Acreditamos que a atividade de fazer livros está ligada à reflexão sobre o tempo em que vivemos. Por isso, a cada início de ano escolhemos um tema para nos acompanhar no dia a dia. Este texto expõe nossas reflexões e visões mundo para inspirar as atividades de 2022.
No grande abismo em que vivemos, buscamos incessantemente formas de manter algum equilíbrio, alguma base de apoio que nos possibilite a continuidade da existência. Apenas existir, mais frequentemente do que gostaríamos, mostra-se como nosso primeiro desafio. Precisamos cuidar de nós e de nossas comunidades para que nossa existência continue possível.
No percurso desses noves anos de editora, aprendemos que existem diversos modos de se compreender o que está no mundo. Cada pessoa carrega consigo conhecimentos, práticas criativas, anseios, éticas e visões de mundo. É interagindo e compartilhando ideias e momentos que florescemos possibilidades múltiplas de existência: cada encontro é uma janela aberta a todas as possibilidades. Nesses encontros, nos deparamos com relações que gostamos de manter e que apoiam nossa permanência neste tempo. A variedade dos encontros que tivemos nesses anos de editora nos ajudou a constituir relações de cuidado e amizade, surpresa e confirmação, descoberta e transformação. Através de nosso compromisso diário com o fazer livros, nos deparamos com o cuidado que nos proporciona a existência e ir além do apenas existir.
Foram muitos encontros com pessoas que nunca havíamos visto, com amizades que moram longe, momentos com a natureza, novos filmes, construção de projetos comunitários, nas páginas de um livro, muitas conversas, ações e atividades cotidianas. Refletindo sobre como tudo isso nos afeta, passamos a compreender as possibilidades frutíferas desses encontros como cuidado.
Nossos corpos, existências e ideias estão sob a ameaça constante dos efeitos nefastos do capitalismo, da acumulação do poder, da supressão das subjetividades e do fetiche pelo domínio da técnica. Os fenômenos sociais e históricos estão, em diferentes escalas, sob a influência dessas ameaças. Testemunhamos o massacre de comunidades indígenas e da juventude negra, a precarização sistêmica de nossa gente trabalhadora, opressões em torno de identidades de gênero, sexualidade, etnia e/ou religiosidade, a destruição do meio ambiente, entre outras tantas consequências da necropolítica. É nesse contexto que o cuidado se torna uma de nossas ferramentas de resistência, pois é no cuidar que estabelecemos relações com o mundo. Por isso, muito mais que contingência, contingência, o cuidado é uma necessidade que constitui a vida e a forma como cuidamos define aquilo que somos.
Existem muitos modos de promover o cuidado. Não precisamos de grandes planos ou de promessas para o futuro. Precisamos viver melhor hoje: mesmo que o mundo fosse acabar amanhã, eu ainda plantaria uma árvore hoje.
Acreditamos que parte do mundo está constituído daquilo que podemos fazer com nossos saberes e criatividade. O cuidar pode ser uma horta comunitária, uma biblioteca, grupos de escuta ativa, dança, brigadas autônomas de combate a incêndios na floresta, ateliês de costura, afeto, água limpa, cooperativa de tradutoras, pesquisa, compostagem, culinária vegana, agroflorestas orgânicas, serigrafia, ginecologia natural, hackerspaces, tranças, alfabetização de pessoas adultas, bioconstrução, desinfecção comunitária, cooperativas de atividades para geração de renda, entre outras tantas. Na Monstro dos Mares, parte do cuidado que temos para existir no mundo é fazer livros artesanais. E sabemos que não somos apenas isso, somos todos os encontros e as possibilidades ao mesmo tempo; existir é cuidar.
Em 2022, fortaleça o cuidado!
Monas, Minas e Manos.
Editora Monstro dos Mares
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