenas de cópias de cada um dos livros e zines produzidos na Monstro dos Mares, espalham sementes de ideias pela defesa das florestas e seus povos, pelos ancestrais e originários, por nós e por quem virá, por um mundo repleto de bicicletas, mato, pirataria e hacking de todos os cistemas.

Conviver é formar comunidades.
Bom 2024.
Boas leituras, junte-se a nós!

Editora Monstro dos Mares

Em 2021, tire a p̶e̶s̶q̶u̶i̶s̶a̶ insurreição do armário!

Além de ampliar as perspectivas e referências da sua pesquisa, a Editora Monstro dos Mares está em ação para fortalecer a atividade de espaços comunitários, sociais, movimentos, coletivos e singularidades. Atuamos com a vontade de aumentar a felicidade e a autorrealização das pessoas que fazem parte de nossa iniciativa editorial, tal como daquelas que se relacionam direta ou indiretamente conosco. Isso tudo pode parecer efêmero, mas talvez sejam os mais importantes benefícios das atividades que realizamos na editora. Números jamais poderiam traduzir a felicidade e a autorrealização que sentimos ao distribuir livros e zines, mas no dia a dia vivenciamos o impacto mais gratificante de toda a nossa atividade de inspiração anárquica e autogestionária.

Aprendemos constantemente umas com as outras, e nossa alegria e entusiasmo estão na satisfação de interagir e colaborar em bando, realizando atividades e projetos cada vez mais envolventes, conscientes e felizes. Entendemos que a Editora Monstro dos Mares tem como missão a contribuição social na valorização das subjetividades e no enfrentamento aberto ao capitalismo, à colonialidade e ao patriarcado em todas as suas expressões.

A atividade de fazer livros e zines é também uma forma importante nos esforços para enfrentar a pobreza e buscar melhorias nas condições de vida de toda gente sofrida. Compreender as condições mais singelas de ser quem se é, incluindo sua etnia, sexualidade, identidade cultural, constituição física, capacidade e orientação tecnopolítica, fortalece e amplia nossas reflexões sobre as relações de poder sobre os corpos, o adoecimento generalizado, a dependência financeira daqueles que trabalham, a cooptação política de nossas comunidades, tal como os elevados níveis de stress nos meios acadêmicos e as precárias formas de expressão dos sentimentos e angústias do nosso tempo. Por tudo isso, ousamos buscar por modos diversos de enfrentamento à centralização do poder e as imposições normativas do Estado, do grande capital, do judiciário, da igreja e da família (abusadores, policiais, patrões, padres, pastores, juízes, e maridos também!).

Ao realizar processos de publicação que disponibilizam ferramentas de autonomia, emergem evidentes chamados às práticas/éticas das vidas em perigo, das existências que expressam sentimentos conectados à realidade social de nosso tempo. Linhas, páginas e capítulos são caminhos pelos quais alcançamos nossos objetivos e desfrutamos das maiores recompensas conhecidas para nossa pequena comunidade editorial: pessoas convivendo umas com as outras de forma dedicada, para uma vida mais criativa e que, ao falarem abertamente de seus problemas em sociedade, buscam soluções compartilhadas.

Nosso coletivo é pequeno, somos uma dúzia de pessoas que contribuem no conselho editorial e científico, duas para fazer todo o resto (imprimir, cortar, colar, grampear…) e, lógico, uma quantidade carinhosa de pessoas da Rede de Apoio e Solidariedade, que muito generosamente nos enchem de carinho e também prestam suporte financeiro mensal para seguirmos existindo.

Buscamos com nossas publicações compreensões sobre nosso tempo, partindo das cosmovisões e experiências pluridiscursivas cotidianas de habitar o lugar, onde se constrói a dimensão da experiência e da pre-sença do Ser no Mundo. Esse lugar que somos, o século 21. Aqui, não se trata de negar ou rechaçar os iluministas, os homens europeus cis brancos e mortos da Europa que estenderam suas teorias até os dias de hoje, mas compreender, articular e abrir espaço para que outras visões de mundo possam emergir, rumo a um mundo em constante transformação e cheio de possibilidades. Não se trata de reescrever o futuro ou o que virá, mas abrir-se para o que está acontecendo aqui, entre nós.

Esse é o desafio presente nos esforços de publicação de textos que conseguimos produzir, resgatar ou localizar: desacomodar o horizonte epistemológico das pessoas dentro e fora da academia a partir de uma perspectiva radical, que enfrenta os discursos daqueles que desejam a nossa morte e/ou mesmo daqueles que pensam que não somos sociais ou, ainda, que acham que dependemos da aceitação de qualquer “autoridade” no horizonte das lutas. Somos a luta, nossos corpos são campos de batalha. Somos monas, minas e manos, lésbicas, não-bináries, pessoas negras, pardas, gordas, maricas, sapatonas, homens e mulheres trans, povos da floresta, pessoas com deficiências. Somos essa gente com doenças crônicas, com problemas de saúde mental. Somos as pessoas que não se reconhecem nas definições limitadas dos rótulos, identidades, partidos e perfis para serem catalogadas no segundo caderno dos jornais. São nossos corpos, nossas vidas, nossas lutas!

Esse é o nosso tempo e ninguém vai nos dizer o que fazer.

Em 2021, tire sua pesquisa insurreição do armário e faça com que ela ocupe todos os espaços da vida, dentro e fora dos muros das universidades.


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