[Live de lançamento] Nossas histórias contamo nóis memo, Ana Furlan.

Lançamento do livro “Nossas histórias contamo nóis memo: a garantia de direitos universais a adolescentes privados de liberdade através da comunicação e da arte” de Ana Maria Masson Furlan pela editora Monstro dos Mares.

Dia 12 de Outubro, 19h.
Com Ana Furlan e abobrinha.

Um livro sobre educação libertária, comunicação midiática plural, em linhas gerais é um livro sobre direitos fundamentais e, acima de tudo, é um livro que pretende debater tudo isso inserido em um contexto específico: unidades de medida socioeducativa de internação para adolescentes no estado de São Paulo (conhecidas também como Fundação C.A.S.A.). Sem pretensas imparcialidades, este livro se planta em uma perspectiva abolicionista carcerária, considerando qualquer instituição que promova a privação de liberdade uma ferramenta de controle social cujo fim, longe de ser a segurança pública, é a contenção da população negra e periférica.


Prefácio

O resgate histórico que a obra faz contextualiza como o Estado brasileiro lida com sua juventude em conflito com a lei. Evidencia quem são os internos nas instituições de “recuperação”: negros e periféricos, à margem de políticas sociais e relegados a própria sorte, aos quais o próprio Estado se apresenta para privar sua liberdade e disciplinar seus corpos e mentes. Uma relação entre Estado e as juventudes deixadas à margem que permanece a mesma ao longo da história.

As lutas que resultaram na nova república de 88 trouxeram avanços importantes no reconhecimento de direitos, com conquistas sociais como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Entretanto, existe um abismo entre o reconhecimento formal e a aplicação na prática cotidiana destes direitos pelas instituições, ou mesmo a sua aceitação pela sociedade. Vivemos em uma dita democracia que funciona na base do “diga-me onde moras que eu te direi quais direitos tem”.

Neste aspecto, o papel da imprensa hegemônica capitalista cumpre um papel essencial para moldar o pensamento da população, realçando os crimes contra a vida cometidos por adolescentes em conflito com a lei. Esta narrativa martelada a décadas é contraposta com a ajuda da estatística, que mostra que a maioria dos crimes são cometidos contra a propriedade ou estão relacionados com a guerra às drogas. O problema é que este discurso já faz parte do senso comum em todas as esferas sociais, e atualmente serve para fortalecer a onda autoritária e fascista que ameaça com retrocessos até mesmo o arcabouço legal que foi construído com a atual constituição. A proposta de redução da maioridade penal é um destes retrocessos que paira há muitos anos sobre o país, e que se concretizado ampliará ainda mais o encarceramento em massa da população negra e periférica.

Neste cenário desalentador a autora e educadora encontra brechas, possíveis dentro do sistema para instigar a autonomia em quem vive do lado de dentro das grades. Em um espaço tão limitado e controlado por uma instituição, a experiência de que os próprios adolescentes possam produzir seus programas, escolhendo as temáticas sem censura e soltando o verbo com sua própria linguagem, é uma centelha de liberdade, ainda mais para pessoas cujos nomes se tornaram siglas perante uma sociedade que os olha com desdém.

Para quem viveu o movimento das rádios livres na primeira década dos anos 2000, o livro retoma a importância do rádio como uma ferramenta de comunicação, em uma época onde impera uma internet dominada por grandes corporações. Mas não só, também resgata o “fazer o rádio” como organização política de nossa autonomia, que através da construção coletiva suscita o debate, a criatividade e o afeto e nos coloca como sujeitos fazendo a nossa própria história, com toda a potência, prazer e responsabilidade que esse tipo de atividade reverbera em nossos corações.

Por um programador da Rádio Tarrafa,
antiga 104.7 FM livre (Desterro – SC).

Contra-universidades

Excerto do capítulo VI do livro Entre cuadernos y barrotes publicado pela Editora Cultura y Sociedad, na cidade de Lima, em setembro de 1999.

Tradução de Mauricio Knup.

Com frequência se contrapõe a atividade universitária à atividade escolar, como se esta fosse um grande salto à frente e tivesse características qualitativamente diferentes. Inclusive, apresenta-se a universidade como o espaço de onde brotarão soluções e alternativas para os grandes problemas de nosso tempo. Dessa maneira, oculta-se, com um otimismo necessariamente envolvido por uma mentira astuta ou mesmo simples idiotice, o fato de que nas universidades, assim como nas escolas, persiste toda uma concepção autoritária de vida, horários rigorosos a serem cumpridos, exames, notas, aprovação e reprovação, uma verticalidade mofada que nenhuma sala de aula moderna e com iluminação natural pode esconder; às vezes, até pequenas mudanças de horários e controle de frequência de estudantes, professores que, apesar de não passarem fome de maneira miserável quando não estão protagonizando uma aula vertical e autoritária que pretendem que seja magistral, na maioria das vezes são os mesmos que não têm escrúpulos em recorrer à vergonha da cópia e da reprodução.

A universidade mantém intacta a função repressiva, mas faz isso em um estágio mais avançado. Nem sempre se precisa recorrer a tanques e intervenções militares; geralmente, é suficiente para ela manter a ficção da gestão compartilhada, um simulacro de democracia no qual estudantes dóceis que adquiriram o mau hábito da política representativa e que, através da formação de diretórios acadêmicos e similares, possibilitarão não uma democracia direta e assembleias, mas a criação de máfias e grupos de poder, a existência de um alto sigilo burocrático, a perpetuação de um regime no qual você deve pedir permissão até para colocar um cartaz na parede; tudo isso, em conjunto com uma fórmula legal que proíbe atividades extra-acadêmicas, faz com que qualquer atividade independente ou autônoma capaz de produzir conhecimentos para além do saber oficial seja censurada ou desencorajada.

David Cooper compara a universidade a um hospital psiquiátrico:

“O design exterior é bastante semelhante: o bloco administrativo e vários departamentos, vilas, laboratórios, terapia ocupacional e tudo mais. Algumas universidades têm cercas e porteiros para controlar aqueles que entram e saem. A ironia disso está em que provavelmente ninguém entra e certamente ninguém sai. As duas instituições estão cheias de preocupação fingida dos ‘Protetores’ sobre os ‘protegidos’. Ambas são boas almas (alma mater), de cujos seios brota um antigo veneno, sedativos de todos os tipos concebíveis, desde a pílula precisa para o paciente preciso até o trabalho exato para estudantes exatos.”1

As universidades se apresentam, em caros anúncios de televisão, como o reino do conhecimento e da vida intelectual, mas estão presas pela esclerose de sua maneira pretensiosa e dogmática de conceber e produzir um conhecimento que desejam universalmente válido. Ignora ou despreza a sabedoria de dissidentes como Feyerabend, que afirma que o progresso científico só é possível quando certas regras “óbvias” são violadas voluntária ou involuntariamente, e acrescenta que, onde a razão é ditada pela norma, “os cientistas precisam desenvolver e sustentar suas teorias irracionalmente; não há regras gerais para estabelecer a verdade; vale tudo.”2

As universidades também têm, obviamente, interesses monetários importantes, objetivos claros de dominação social e agem de acordo com as normas ditadas pelo mundo do trabalho assalariado. Levando tudo isso em consideração, as universidades só podem ser úteis pelas estruturas que muitas vezes proporcionam (bibliotecas, ambientes diversos, salas de conferências, restaurantes universitários, salas de computadores, galerias) e que, para fins contrários aos seus propósitos originais, podem ser subvertidos e usados por estudantes e não-estudantes, ansiosos para explorar as margens do conhecimento, o subsolo da versão oficial, sabendo, assim como Bachelard, que “pensar é sempre pensar contra”3

A respeito do pensamento, essa atividade tão desencorajada por toda prática educacional, incluindo as universidades, diz Viviane Forrester:

“Não há atividade mais subversiva ou temida. É também a mais difamada, o que não é acidental nem sem importância: o pensamento é político. Isso não é restrito apenas ao pensamento político. O próprio pensar é político. Daí a luta insidiosa e, portanto, a mais eficaz e mais intensa em nosso tempo, contra o pensamento. Contra a capacidade de pensar.”4

Como provocar o pensamento, a capacidade de ler nas entrelinhas, o exercício exultante de lucidez e crítica? Como incentivar, permitir inovação, descoberta, criação de conhecimento que serve para viver, quando só é possível existir vida fora do sistema mercadológico? Agustín García Calvo renuncia ao título de filósofo ao considerá-lo desacreditado e absolutamente assimilado pelo sistema((Agustín García Calvo assinala que “a prova da extrema prostituição da palavra filosofia é a de que os até os executivos têm sua própria filosofia: a filosofia da empresa”. Nós acrescentaríamos a este exemplo, como forma de provar a mesma prostituição, o caso de Federico Salazar, filósofo liberal que comenta, com mais salário que dignidade, desfiles de moda no noticiário matinal do Canal 4 de TV.)) e prefere, se for necessário, o título menos profissional e gasto, menos formatado e definido e, portanto, mais livre, de pensador. A criação de contra-universidades, lugares autônomos onde pensadores, estudantes e professores convergem interessados em quebrar a monotonia, a rigidez acadêmica e a pobreza, onde o conhecimento deixa de ser “ensinado” para ser uma criação comum ou, ao menos, uma descoberta individual de uma possibilidade comum, a não ser que o próprio acordo mútuo solicite uma intervenção docente em matéria de ordem técnica, pode ser uma alternativa válida à morte da universidade.

Diz D. Cooper:

“O que proponho é uma estrutura móvel, totalmente não hierárquica e em revolução contínua, capaz de gerar revolução além dos limites de sua estrutura. A universidade (ou o que no atual momento da história deveria ser chamado de anti-universidade, contra-universidade, universidade livre ou algo semelhante) seria uma rede muito ampla. As células funcionariam dentro de uma universidade oficial como um antídoto para o sistema, de forma muito independente.”5

Essas estruturas informais, completamente desprovidas dos vícios daquela esquerda que se submete à dinâmica e lógica da política autoritária, desprezando completamente o poder e criando apenas uma organização mínima para funcionar, provavelmente seriam consideradas suspeitas ou mesmo ilegais pelas autoridades acadêmicas, o que nos mostra a saúde vigorosa do cadáver universitário e, portanto, a necessidade desses casos de resposta e crítica.

Se a criação desses espaços autônomos não for possível, seja devido à repressão autoritária ou porque não ocorreram encontros felizes com as pessoas necessárias para concretizá-las – dados os interesses cada vez mais estreitos e previsíveis das novas gerações; se mesmo as intervenções pessoais em sala de aula não são mais viáveis com a intenção de provocar algum debate, devido ao torpor e retaliação gerais, e se a perspectiva de um horizonte de exames e aulas massacrantes é insuportável, o único recurso para salvaguardar a integridade pessoal parece ser abandonar formalmente o antro universitário, de maneira solitária e silenciosa, estrelando o que aos olhos do mundo parece um abandono inexplicável.

  1. David Cooper, La muerte de la familia, Editorial Planeta, México 1986. []
  2. P. Feyerabend., Tratado contra el método, Ediciones Orbis, Barcelona 1984. []
  3. Citado por Jesús García Blanca, en “No somos nada”, revista Ekintza Zuzena No 19, Bilbao 1996. []
  4. Viviane Forrester, El horror económico, F.C.E., Buenos Aires 1997. []
  5. David Cooper, La muerte de la familia, op. cit. []

Agradecimentos “Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista”

Conseguimos! Foram mais de 70 dias de ansiedade. O lançamento do livro “Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista” foi nossa sexta campanha de financiamento coletivo. Desde de 2015, utilizamos essa modalidade para incrementar os recursos necessários para a publicação de alguns títulos. Sabemos que esse período exige uma certa insistência nas redes sociais. Elas são canais poderosos para sensibilizar nossas amizades sobre a importância do tema e informar como pretendemos distribuir o livro. Esta será nossa primeira experiência em que a distribuição será destinada a algumas bibliotecas comunitárias, coletivos e movimentos selecionados desde o primeiro dia da divulgação. Seria lindo se tivéssemos mais e mais endereços. Porém, optamos por enviar uma quantidade generosa de livros para cada e fazer com que cada coletividade decida o que fazer com o pacote de 20 livros que serão enviados aos 11 endereços. Será possível fazer grupos de estudos, fortalecer a leitura de educadores, distribuir em outros espaços, tirar cópias, vender. Cada grupo vai decidir o que e como. A hora é de fazer o material circular.

Com isso, queremos agradecer profunda e sinceramente todas as pessoas que puderam dedicar uma parte de seus recursos, seu carinho e boa vontade com a produção de Waltinho Vadala e de quem mais atuou nesse projeto.
Muito Obrigado!

Apoiaram o livro:

  • Deyvson Naoki Matiy
  • Lucas Tezotto
  • Roneth de Oliveira Mota
  • Eduardo Costa Lisboa
  • Carolina Oshiro Yeh
  • Dango Yoshio
  • João Ciocca
  • Sandro Merg Vaz
  • Anelise Macêdo Magalhães
  • Joycimara Rodrigues
  • Renata Serra Negra
  • Felipe Lima
  • Thiago Colmenero
  • Leonardo Soldá Guimarães
  • Suevelin Cintia dos Santos
  • Marcio de Paulo
  • Bruno Belloc Nunes Schlatter
  • Monica Marques
  • Égle de Lima Barbosa
  • Alex João de Brito
  • Lorenzo
  • Felipe Prado
  • Leonardo Goes
  • Camila de Azevedo Moura
  • Fabiana Caruso
  • João Biancolin
  • Eric Domingues Soares
  • Vania Freire de Mendonça Brega
  • Lucas Pontes
  • Guilmour Rossi
  • Paulo Oliveira
  • Thiago de Macedo Bartoleti
  • Vini Flausino
  • Victor Eiji Ito
  • Cláudio Ribeiro Lopes
  • Aline da Silva Sousa
  • Andressa França Arellano
  • Jonny Alan Morais
  • Talles Azigon
  • João Eduardo Herzog
  • Carlos Bauer
  • Francisco Freire Queiroz
  • Renan Kaiowá Campos
  • Amanda Seixas
  • Ghermano Santos
  • Fellipe Durães
  • Gabriela Pereira
  • Cláudia Mariza Mattos Brandão
  • Lucas Arruda Araujo
  • Amélia Karolina Novais campos
  • Pâmela Yanka Bento de Souza
  • Gustavo Gaspar Almeida
  • Angela Natel
  • Bianca Fileto da Cruz
  • Mayumi Horibe
  • Waltinho Vadala
  • Thi Gresa
  • Natalia Affonso
  • Marco Aurélio de Souza
  • Paulo Freitas
  • Jean Mordine de Lima
  • Monique Rodrigues Vadala
  • Ana Carolina Grilo de Siqueira
  • Danilo Matias
  • Guilherme Cunha
  • Viviane Kelly Silva
  • Flaviane Rodrigues da Silva
  • Guilherme Festinalli
  • Contribuições anônimas

Participe do financiamento coletivo do livro “Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista”, de Walter Vadala

Em “Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista“, Walter Vadala articula as possibilidades de encontros e diálogos que emergem a partir da história de Zumbi para que educadoras e educadores possam compreender e combater o racismo utilizando-se da educação como mediadora e fazendo da escola mais que um ambiente de conhecimento teórico, mas um ambiente de transformação social.

A Monstro dos Mares tem entre seus princípios a tarefa de disponibilizar exemplares impressos a bibliotecas comunitárias, coletivos, movimentos e centros sociais que, entre suas práticas, promovem uma educação libertária, antirracista e que questionam o padrão eurocêntrico dentro e fora das salas de aula. A função de nosso bonde editorial é fazer do livro uma ferramenta de luta contra o capitalismo, a colonialidade e o patriarcado em todas as suas expressões. Para a publicação de “Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista“, vamos fortalecer as seguintes coletividades:

  • Biblioteca comunitária de Parelheiros (São Paulo – SP)
  • Biblioteca Comunitária Livro Livre Curió (Fortaleza – CE)
  • Biblioteca Libertária Maxwell Ferreira (Belém – PA)
  • CIEJA Campo Limpo (São Paulo – SP)
  • Quilombo das Artes (Porto Alegre – RS)
  • Frente Quilombola RS (Porto Alegre – RS)
  • Anarquistas contra o Racismo
  • Coletivo Cultura Viva (São Paulo – SP)
  • Rádio Comunitária A Voz do Morro (Porto Alegre – RS)
  • Rádio Comunitária Aconchego (Recife – PE)
  • CCS Vila Dalva (São Paulo – SP)

Para que muitos exemplares possam chegar nesses espaços precisamos da sua participação. Ao apoiar com valores a partir de 10 reais ou recomendar a campanha de financiamento coletivo do livro para suas amizades, você estará fortalecendo a distribuição de materiais que vão fortalecer efetivamente a luta cotidiana de quem faz educação.

“Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista” – para apoiar o projeto acesse: catarse.me/zumbidospalmares

O processo de publicação de um livro exige a participação de muitas pessoas. Para colocar as ideias para circular, Vadala contou com a colaboração de Monica Marques, que fez a diagramação e criou as belas e poderosas ilustrações que compõem o livro. Também estão neste projeto o carinho e atenção de Luciana Teixeira Morais, que fez a revisão, e os generosos conhecimentos do bibliotecário e ativista Paulo R. Freitas, que contribuiu com a ficha catalográfica e aspectos formais de registro do material. Aqui na Monstro, nosso compa Da Vinci ajuda nas rotinas de mídias sociais, Baderna James como assistente editorial (e impressão) e abobrinha como editora geral do projeto (e montagem). Com a sua participação, vamos debelar os limites físicos e sociais dos muros que cercam as universidades e formam verdadeiros abismos entre comunidade e conhecimento.

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