Oito livros anarquistas fundamentais (de Iván Darío Álvarez)

Nos livros de Iván Darío Álvarez pode-se compreender as bases do anarquismo, encontrar edições que quase desapareceram devido à sua estigmatização, e descobrir a faceta libertária do pensador Noam Chomsky. Estes são os textos fundamentais para um seguidor dessa corrente.

A ideia de um mundo sem governo, no qual todos os indivíduos possam considerarem-se livres de qualquer jugo, é, para muitos, utópica, ilusória, ou simplesmente uma piada. Para os/as anarquistas ou libertário(a)s, pelo contrário, acabar com o Estado, o capitalismo, e qualquer regulamentação opressora tem sido sua maior motivação há séculos.

O problema é que o termo anarquia — que por sua etimologia grega significa “ausência de governo” — está, muitas das vezes, associado à violência ou a tumultos. No México, por exemplo, vários jornais fazem uso do termo unicamente para referirem-se a atos violentos que são cometidos por algumas pessoas que guiam suas vidas segundo tais ideais. No Chile, o jornalista italiano Lorenzo Spairani foi deportado, em 2017, por gravar vídeos de uma marcha sindical, tendo sido acusado de fazer parte da cena anarcoliberal. Isso põe em dúvida a plena democracia do Chile, disse Spairani ao jornal costarriquenho El País.

Na Colômbia, há personalidades que, longe de promover a violência, assumiram o anarquismo a partir das letras e das artes cênicas. Uma dessas pessoas é Iván Darío Álvarez, escritor, bonequeiro, pensador, e também fundador, há 44 anos em Bogotá, do teatro La Libélula Dorada, no qual injeta o “veneno” libertário através de obras de sua autoria como El Dulce Encanto de la isla Acracia. Ele também colaborou no suplemento Magazín Dominical do jornal El Espectador com vários artigos dedicados ao anarquismo, e em 1992 fundou o jornal Biófilos, assim batizado em homenagem ao ativista e anarquista colombiano Biófilo Panclasta, do qual produziu quatro edições. Sua biblioteca, que ocupa quase três cômodos de sua casa, é uma vasta coleção de filosofia, contos infantis, peças teatrais, cancioneiros, poemas, e há um local especial para estes oito livros, recomendados por Iván Darío, que são fundamentais para qualquer interessado(a) em conhecer as bases e os ideais anarquistas.

Diccionario anarquista de emergencia – Iván Darío Álvarez e Juan Manuel Roca

livros Diccionario anarquista de emergencia - Iván Darío Álvarez e Juan Manuel Roca

Parecerá um pouco narcisista começar com este livro que escrevi junto com o poeta Juan Manuel Roca, mas este texto é como uma introdução ao anarquismo. Este livro está dividido em duas partes: na primeira, tomamos os termos de A a Z próximos à anarquia e os definimos do ponto de vista libertário, através de citações de filósofos, anarquistas, ou pessoas com ideais semelhantes ao anarquismo; na segunda parte, incluímos umas mini-biografias de personalidades que muita gente ignora que estavam próximas dessa corrente, tal como Albert Camus, Arthur Rimbaud, Oscar Wilde e Leon Tolstói.

Anarquía y orden – Herbert Read

livros Anarquía y orden - Herbert Read

Esta é uma joia porque, devido à sua estigmatização, encontrar edições desta obra é como procurar uma agulha no palheiro. Neste livro, Read reúne seis ensaios, nos quais há desde poesia até filosofia, e os relaciona ao anarquismo. Isto também é uma raridade em seu trabalho, porque esse inglês é mais conhecido por suas publicações sobre estética. A editora argentina que publicou esta obra, Américalee, é muito importante, pois se encarregou de resgatar clássicos do anarquismo de meados do século XX.

Disponível em La Biblioteca Anarquista.

Razones para la anarquía – Noam Chomsky

livros Razones para la anarquía - Noam Chomsky

Chomsky também é muito conhecido por seus trabalhos linguísticos e críticos, mas pouco por sua faceta libertária. Neste livro, onde também há entrevistas, ele faz um estudo sobre a prática das ideias anarquistas na Guerra Civil Espanhola, que levaram a impedir que os franquistas tomassem Barcelona. Os libertários também assumiram o controle das fábricas, eliminaram o dinheiro, e colocaram os campos nas mãos dos camponeses, sob autogestão. O autor vê nisto um modelo inspirador para uma nova sociedade, onde seja possível haver uma democracia construída de baixo para cima, e não ao contrário.

Disponível em The Anarchist Library.

El corto verano de la anarquía: vida y muerte de DurrutiHans Magnus Enzensberger

livros El corto verano de la anarquía: vida y muerte de Durruti - Hans Magnus Enzensberger

Durante a Guerra Civil e a gestação do movimento operário espanhol, surgiram grandes figuras, entre elas o metalúrgico Buenaventura Durruti. Ele teve uma vida extraordinária: esteve preso, em seguida fugiu da Espanha e andou pelo México, Cuba e Argentina roubando, não para ficar rico, mas para financiar suas lutas sociais e a fundação de escolas anarquistas. Ele também criou a Coluna de Ferro, que eram as milícias anarquistas que enfrentavam Franco. Enzensberger tece muito bem esse relato, e o conta como um romance, com testemunhos de simpatizantes, inimigos, e por meio de fragmentos de livros e entrevistas.

Disponível em La Biblioteca Anarquista.

Cabezas de tormenta: ensayos sobre lo ingobernable – Christian Ferrer

livros Cabezas de tormenta: ensayos sobre lo ingobernable - Christian Ferrer

Nos quatro ensaios que compõem este livro, Ferrer pesquisa o estilo de vida dos libertários, seu idealismo e fé nas ideias, e os põe como um modelo do quê o anarquista ideal pode ser. Também se encarrega de desmistificar o imaginário que a burguesia impôs à sociedade a respeito do que é um seguidor da anarquia: alguém estigmatizado, satanizado por sua rebeldia, um ser perigoso e incendiário que sempre anda com uma bomba oculta. O autor dá a essa obra um estilo pessoal que o torna muito poético e agradável de ler.

El crepúsculo de las maquinas – John Zerzan

livros El crepúsculo de las maquinas - John Zerzan

Este trabalho é muito polêmico porque Zerzan é contrário ao progresso da civilização que, para ele, está nos levando a um beco sem saída. Ele argumenta que, com o surgimento da agricultura, começou a divisão do trabalho e um ideal de ambição e de conquista que serviram de base para o escravismo. O autor propõe voltar a uma sociedade primitiva, onde haja uma relação mais estreita entre os seres humanos e a natureza, e onde as cidades não existam; para ele, elas são monstros em crescimento que degradaram o ser humano até o ponto de convertê-lo em alguém anti-social.

Anarchy Alive!Uri Gordon

livro "anarquia viva!" Uri Gordon

O ativismo e sua participação em redes contra o Banco Mundial, o G8 e todos esses movimentos capitalistas e de globalização, levaram a esse graduado em Oxford a fazer este livro, que é sua tese de graduação. O particular é que ele não o fez sentado à uma mesa, mas sim embasado nas suas experiências em protestos. Gordon explica que, ainda que o anarquismo tenha sido ofuscado por movimentos como o marxismo, nunca desapareceu; depois do Maio de 68, houve uma nova irrupção e atualmente existem anarquistas que não se autodenominam assim, devido à estigmatização da palavra, e sim como autonomistas, assembleístas, etc.

Disponível na Biblioteca Anarquista Lusófona.

Cine y anarquismo: la utopía anarquista en imágenes – Richard Porton

livro Cine y anarquismo: la utopía anarquista en imágenes

O cinema sempre esteve presente nas lutas sociais, e mostrou o anarquista de diferentes maneiras. Porton explica isso da perspectiva daqueles que seguem esses ideais, assim como daqueles que não seguem. Aqui falamos sobre, por exemplo, Sacco e Vanzetti (1971), filme que conta o caso de dois imigrantes italianos que chegaram nos Estados Unidos em busca de um futuro melhor e que, ao ver as formas brutais de exploração daquele país, ingressam no movimento operário norte-americano para lutar a partir do anarquismo. Logo são acusados ​​de um crime que não cometeram e são condenados à cadeira elétrica.


Fonte: Andrés J. López. Artigo ¿Qué hay en la biblioteca de un anarquista? originalmente publicado na revista Cartel Urbano, de Bogotá (Colômbia), em 22 de fevereiro de 2017. Versão em português por Anders Bateva.

Editoras anarquistas que mantêm vivo o espírito libertário na Colômbia

“Você tem todo o direito de copiar este livro total ou parcialmente, imprimir e distribuir por qualquer meio. Esse conteúdo não é protegido por nenhum monopólio cultural ou direito comercial; ao curso da história os livros são e serão gratuitos. Ninguém vai te culpar ou prender por distribuir ou realizar cópias; pelo contrário, ficaremos muito agradecidos se você fizer isso. O conhecimento se distribui livremente.”

Ao abrir um livro, raramente é possível se deparar com essa afirmação, não restritiva – como regra geral –, mas permissiva. Essa tem sido a premissa sob a qual acadêmicos, poetas, estudantes e militantes anarquistas publicam, de forma independente, distribuem os textos próprios e outros. Essas editoras fazem isso criando outros formatos, que visam uma produção com mais tiragem, diferente dos panfletos e fanzines publicados há mais de 20 anos em universidades e outros espaços libertários.

Alguns livreiros identificam a origem dessas editoras anarquistas na Feira do Livro Independente e Autogerenciada (FLIA, que começou em Buenos Aires, Argentina) que, a partir de 2010, mudou-se para Bogotá. Desde a primeira edição, os visitantes do evento literário começaram a se familiarizar com uma produção diferente, clandestina e artesanal, que incentiva a produção doméstica dos livros. Uma dessas pessoas foi Fabián Serrano, membro da editora Imprenta Comunera, da cidade Bucaramanga. “O bom de ter uma editora independente é que escapamos da imposição de autores renomados e personalidades para focamos apenas nos personagens que consideramos importantes“, diz Fabián, que juntamente com outros dois colegas, lançou oito publicações em apenas cinco meses.

Eles, como seus colegas de outras editoras, não estão preocupados em ter lucro, mas em espalhar seus pensamentos e ideias para o maior público possível. É por isso que o tempo todo eles resgatam conteúdos de anarquistas conhecidos, mas que não são publicados em grandes editoras ou editoras comerciais, como é o caso da obra de Emma Goldman, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta, Uri Gordon, Henry David Thoreau e de personalidades com um lado libertário pouco conhecido, como Oscar Wilde ou Noam Chomsky. Para essas reedições, é mais complicado conseguir o texto para publicá-lo, por haver poucas cópias existentes; geralmente, os autores dessa corrente independente divulgam seus trabalhos sem restrições. “Sentimos que, quando criamos algo, isso não nos pertence mais, de modo que as pessoas assumem e se reconhecem neles, e isso é maravilhoso“, explica Iván Darío Álvarez, escritor, pensador anarquista e bonequeiro, fundador do teatro La libélula Dorada.

Pie de Monte é uma das editoras que faz esses resgates, mas que também quer apostar em novos escritores. Atualmente, a editora trabalha com textos de amigos e conhecidos, mas seu objetivo é que, mais tarde, mais pessoas sejam encorajadas a publicar seus trabalhos autorais. “Fizemos isso porque a ideia é que as pessoas saiam da dinâmica do mercado editorial e dos blogs e que resgatem a tarefa do livreiro e das livrarias. Isso sim, a única coisa que não tem discussão é que quem publica conosco deve deixar livres os direitos da obra“, comenta Santiago Lopez, membro da editora.

A conjuntura é outro fator importante nas reedições ou escritos originais: muitos textos são publicados em um determinado momento para demonstrar que as ideias anarquistas de várias décadas atrás ainda são válidas. Foi o caso da última publicação da El Rey Desnudo, a editora de Iván Darío e do poeta Juan Manuel Roca, USA nación de lunáticos, uma compilação de fragmentos de um ensaio que o escritor Henry Miller fez após o fracasso americano no Vietnã, um texto que foi lançado como uma crítica ao atual mandato de Donald Trump.

Embora os livros sejam o formato preferido para editoras anarquistas, brochuras, diários e jornais não são renegados. El Aguijón, uma editora criada dentro da Universidade Nacional de Medellín, em 2006, lançou uma seleção de contos e está preparando um novo volume. Porém, ocasionalmente eles tiram o jornal El Aguijón – Klavando la duda, para o qual recebem apoios financeiros que permitem dar continuidade em outros projetos. Você pode baixar os exemplares gratuitamente na página da editora.

O dinheiro investido é recuperado na maior parte das vezes, mas para reduzir custos ou acelerar o processo é comum alguns editores unirem forças. Rojinegro e Gato Negro reuniram textos como Estratégia e tática na prática anarquista, de Errico Malatesta, e Anarquismo e poder popular: teoria e prática sul-americanas, uma compilação de teorias e opiniões sobre anarquismo e poder popular. O número de cópias varia e, assim como alguns títulos chegam a 300 cópias, outros saem com apenas 30 exemplares.

Devido ao desconhecimento sobre os autores ou preconceitos que existem em relação ao anarquismo, poucos são os lugares onde é possível encontrar essas publicações em suas prateleiras. Em Bogotá, os mais comuns são La Valija de Fuego, Rojinegro, La Libélula Dorada, Luvina, El Dinosaurio, Árbol de Tinta e La Mandriguera del Conejo. Oscar Vargas, um dos fundadores da Gato Negro, diz que tentaram alcançar outros espaços, mas que não deu muito certo. “Isso foi difícil, porque em várias livrarias eles querem cobrar entre 30% e 40% do preço de capa, e buscam ter lucro por algo que nós não compartilhamos na mesma lógica. Somente alguns foram capazes de entender a proposta”, explica Óscar.

As publicações de Gato Negro. Foto cedida por Oscar Vargas.

Mas nem a clandestinidade, nem o baixo orçamento, foram impedimentos para alcançar outras partes do mundo. Por meio de conhecidos ou trocas por quilos, os editores colombianos levaram textos para Argentina, Chile, Equador, México, Peru, Uruguai, Brasil e Espanha. Os livros recebidos do exterior são vendidos para recuperar o dinheiro investido ou, como no caso da Rojinegro, são utilizados no Centro de Documentação Ácrata, uma espaço que fica nas suas instalações e que qualquer pessoa pode consultar o acervo ou fazer cópias.

Os preços baixos são a chave para alcançar mais pessoas: a maioria dos livros é vendida entre sete mil e quinze mil pesos, aproximadamente. (Nota do tradutor: O que equivale a um valor entre 10 e 20 reais) “Vimos que em feiras e eventos independentes, os metaleiros ou punks sacrificam parte da grana da birita porque estão interessados no que fazemos. É uma mentira que na Colômbia as pessoas não gostam de ler; elas não leem porque os livros aqui são muito caros”, explica Fabián.

Foto cedida por Oscar Vargas.

As editoras libertárias da Colômbia precisam ser mais divulgadas, mas seus editores estão satisfeitos com a situação atual e com o fato de que cada vez mais pessoas querem escapar da realidade do mercado e são incentivadas a publicar ou piratear o trabalho de autores que incomodam a outras editoras, ou mesmo ao estado. Essa aceitação vem aumentando e recentemente, por exemplo, uma tradução do livro de Iván Darío Álvarez e Juan Manuel Roca, Dicionário anarquista de emergência, começou a ser distribuído na França.

Para Roca, esse é um sinal da inconformidade latente que persiste na humanidade. “Anarquismo é como Drácula, que em todos os filmes eles o matam, mas em cada final ele acorda e está mais vivo do que os vivos. Há quantos anos eles decretam a sua morte e vemos que diversos movimentos de jovens e aqueles que não fazem parte de um partido se mobilizam de maneira tão vigorosa e sem limitações”, diz ele.


Por Andrés J. López, publicado em Cartel Urbano no dia 10 de Março de 2017.
Versão para o português por Baderna James.

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