Na mais recente edição do Chá da tarde (que você pode assistir no IGTV ou no YouTube), nós respondemos a uma pergunta que aparece frequentemente por aqui: Como montar uma editora?
A Editora Monstro dos Mares apoia e incentiva a proliferação de novas iniciativas editoriais, e uma das decisões que tomamos para 2020 foi a de compartilhar nossas experiências com esse tipo de projeto cada vez mais. A primeira sugestão que fazemos é a leitura do texto “Para publicar – a necessidade de tinta no papel nas publicações anarquistas da atualidade“, por Aragorn!.
O processo de colocar tinta no papel e entregá-los para pessoas que estão interessadas contém um espectro completo de experiências sobre como realmente podemos fazer alguma coisa. Como transformar boas ideias (e mesmo as meia-boca) em sucessos ou fracassos. No papel essas ideias tem um valor próprio, mais do que elogios, críticas e enganos, o resultado é jogar mais ideias para o mundo. O processo de transferir palavras impressas de lá pra cá, de você pra mim, é também a conexão primária que faz existir uma editora para dezenas, centenas ou milhares de pessoas que serão escribas do futuro, feitiçeirxs da anarquia, companheirxs que podem fazer as coisas acontecerem e as melhores amizades que você nunca vai ter.
Aragorn!
Se você, como a gente, sente-se tocada por essas palavras e esse sentimento de conexão com a viagem da tinta no papel, montar uma editora certamente será uma experiência fantástica. Nem tudo será fácil, isso é um fato, mas encontrar soluções, compartilhar experiências, buscar alternativas e entrar em contato com as pessoas sempre traz muita satisfação.
Compartilhamos abaixo algumas reflexões sobre “por onde começar”, baseadas na nossa experiência com a Monstro e com o que aprendemos com outros projetos semelhantes (e diferentes também).
Compartilhe e discuta com seu grupo as seguintes perguntas:
O que você vai publicar?
Materiais com poucas páginas, livros mais grossos? Isso vai ajudar você a descobrir quais ferramentas você vai precisar usar no dia a dia. É legal começar pelo que você já tem disponível para usar, ao invés de começar pensando no que você precisa conseguir. Assim, você mantém a realização da atividade mais perto de você e se motiva a prosseguir. Muitas vezes, conseguir ferramentas é muito mais fácil do que imaginamos. Lembre-se: ferramentas são coisas que você usa. Então, mesmo que você não tenha uma ferramenta própria, pode ser que você consiga coisas emprestadas e doações. Uma tampa de fogão velha ou um pedaço de vidro grosso sem uso no porão de alguém podem ser uma mão na roda pra quem vai refilar no estilete. Use a imaginação, pesquise técnicas e faça adaptações – mas lembre-se de que a sua segurança tem que ficar em primeiro lugar.
Qual o contexto em que seu projeto está inserido?
Sua editora vai fortalecer um movimento que já existe, somar-se a alguma causa, distribuir material gratuito? Assim como o conhecimento, que só existe em contexto, uma editora não é um fim em si mesmo. Ela faz parte de um projeto e precisa fazer sentido dentro de uma comunidade. A Monstro, por exemplo, vende livros para poder distribuir materiais gratuitamente e fortalecer bibliotecas comunitárias, coletivos e pesquisadoras independentes. Em 2019, foram 665 livros e 1.399 zines distribuídos sem nenhum custo.
Quanto tempo você irá dedicar ao projeto?
Saber disso vai te ajudar a escolher os materiais, decidir sobre técnicas, planejar a compra de insumos e a distribuição do material finalizado, e também a organizar o espaço do qual você dispõe. Por exemplo, se você vai dedicar os finais de semana para sua editora, talvez dê para colocar uma mesa no quintal e tocar a montagem do que foi impresso no fim de semana anterior (e ficou guardado em uma caixa debaixo da sua cama).
Que técnicas você irá utilizar?
Se você vai publicar zines, por exemplo, um grampeador comum, uma régua de metal (ou uma barra de metal mesmo), uma caixa de grampo e um estilete são suficientes para criar materiais muito legais. Como está o preço da fotocópia na sua cidade? Uma impressora de cartucho esquecida pode voltar à vida, e é possível aprender a recarregar um cartucho em casa (procure no YouTube!). Vai imprimir apenas em preto ou pensa em usar cores? Quer utilizar papel colorido nas capas ou vai fazer as artes em preto e branco (que podem ficar muito bonitas!)? Uma dica: costurar zines na máquina de costura dá um resultado muito legal, e existem várias técnicas de costura manual lindíssimas para aprender (no YouTube também!). Tendo uma noção dessas técnicas, você vai poder começar a fazer um levantamento dos materiais que você vai precisar e pesquisar preços no comércio da sua cidade ou pela internet.
Como será a distribuição?
Essa pergunta vai ajudar você a pensar na quantidade de material que você vai imprimir e distribuir, e também vai dar uma noção melhor da quantidade dos materiais que você vai precisar e a grana que você vai precisar para comprá-los. Se você vai distribuir em uma banquinha, por exemplo, lembre-se de que papel é uma coisa muito pesada e pode ser que você precise caminhar carregando caixa de zines, mochila, uma garrafa d’água, um pano para abrir no chão. Se você vai distribuir pelos correios, vai precisar de envelopes, fita, papel para embalar, etc.
Qual o espaço de que você dispõe?
Uma mesa que aguente o tranco e um computador são essenciais. Tem espaço para ter uma mesa só para a guilhotina ou base para cortar com estilete, ou vai alternar a mesa entre separação, montagem e corte? Onde você vai guardar os materiais impressos? Quanto mais material impresso, mais a questão do espaço para guardá-los se torna importante.
A Monstro nunca teve um caixa cheio e vistoso, e provavelmente nunca terá. Quando começou, não tinha impressora própria e as ferramentas utilizadas na montagem eram coisas que as pessoas já tinham em casa. Hoje a editora tem quatro impressoras, mas foram oito anos de atividade e muita colaboração para chegar nelas. Ainda temos muito para caminhar e chegar onde sonhamos: continuar realizando todo o processo artesanalmente, aumentar o volume de impressões para chegar a cada vez mais pessoas, e fazer tudo isso com uma infraestrutura mais amigável.
Posso dizer que o que nos move é a curiosidade, a pesquisa, a colaboração, e a prática. Por isso, não temos como responder com um valor fechado, e não queremos fazer isso! A Monstro não é um “negócio” no sentido mais usual da palavra; quer dizer, não é algo que depende de um investimento inicial que precisa ser coberto em um espaço de tempo determinado para que comece a gerar “frutos” – ou seja, valores financeiros. Um número não pode ser impedimento para você realizar aquilo que gosta. Por isso, observe o que está a seu redor e descubra o que você pode começar a fazer a partir do que está à mão. À medida que outras necessidades forem surgindo, busque suas próprias soluções para elas, fale com outras pessoas, pesquise. Não há roteiros nem caminhos definidos, existe a trajetória do que é possível ir fazendo à medida que você faz. Busque inspiração em outros projetos, crie suas respostas e faça livros!
Links que podem ser úteis:
Monte sua Banquinha – Facção Fictícia
Como dobrar zines
Macetes: posição dos grampos
Vídeos no Instagram da Monstro dos Mares
Refilando capa no bisturi
Colando livros de lombada quadrada
Usando a guilhotina de zines
Prensa de zines
Ei pirata! 🏴☠️
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