“Este é nosso corpo, a terra”, prefácio e agradecimentos

Prefácio

Rosa Sebastiana Colman

Conheço Yan Leite Chaparro há mais de 10 anos. Desde lá, já trabalhamos mais próximos no Neppi, viajamos por várias aldeias por conta da distribuição do mapa Guarani Retã, e depois com o projeto Pontos de Cultura, que não teve continuidade. Ultimamente, apesar da distância, continuo acompanhando o Yan em suas trajetórias, angústias, curiosidades, desafios, descobertas e conquistas, tanto na academia como em sua caminhada solidária com os Kaiowá e Guarani, e compartilho da sua felicidade em ter esta oportunidade de caminhar com os Kaiowá e Guarani no doutorado.

O Yan desde o começo queria se comprometer, se aproximar, se tornar amigo e companheiro da alma, isto é, como ¨um angirũ¨ dos Kaiowá e Guarani, ou ¨se envolver¨. Não se conformava em apenas estudar, em ser mais um intelectual, pesquisador distante. Pensava e pensa em como pode atuar para apoiá-los em suas lutas e também em projetos que, de alguma forma, melhorem a vida e diminuam o sofrimento dos Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul. O Antonio Brand percebeu esse carisma no mestrando Yan e me apresentou a ele para ser colaborador “voluntário” do Neppi. O compromisso do Yan com os Kaiowá e Guarani é evidenciado no apoio que deu aos meninos (Joaquim e Eliezer) no mestrado, e para os Guarani esta é a lei da reciprocidade.

O livro “Este é nosso corpo, a terra: caminhos e palavras Avá Guarani/Ñandeva para além do fim do mundo” apresenta uma reflexão oportuna e necessária sobre os desafios na compreensão do conceito de desenvolvimento. Tem muita relevância, pois cobre uma lacuna acadêmica.

O trabalho se situa como um ensaio filosófico e metodológico sobre as possibilidades de relação com o Outro, tal como concebido pela antropologia. É uma reflexão filosófica sobre as possibilidades de produção do conhecimento em situações interculturais, que tomam essas situações como objeto de reflexão.

Os interlocutores centrais dos autores, os Ava Guarani, encontram bastante espaço de fala no livro, que serve como motivo ou pretexto para expressar o interesse dos autores em elaborar e textualizar suas preocupações teóricas e filosóficas. Além disso, é um espaço para os Ava Guarani falarem de suas lutas, suas alegrias, seus conhecimentos, sua leitura do mundo atual e da eminência do fim do mundo.

Ao longo do livro, os autores procuram se deixar levar pelos caminhos dos interlocutores da pesquisa; deixam-se conduzir e se transformar.

Nesse sentido, seu trabalho se aproxima da formulação de Merleau-Ponty quando, no texto intitulado “De Mauss a Levi-Strauss”, define a antropologia como um modo de pensar que se impõe quando o objeto é o outro, e que exige que nós nos transformemos. O encontro do autor com os Guarani provoca uma transformação no discurso científico, impactando a metodologia, o diálogo teórico e a própria construção do texto

Isto torna o texto atípico, exigindo do leitor uma dose de disposição, para se deixar conduzir pelo percurso trilhado. Se o leitor tem essa disposição, sentir-se-á compensado ao final.

Sobre os fins do mundo, que são vários, vale lembrar Schaden, quando diz que talvez para nenhum outro povo se aplique tão bem a passagem bíblica da fala de Jesus, quando afirma que “meu Reino não é deste mundo”.

Segundo o autor, o Guarani está sempre atento aos sinais que indicariam a transformação do mundo e a superação da condição de imperfeição na qual vive a humanidade.

Os autores trilharam um caminho de comprometimento, que superou as dificuldades e encontrou saídas para as limitações que estavam postas, como a inexperiência de trabalho de campo e a barreira da língua. Dedicaram-se; e é o que lemos no texto: o resultado de um trabalho de inteira dedicação.

A leitura do livro flui, nos envolve. Os autores parecem brincar com as palavras, como, por exemplo, nos termos de envolvimento – desenvolvimento. Além disso, combinam a escrita de forma poética com fotos incríveis que compõem o texto. Yan usou da ferramenta da Fotografia ou cartaz como metodologia, não somente como um auxílio estético ilustrativo mas como um mecanismo que faz o pesquisador compreender cada passo da pesquisa, rever cada passo, e ficou muito bom, fotos com muito significado e que contam uma história por si só!

O livro traz uma riqueza etnográfica dos textos/relatos colhidos, densos, profundos, o fato de ser em guarani, a partir do apoio do Cléber Gonçalves e Eliezer Martins, textos lindíssimos, de uma profundidade e sabedoria guarani, que servirá de referência para os estudos guarani.

O leitor vai encontrar relatos indígenas lindíssimos, como os de Cantalício Godoi: “Nós somos da terra. Somos nascidos da terra.” Por tudo isso, parabenizo a sensibilidade dos autores por nos brindarem com o compartilhamento dos resultados da pesquisa de doutorado.


Agradecimentos

A Editora Monstro dos Mares e os autores, Yan Leite Chaparro e Josemar de Campos Maciel, agradecem o apoio, o carinho e o incentivo de todas as pessoas que contribuíram direta e indiretamente para o lançamento do livro “Este é nosso corpo, a terra: caminhos e palavras Avá Guarani/Ñandeva para além do fim do mundo”. Todos os pacotes já estão nos Correios e, em breve, os carteiros e carteiras farão as entregas. Obrigado!

  • Wilson Lira Cardoso;
  • Rodrigo Ortiz Vinholo;
  • Marco Aurélio de Souza;
  • Sergio de Moraes Bonilha Filho;
  • Anders Bateva;
  • Anelize Kanda;
  • Catia Paranhos;
  • Danilo Meira;
  • Lucas Sanches;
  • Pedro Rabello;
  • Caio Maximino;
  • Leandro Mesa;
  • Priscilla Soares Teruya;
  • Cesar Lopes Aguiar;
  • Apoiadoras e apoiadores anônimos.

Financimento coletivo “Este é nosso corpo, a terra: Caminhos e palavras Avá Guarani/Ñandeva de Porto Lindo (Jakarey) Yvy Katu para além do fim do mundo”

“Este é nosso corpo, a terra: Caminhos e palavras Avá Guarani/Ñandeva de Porto Lindo (Jakarey) Yvy Katu para além do fim do mundo” / “Yvy péa ha’e ore rete: tapekuéra ha ñe’enguéra Ava Guarani/Ñandéva amogotyove oparire ko ñapyrũha”, um livro de Yan Leite Chaparro Josemar de Campos Maciel.

Resumo

A tese intitulada “ Este é nosso corpo, a terra: caminhos e palavras Avá Guarani/Ñandeva de Porto Lindo (Jakarey) Yvy Katu para além do fim do mundo” já tem no seu título o sentido básico de todo trabalho: a perspectiva do conceito de envolvimento como produção de realidade Avá Guarani/Ñandeva, que revela caminhos e palavras para além do fim do mundo, ou melhor, para além da invenção branca de desenvolvimento. O trabalho entende os Avá Guarani/Ñandeva como uma sociedade com densidade própria, em relação de simetria com a sociedade que a circunda. Em simetria, pois ambas são sociedades que possuem suas cosmologias, organização social, modos de existir, de ser e de fazer a vida. Em simetria, mas não necessariamente em harmonia, pois tecem caminhos contrários para produzir a sua realidade. Para os Avá Guarani/Ñandeva, essa produção acontece mediante movimentos de envolvimento enquanto que, para a sociedade marcada pelo movimento de aceleração capitalista/moderno, acontece no chamado desenvolvimento. Daí o ponto central de toda a tese. Trata-se de visões de mundo simétricas e tensionadas. Essa centralidade nos conduz a ouvir e construir juntos um discurso com os Avá Guarani/Ñandeva, de Porto Lindo (Jakarey) Yvy Katu sobre a cosmologia capitalista e desenvolvimentista produzida pela sociedade moderna, a invenção branca de desenvolvimento. O texto provoca a reflexão sobre o envolvimento como proposto pelos Avá Guarani/Ñandeva como forma/conteúdo de radical sofisticação para além do fim do mundo de humanos e não-humanos, questionando a hegemonia da invenção branca como sendo mais um mito fundador, que pode ser visto com outros olhos, e redimensionado – aqui, na imagem do sempre visto e esperado fim do mundo.

Ñe’ẽ mbyky’i

Ko tembiapo mohu’ã héra “Yvy péa ha’e ore rete Tapekuéra ha ñe’ẽnguéra Ava Guarani/Ñandéva Jakareypegua (Porto Lindo) Yvy Katu amogotyove opa’ỹmboyve ko ñapyrũha” oguerekóma pe ñe’ẽakãme he’iséva ñepytykovõrã tembiapópe, mba’éichapa jahecha umi he’iséva tembiapo ramo umi Avá Guarani/Ñandéva hekoitépe ohechaukáva tapekuéra ha ñe’ẽnguéra amogotyove oparire ko ñapurũha, térã, amogotyove umi karaikuéra ojejapóva ñepytyvõrã. Ko tembiapo oĩva tenondeve ohechakuaa Ava Guarani/Ñandéva ha’eha peteĩ tekohaygua oguerekóva ijykére pe teko capitalista/moderna, mokõive oguereko pe hekópe arapygua, pe mba’éichapa omba’apo, mba’éicha oiko ha mba’éichapa oiko. Ojoehe katu tape iñambue ha’ére mba’apoharakuéra ombohekóva imba’ete. Ava Guarani/Ñandévape guarã pe omoañetéva oikóva oiko pe jeku’e ha’e oimeháme ha teko capitalista/modername oiko pe jeku’e mba’epotaguévi. Péa ha’e pe iporãvéva ko tembiapópe, oñondie ha nahániri. Pe mombyte ome’ẽ ojejapo haĝua críticas, inversões ha ñeporandu Ava Guarani/Ñandéva ndive Porto Lindo (Jakarey) Yvy Katu guándi pe jehechapy tuichakue capitalista ha mba’epota potavéva ombohekóva pe teko pyahu, pe mba’e pyahu karai mba’e mba’epota potavéva. Pe ojapóva ñeporandu mba’epota rehegua Ava Guarani/Ñandéva ndive mba’éicha forma/conteúdo omoañetetéva amogotyove pe pyrũha oparire tekovépe ha ndaha’éiva, ñeporandu pe mbarete karai mba’e pyahu ha’éva mba’epota potave mbyte ramo omoheñoiva pe ojehecháva ha oñeha’arõva pyrũha opataha.


Sobre os autores

Yan Leite Chaparro é filho de pai paraguaio e mãe sul-mato-grossense, neto de paraguaios e nordestinos, organização comum e representativa sobre o processo histórico do Mato Grosso do Sul onde, esse trabalho foi inscrito. O pesquisador é formado em Psicologia, com formação em Psicodrama Clínico. É também Mestre e Doutor em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco. Trabalha com os Avá Guarani/Ñandeva e os Kaiowá/Pai`Tavyterã desde 2010 a convite da Profa. Dra. Rosa Colman e do Prof. Dr. Antônio Brand (in memoriam) . Hoje junto com o trabalho com os Guarani que vivem no Mato Grosso do Sul, também trabalha no, campo clínico do Psicodrama em consultório e em comunidades urbanas. É integrante do Grupo de Pesquisa Estudos Críticos do Desenvolvimento/CNPq e do Laboratório de Humanidades/LabuH.

Josemar de Campos Maciel é professor de Filosofia (de 1994 até o presente) e pesquisa na área do Desenvolvimento, sendo líder do Grupo de Pesquisa “Estudos Críticos do Desenvolvimento” (CNPQ). É doutor em Psicologia (2004). Atualmente, é Docente Permanente dos Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu: Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco – MS, e presidente do Comitê Científico da mesma Universidade. Possui estágio pós-doutoral concluído em Estudos Culturais (2017) na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.


Sobre o livro

“Este é nosso corpo, a terra: caminhos e palavras Avá Guarani/Ñandeva para além do fim do mundo”
Yan Leite Chaparro e Josemar de Campos Maciel

Editora Monstro dos Mares
230 páginas

Para apoiar a campanha de financiamento coletivo do livro acesse:
https://www.catarse.me/nossocorpoaterra

[Áudio] Entrevista com Juliano Gonçalves da Silva na FM Cultura sobre o lançamento do livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente”

O pesquisador Juliano Gonçalves da Silva participou do programa Cultura na Mesa, da FM Cultura 107.7 de Porto Alegre. Na entrevista, o autor falou sobre sua experiência com comunidades indígenas na adolescência, o processo de pesquisa para o desenvolvimento da dissertação de mestrado que deu origem ao livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente” e sobre a representação de povos indígenas e ameríndios no cinema brasileiro e sul-americano.

Confira a entrevista:

Agradecimentos: financiamento coletivo “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente”

Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos

O apoio mútuo persiste e é o que nos permite continuar existindo de forma criativa. Essa reciprocidade possibilitou que a edição deste livro se concretizasse, mesmo em momento tão conturbado. Próximo ao centenário da morte de um dos grandes pensadores desse tema, trago à tona um trecho de sua obra intitulada “A Inevitável Anarquia”,

“A imprensa não tem outro tema: suas colunas estão repletas de relatórios sobre os debates parlamentares, contados em seus mais ínfimos detalhes, bem como os fatos e os gestos dos personagens políticos, de tal sorte que, lendo os jornais, nós também, esquecemos demasiado amiúde que há milhões de homens — toda a humanidade — que vivem e morrem na alegria ou no sofrimento, produzem e consomem, pensam e criam fora dessas poucas personalidades cuja importância foi exagerada a tal ponto que ela cobre o mundo com sua sombra.”

ANARQUIA (Piotr Kropotkin, Ed. Imaginário, no prelo)

Por tudo isso, agradeço profundamente aos que compreendem essas palavras: foi e sempre será nós por nós!

Fico muito agradecido a todos os apoios que tornaram a produção do livro possível! Acredito ser este um momento importante para compartilhar o contexto original deste projeto, que surgiu em meio a uma necessidade pessoal de questionar o imaginário ocidental, esse mundo tragado pelo abismo, a partir da leitura da maneira como os personagens indígenas vêm sendo retratados no cinema brasileiro. Devo dizer que a trajetória de realização desse escrito foi dura e cheia de derrotas, boicotada e ridicularizada por muitos que achavam que ela não teria espaço na academia e no mundo universitário. Essas pessoas tinham e continuam tendo a sua razão ocidentalizada, baseada em seus preconceitos humanistas. Mas continuamos caminhando.

Nessa caminhada, cada vez mais encontramos aliados e fazemos pontes, não sem rupturas e conflitos. Tais conflitos são inerentes ao tema, e se alinham às posições contrárias a sua existência, que julgam-no como algo atrasado, não-civilizado, pouco passível de análise. Insistente e radicalmente “selvagens” seguimos, antes de nos percebermos e nos tornarmos “civilizados”. Emanando energias axés, muitas se somaram e somarão nessa caminhada. Por elas e muitos outros que virão, agradeço!

Quero fazer uma homenagem especial ao amigo Sergio Luiz Mesquita, professor de História da rede estadual e morador de Duque de Caxias. Profundo conhecedor e praticante da máxima libertária do Apoio Mútuo, o amigo me apoiou e abrigou em sua casa no Rio. A partir dessa proximidade, cada vez mais se interessou pelo o tema da terrível e trágica história de contato e extermínio que os parentes sofreram aqui. Desenvolveu, então, seu estudo Doutoral sobre a imigração e as visões que se tinham do imigrante ideal para o país, relacionando-as ao suposto atraso que pensavam ser o índio para o Brasil. Juntou-se à batalha e realizou estudos inéditos e pertinentes sobre a temática, revendo a construção e política de embranquecimento da nação na construção da história a contrapelo, ainda que sua valiosa contribuição tenha sido tragicamente interrompida ao ter sua vida ceifada na semana passada pela Covid-19.

Reafirmando a Resistência, criando e indo adiante, como dizia o zapatista Subcomandante Marcos, a terceira guerra mundial será semiótica. Esta obra recoloca a imagem dos povos ameríndios no Bra$il na batalha das Barricadas do desejo! Por mais que os queiram enterrar, viraram sementes, assim sobrevivendo em um imaginário pós-pandêmico. Retomando um outro gigante, que deve ser sempre citado, o Txai Ailton Krenak em uma entrevista já clássica diz que “os povos indígenas já sobrevivem há mais de quinhentos anos, quero ver é como sobreviverão os brancos…”

Viva e deixe viver, vida longa aos povos da Floresta! Temos muito a aprender com o seu bem viver…

Juliano Gonçalves da Silva
Autor do livro O índio no cinema brasileiro e o espelho recente

Agradecimentos

Alai Garcia Diniz
Alessandra Schmitt
Almir José Pilon
Ariel Machado
Bernadete Scolaro
Caio Maximino
Cassius Marcelus Cruz
Celso Moreira Louzada Filho
Cláudia Mariza Mattos Brandão
Cristina Pacheco
Daniel Swoboda Murialdo
Danillo Bragança
Diego José Ribeiro
Doris Beatriz Neumann Wolff
Eduardo Sobral de Souza
Elizabeth de Siervi
Fernando Matos Rodrigues
Glaucos Luis Flores Monteiro
Guilherme Festinalli
Ian Fernandez
Iracema S de Souza
João Neto
Jorge Luiz Miguel
Jose Paulo da Rocha Brito
Juliano Gomes
Juliano José de Araújo
Karina Segantini
Kinoruss Edições e Cultura
Lisandra Barbosa Macedo Pinheiro
Lucas Alves
Luciana Siebert
Luciani Moreira Brignol
Luiz Alberto Barreto Leite Sanz
Maclau Gorges
Magaly Rosa Moreira
Marcelle de Saboya Ravanelli
Marcelo Castequini Martins Ferreira
Marcelo Ribeiro
Maria Betânia Silveira
Nando Korin
Nele Azevedo
Norberto de Jesus Prochnov
Nycolas dos Santos Albuquerque
Paulo Oliveira
Paulo Vitor Carrão
Ranulpho
Raphael Sanz
Rodrigo de Almeida Ferreira
Rodrigo Ribeiro Paziani
Rosy Dayane do Nascimento Costa
Sabrina Alvernaz Silva Cabral
Thaís Amorim Aragão
Vinicius Nepomuceno
Wilson Lira Cardoso

Apoios e contribuições anônimas
Agradecimentos para apoiadoras e apoiadores que tornaram possível a realização do livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente” de Juliano Gonçalves da Silva, realizada no Catarse, durante os dias 02 de Março e 11 de Maio de 2020.

Reflexões: O índio no cinema brasileiro e o espelho recente

Chegamos à última semana da campanha de financiamento coletivo do livro O índio no cinema brasileiro e o espelho recente, de autoria de Juliano Gonçalves da Silva. Por isso, aproveito este momento para levantar apontamentos para além do texto, pois sabemos que, ao chegarmos à ultima página de uma obra, começamos um novo processo de produção e reflexão sobre o que o livro nos diz e como as contribuições do/a autor/a passam a fazer parte de como nós mesmas pensamos o mundo.

O que a ficção cinematográfica pode produzir, como efeito sobre a realidade, em relação a coletividades e/ou indivíduos (re)constituídos à margem dos grupos hegemônicos de nossa sociedade?

Esse questionamento deve ser central em análises de quaisquer obras que tragam às telas personagens que pretendam representar grupos socialmente marginalizados, já que a constituição do imaginário de uma cultura perpassa todas as nossas relações sociais. Em outras palavras, preconceitos produzidos e reproduzidos na ficção são partes constitutivas dos preconceitos produzidos e reproduzidos pelas pessoas no dia a dia. Ou seja: a vida e a arte são indissociáveis. É preciso trazer à tona essa ligação imanente; é preciso des-velar a tensão ficção vs. realidade continuamente para desmantelar os ciclos de citacionalidade que sustentam as hierarquias entre as pessoas e as culturas e dão justificativa ao injustificável.

É impossível e covarde, a meu ver, desconectar do hoje qualquer esforço de análise ou comentário. Por isso, penso ser relevante situar a publicação deste livro dentro do contexto que vem sendo chamado “Crise do Coronavírus” e seus desdobramentos no Brasil.

O vírus chegou aos territórios supostamente protegidos destinados à manutenção da vida e cultura indígena, e isso se deu sobretudo através da “exploração ilegal” dessas terras. Temos falado de roubo, invasão, grilagem, e também da expropriação fundante do Brasil como nação–a invasão pelos colonizadores europeus. É fato que ao evocar esses termos e fatos históricos acertamos sobre o que move a contenda atual, mas gostaria de atrelar a essas reflexões e críticas que já fazemos duas outras questões que me acometem neste momento.

A primeira é que muitos de nós só pensamos nesses fatos em momentos de inegável comoção coletiva. Há certamente coletividades, instituições e individualidades não-indígenas que fazem da luta indígena sua própria constituição. Mas nós, pessoas brancas, estamos realmente assumindo nossa participação e responsabilidade sobre o binômio indígena/não-indígena enquanto vivemos nossa própria constituição como dependente da sustentação desse binômio? Fazemos parte de uma cultura que re(a)presenta os povos indígenas como atrasados, primitivos, não-civilizados, e essa cultura é parte do que nos faz quem somos sendo brancos. Daí a importância de questionarmos e analisarmos produções culturais, e aqui particularmente a ficção, que fazem parte da criação da narrativa de nós mesmas.

A segunda questão que gostaria de trazer é sobre a impropriedade do termo “exploração ilegal”, que coloco entre aspas justamente por causa de sua fragilidade e intrínseca trapaça. Podemos, efetivamente, classificar como legais e ilegais ações baseadas em um sistema formulado por aqueles que se beneficiam dessa organização de leis em detrimento daqueles sobre os quais as leis se aplicam? Já não foi legal a expropriação das terras dos indígenas que habitam o continente desde quando da chegada dos colonizadores, e não existe a manipulação e o preterimento das leis para que essa expropriação continue hoje, talvez sobre outros nomes? Soa ingênuo para mim, por tudo isso, chamar essas ações de “exploração ilegal” e pensar que as noções de legalidade e ilegalidade já atuam como uma espécie de punição classificatória. Como se isso fosse suficiente, e como se pudéssemos esperar sentadas por algum tipo de “justiça”.

Os questionamentos que apresentei não esgotam, sem dúvida, as possibilidades críticas e de ação que podem emergir da análise da representação de personagens indígenas no cinema brasileiro. O que busco fazer com este texto é um exercício no sentido de amplificar o que podemos perguntar, incentivar a expansão de minha capacidade questionadora. Pois, ao falar sobre um livro que disserta acerca da representação de personagens indígenas, posso, além de questionar a impropriedade ou propriedade dessas representações, questionar também a (im)propriedade das leis, a ficcionalidade das narrativas que me perpassam e constituem, a conexão entre ficção e realidade. Podemos e devemos tomar como determinação pessoal questionar tudo acerca do mundo em que vivemos.

Claudia Mayer
Doutora em Estudos Literários e Culturais
Editora Geral da Editora Monstro dos Mares
Contato: [email protected]

Contribuições com a campanha de financiamento coletivo do livro O índio no cinema brasileiro e o espelho recente, de Juliano Gonçalves da Silva, podem ser feitas até o dia 11/05, às 23h59min. Estamos muito felizes com o andamento dessa campanha e muito gratas a todas as pessoas que contribuíram e que ainda contribuirão. Logo os livros começarão a ser produzidos e prevemos para o fim deste mês o início dos envios nos Correios.

Apoie o financiamento coletivo do livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente” de Juliano Gonçalves da Silva no Catarse -> http://catarse.me/oindionocinemabrasileiro

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