Dia do Carteiro: trabalhadores da cultura

Neste Dia do Carteiro monas, minas e manos que exercem essa profissão recebem uma entrega especial: Nosso muito obrigado!

25 de Janeiro é o Dia do Carteiro, da Carteira, Atendentes, Operadores de Triagem e Transbordo (OTT’s), motoristas e todas/todos quase 60.000 trabalhadores postais que fazem os 358 anos de história dos Correios. Aqui na Monstro dos Mares, dificilmente conseguiríamos fazer e distribuir livros sem esses profissionais da calça azul e da camisa amarela que levam nossos pacotes pra lá e pra cá. Sabemos que tão importante quanto quem escreve, imprime e compra, também são as pessoas que fazem a entrega da cultura de inspiração anárquica que produzimos para todo o país. Essa categoria é parte do cotidiano da nossa atividade e, por isso, reconhecemos e apoiamos suas lutas nesses quase 9 anos de editora. Em muitas cidades, são os carteiros e carteiras que farão a operação logística da vacina. São trabalhadoras e trabalhadores que estão abrindo mão da própria segurança e se expondo ao vírus (a familiares e corresidentes também) desde o início da pandemia para levar livros à casa das pessoas, bibliotecas comunitárias, espaços sociais e aos que fortalecem nossa Rede de Apoio. Mais uma vez, nosso agradecimento.

Um pouco de história

Conforme o livro Correio – laço universal entre os homens1, o documento postal mais antigo de que se tem notícia é um papiro encontrado em El Hiba, no Egito, datado de 255 AEC2. Esse documento contém muitas informações sobre como era organizado o serviço egípcio de mensageiros. No escrito – um relato em primeira pessoa – há detalhes sobre o encaminhamento da correspondência, o número de mensageiros em serviço, os tipos de objetos enviados e informações sobre os destinatários.

Já no Brasil, em Maio de 1500, a primeira carta enviada foi a que o escrivão de armada Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei de Portugal, relatando a exuberância da descoberta, terra que, “em se plantando, tudo dá”.3 Mas foi em 25 de janeiro 1663 que o primeiro serviço regular de correios foi implantado. Com a oficialização do Serviço Postal, o objetivo era possibilitar, através do serviço de escravos, tropeiros e mançoeiros, a comunicação entre Portugal e a Colônia. Com isso, o dia 25 de Janeiro torna-se o Dia do Carteiro.

Nos Estados Unidos, o Mailman Day é comemorado no dia 4 de Fevereiro. Mas pode ser no dia 1º de Julho também, uma vez que em Fevereiro é o Dia do Carteiro e em Julho é o Dia Nacional dos Trabalhadores Postais. Já a União Postal Universal (UPU), que é tipo a ONU dos Correios, declara que o Dia Mundial dos Serviços Postais é 9 de Outubro, data da sua fundação em 1874. Conforme o site da entidade, o Brasil é signatário da UPU.

Carteiros famosos

Quase todo mundo lembra com carinho de algum carteiro ou carteira que conheceu, tipo o Senhor Wilson do desenho animado “Denis, o Pimentinha”. O Sr. Wilson era um carteiro aposentado. E também tem aqueles aliens do “MIB” (você lembra disso?), o Herman, do “Garfield”, o Mimi, da novela “Passione” (que era apaixonado pela Agostina), aquele outro carteiro que apanhou na “Selva de Pedra”, o Silvio da “Éramos Seis”… Bem, a lista de personagens ficcionais que trabalham nos correios é imensa!

Na América do Norte, um dos carteiros mais famosos é o Mr. Zip, um personagem que foi criado pelo Serviço Postal dos Estados Unidos (USPS) nos anos 60 do século passado para a campanha de lançamento do sistema de CEP’s dos gringos, conhecido como ZIP CODE. Aqui no Brasil, o carteiro mais famoso de qualquer vila é Jaime Garabito (Jaiminho, o Carteiro), personagem do eterno programa “Chaves”.

Quem gosta de literatura logo vai lembrar do Carteiro e o Poeta do Neruda. Mas há muito mais carteiros e carteiras na literatura; são tantos que existe um gênero literário que depende inteiramente do trabalho desses profissionais: o romance epistolar. As Ligações Perigosas, de Pierre Choderlos de Laclos, Dracula, de Bram Stoker, A Cor Púrpura, de Alice Walker: todas essas histórias e muitas outras são contadas através de cartas – que alguém levou da/o remetente a seu destino.

Existem também muitos filmes sobre trocas de cartas nos quais o carteiro quase nem aparece. Esse é o caso de “Diário de uma Paixão”, “Brilho de uma Paixão”, “Querido Jhon”, “P. S. Eu Te Amo”, “A Carta Anônima”, “A Loja da Esquina” (esse até que até é bem bonitinho!), mas é tanto filme ruim que não merecem nem uma lista no Buzzfeed.

Jaiminho, o carteiro.

Carteiros estranhos

Você sabia que Charles Bukowski trabalhou nos correios por mais de uma década? Ele foi carteiro temporário, carteiro auxiliar e executou outras tantas atividades no USPS entre um porre e outro. Em seu primeiro romance, Post Office, traduzido no Brasil como “Cartas na rua”, desde a primeira página já destila sua verve e forma de escrever. Na dedicatória ele sentencia: Esta é uma obra de ficção, dedicada a ninguém.

No livro, Henry Chinaski, o personagem autobiográfico criado pelo velho e controverso Buk relata sua rotina tediosa, o trabalho burocrático nos correios e faz ácidas críticas ao estilo de vida dos estadunidenses da época. Ele afirma que candidatar-se a uma vaga nos correios não foi uma boa ideia – Tudo começou como um erro – e em sua escrita enfumaçada e espontânea vai dando as cartas da degradação humana através do trabalho. Seu hedonismo cru e cruel entorpece fãs até hoje.4

Todas as rotas tinham armadilhas e apenas os carteiros regulares5 as conheciam. Todo dia era a mesma merda, e você precisava estar preparado para um estupro, um assassinato, cães ou algum tipo de insanidade. Os regulares não revelavam seus segredinhos. Era a única vantagem que tinham – saberem seus itinerários de cor. Era de matar para um novato, principalmente para um que bebia a noite inteira, ia para a cama às duas, levantava às quatro e meia, depois de trepar e cantar a noite toda, e quase conseguir sair ileso de tudo isso.

BUKOWSKI, Charles. Cartas na rua. Porto Alegre: L&PM, 2018.

Assim como em Bukowski, a existência humana aprisionada pelas burocracias institucionais caracterizaram a obra de Franz Kafka. Kafka foi um dos mais importantes autores da literatura do século XX e soube como poucos expressar as inquietações e angústias humanas. Apesar de toda a estranheza e uma certa amargura na sua obra, há um momento belo e sublime digno de nota. Um ano antes da sua morte, o escritor passava pelo parque Steglitz em Berlim e precisou inventar uma história para uma menina que havia perdido sua boneca. Buscando acalmar a criança, ele contou que era um carteiro de bonecas e que a boneca não estava perdida, mas que tinha ido viajar e no dia seguinte ele traria uma carta contando as peripécias da boneca pelo mundo. Conforme Klaus Wagenbach6 , o biógrafo de Kafka, esses encontros duraram três semanas, mas as histórias nunca foram publicadas porque até hoje não se sabe nenhuma pista da menina Elsi ou dos originais das cartas.


25 de Janeiro dia do carteiro
Vídeo muito bem produzido em homenagem aos 357 anos dos Correios. Fonte: EBCT

Obrigado Carteiro!

Não existe arte e cultura sem a sua fruição. Não haverá literatura sem leitores e provavelmente não há de haver livros sem o Carteiro. É pelas mãos de profissionais dos Correios que os livros adquirem seu sentido e significado. Só pode haver livro se houver a multiplicação da palavra escrita, se ela puder circular abundante e disponível. Este é o livro que queremos: acessível para todas as pessoas que desejam entrar em contato com outros mundos possíveis e impossíveis. A Monstro dos Mares faz livros e zines para pessoas que buscam esse encontro de ideias, linhas, parágrafos e capítulos, uma epistemologia para chamar de sua. Ao se reconhecer entre as palavras de vida e as práticas luta, as monas, minas e manos de todas as quebradas e recantos podem sentir que há um senso de pertencimento ao compartilhar com suas amizades uma visão de mundo através dos livros. Que há algo de belo, permanente e importante ao fazer multiplicar essas ideias neste nosso tempo.

Em função da pandemia, de estarmos numa cidade do interior e de não participar de feiras e eventos enquanto não houver imunização em massa, foi através do envio de IMPRESSO com REGISTRO MÓDICO que em 2020 a Monstro dos Mares distribuiu gratuitamente 821 livros e 1.211 zines. Isso seria bem mais difícil sem alguém para fazer essa distribuição. As trabalhadoras e trabalhadores dos Correios, cerca de 60.000 Carteiros, Carteiras, Atendentes, OTT’s, motoristas e outros profissionais: são essas amizades importantes que fazem com que o poder transformador da cultura possa chegar em mais e mais pessoas nos mais de 5.500 municípios do país. Nosso carinho e nosso agradecimento nesse dia.

Obrigado Carteiro no seu e-mail

fretes

A newsletter Obrigado Carteiro! é uma pequena homenagem ao Carteiro, Carteira, Atendentes, OTT’s, monas, minas e manos que fazem a correria todos os dias. Faça chuva ou sol, profissionais dos Correios estão sempre nas ruas para entregar correspondências e encomendas nas mais de 5.500 cidades do Brasil. Só é possível levar a cultura e o conhecimento do livro impresso através do trabalho dessa categoria que move o país. Valeu!
Privatização é coisa de ladrão!

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  1. A Universal Link Among Men (Lausanne : VIE, ART, CITE, 1974) citado em ADDISON, Luciana Maria Figueiredo. A importância dos Valores organizacionais subjacentes no processo decisório dos Correios. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: FVG, 2002. []
  2. Utilizamos Antes da Era Comum (AEC) e Era Comum (EC) conforme The Chicago Manual of Style Online or Scientific Style and Format []
  3. Carta de Pedro Vaz de Caminha sobre o descobrimento da Terra nova que fez Pedro Álvares. Feita na Ilha de Vera Cruz em o 1.º de Maio de 1500. Disponível o fac-símile na Biblioteca Nacional de Portugal e transcrição na Biblioteca Nacional, situada no Rio de Janeiro. []
  4. Nota de Baderna James: Logo depois da adolescência eu cancelei esse autor. Mas “Cartas na rua” e “O pássaro azul” ainda permanecem aqui dentro de mim em algum lugar. []
  5. Nota de Baderna James: no Brasil são chamados de carteiros titulares, não de regulares. []
  6. WAGENBACH, Klaus. Franz Kafka. Francke, 1958. []

[Áudio] Entrevista com Juliano Gonçalves da Silva na FM Cultura sobre o lançamento do livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente”

O pesquisador Juliano Gonçalves da Silva participou do programa Cultura na Mesa, da FM Cultura 107.7 de Porto Alegre. Na entrevista, o autor falou sobre sua experiência com comunidades indígenas na adolescência, o processo de pesquisa para o desenvolvimento da dissertação de mestrado que deu origem ao livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente” e sobre a representação de povos indígenas e ameríndios no cinema brasileiro e sul-americano.

Confira a entrevista:

Agradecimentos: financiamento coletivo “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente”

Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos

O apoio mútuo persiste e é o que nos permite continuar existindo de forma criativa. Essa reciprocidade possibilitou que a edição deste livro se concretizasse, mesmo em momento tão conturbado. Próximo ao centenário da morte de um dos grandes pensadores desse tema, trago à tona um trecho de sua obra intitulada “A Inevitável Anarquia”,

“A imprensa não tem outro tema: suas colunas estão repletas de relatórios sobre os debates parlamentares, contados em seus mais ínfimos detalhes, bem como os fatos e os gestos dos personagens políticos, de tal sorte que, lendo os jornais, nós também, esquecemos demasiado amiúde que há milhões de homens — toda a humanidade — que vivem e morrem na alegria ou no sofrimento, produzem e consomem, pensam e criam fora dessas poucas personalidades cuja importância foi exagerada a tal ponto que ela cobre o mundo com sua sombra.”

ANARQUIA (Piotr Kropotkin, Ed. Imaginário, no prelo)

Por tudo isso, agradeço profundamente aos que compreendem essas palavras: foi e sempre será nós por nós!

Fico muito agradecido a todos os apoios que tornaram a produção do livro possível! Acredito ser este um momento importante para compartilhar o contexto original deste projeto, que surgiu em meio a uma necessidade pessoal de questionar o imaginário ocidental, esse mundo tragado pelo abismo, a partir da leitura da maneira como os personagens indígenas vêm sendo retratados no cinema brasileiro. Devo dizer que a trajetória de realização desse escrito foi dura e cheia de derrotas, boicotada e ridicularizada por muitos que achavam que ela não teria espaço na academia e no mundo universitário. Essas pessoas tinham e continuam tendo a sua razão ocidentalizada, baseada em seus preconceitos humanistas. Mas continuamos caminhando.

Nessa caminhada, cada vez mais encontramos aliados e fazemos pontes, não sem rupturas e conflitos. Tais conflitos são inerentes ao tema, e se alinham às posições contrárias a sua existência, que julgam-no como algo atrasado, não-civilizado, pouco passível de análise. Insistente e radicalmente “selvagens” seguimos, antes de nos percebermos e nos tornarmos “civilizados”. Emanando energias axés, muitas se somaram e somarão nessa caminhada. Por elas e muitos outros que virão, agradeço!

Quero fazer uma homenagem especial ao amigo Sergio Luiz Mesquita, professor de História da rede estadual e morador de Duque de Caxias. Profundo conhecedor e praticante da máxima libertária do Apoio Mútuo, o amigo me apoiou e abrigou em sua casa no Rio. A partir dessa proximidade, cada vez mais se interessou pelo o tema da terrível e trágica história de contato e extermínio que os parentes sofreram aqui. Desenvolveu, então, seu estudo Doutoral sobre a imigração e as visões que se tinham do imigrante ideal para o país, relacionando-as ao suposto atraso que pensavam ser o índio para o Brasil. Juntou-se à batalha e realizou estudos inéditos e pertinentes sobre a temática, revendo a construção e política de embranquecimento da nação na construção da história a contrapelo, ainda que sua valiosa contribuição tenha sido tragicamente interrompida ao ter sua vida ceifada na semana passada pela Covid-19.

Reafirmando a Resistência, criando e indo adiante, como dizia o zapatista Subcomandante Marcos, a terceira guerra mundial será semiótica. Esta obra recoloca a imagem dos povos ameríndios no Bra$il na batalha das Barricadas do desejo! Por mais que os queiram enterrar, viraram sementes, assim sobrevivendo em um imaginário pós-pandêmico. Retomando um outro gigante, que deve ser sempre citado, o Txai Ailton Krenak em uma entrevista já clássica diz que “os povos indígenas já sobrevivem há mais de quinhentos anos, quero ver é como sobreviverão os brancos…”

Viva e deixe viver, vida longa aos povos da Floresta! Temos muito a aprender com o seu bem viver…

Juliano Gonçalves da Silva
Autor do livro O índio no cinema brasileiro e o espelho recente

Agradecimentos

Alai Garcia Diniz
Alessandra Schmitt
Almir José Pilon
Ariel Machado
Bernadete Scolaro
Caio Maximino
Cassius Marcelus Cruz
Celso Moreira Louzada Filho
Cláudia Mariza Mattos Brandão
Cristina Pacheco
Daniel Swoboda Murialdo
Danillo Bragança
Diego José Ribeiro
Doris Beatriz Neumann Wolff
Eduardo Sobral de Souza
Elizabeth de Siervi
Fernando Matos Rodrigues
Glaucos Luis Flores Monteiro
Guilherme Festinalli
Ian Fernandez
Iracema S de Souza
João Neto
Jorge Luiz Miguel
Jose Paulo da Rocha Brito
Juliano Gomes
Juliano José de Araújo
Karina Segantini
Kinoruss Edições e Cultura
Lisandra Barbosa Macedo Pinheiro
Lucas Alves
Luciana Siebert
Luciani Moreira Brignol
Luiz Alberto Barreto Leite Sanz
Maclau Gorges
Magaly Rosa Moreira
Marcelle de Saboya Ravanelli
Marcelo Castequini Martins Ferreira
Marcelo Ribeiro
Maria Betânia Silveira
Nando Korin
Nele Azevedo
Norberto de Jesus Prochnov
Nycolas dos Santos Albuquerque
Paulo Oliveira
Paulo Vitor Carrão
Ranulpho
Raphael Sanz
Rodrigo de Almeida Ferreira
Rodrigo Ribeiro Paziani
Rosy Dayane do Nascimento Costa
Sabrina Alvernaz Silva Cabral
Thaís Amorim Aragão
Vinicius Nepomuceno
Wilson Lira Cardoso

Apoios e contribuições anônimas
Agradecimentos para apoiadoras e apoiadores que tornaram possível a realização do livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente” de Juliano Gonçalves da Silva, realizada no Catarse, durante os dias 02 de Março e 11 de Maio de 2020.

Reflexões: O índio no cinema brasileiro e o espelho recente

Chegamos à última semana da campanha de financiamento coletivo do livro O índio no cinema brasileiro e o espelho recente, de autoria de Juliano Gonçalves da Silva. Por isso, aproveito este momento para levantar apontamentos para além do texto, pois sabemos que, ao chegarmos à ultima página de uma obra, começamos um novo processo de produção e reflexão sobre o que o livro nos diz e como as contribuições do/a autor/a passam a fazer parte de como nós mesmas pensamos o mundo.

O que a ficção cinematográfica pode produzir, como efeito sobre a realidade, em relação a coletividades e/ou indivíduos (re)constituídos à margem dos grupos hegemônicos de nossa sociedade?

Esse questionamento deve ser central em análises de quaisquer obras que tragam às telas personagens que pretendam representar grupos socialmente marginalizados, já que a constituição do imaginário de uma cultura perpassa todas as nossas relações sociais. Em outras palavras, preconceitos produzidos e reproduzidos na ficção são partes constitutivas dos preconceitos produzidos e reproduzidos pelas pessoas no dia a dia. Ou seja: a vida e a arte são indissociáveis. É preciso trazer à tona essa ligação imanente; é preciso des-velar a tensão ficção vs. realidade continuamente para desmantelar os ciclos de citacionalidade que sustentam as hierarquias entre as pessoas e as culturas e dão justificativa ao injustificável.

É impossível e covarde, a meu ver, desconectar do hoje qualquer esforço de análise ou comentário. Por isso, penso ser relevante situar a publicação deste livro dentro do contexto que vem sendo chamado “Crise do Coronavírus” e seus desdobramentos no Brasil.

O vírus chegou aos territórios supostamente protegidos destinados à manutenção da vida e cultura indígena, e isso se deu sobretudo através da “exploração ilegal” dessas terras. Temos falado de roubo, invasão, grilagem, e também da expropriação fundante do Brasil como nação–a invasão pelos colonizadores europeus. É fato que ao evocar esses termos e fatos históricos acertamos sobre o que move a contenda atual, mas gostaria de atrelar a essas reflexões e críticas que já fazemos duas outras questões que me acometem neste momento.

A primeira é que muitos de nós só pensamos nesses fatos em momentos de inegável comoção coletiva. Há certamente coletividades, instituições e individualidades não-indígenas que fazem da luta indígena sua própria constituição. Mas nós, pessoas brancas, estamos realmente assumindo nossa participação e responsabilidade sobre o binômio indígena/não-indígena enquanto vivemos nossa própria constituição como dependente da sustentação desse binômio? Fazemos parte de uma cultura que re(a)presenta os povos indígenas como atrasados, primitivos, não-civilizados, e essa cultura é parte do que nos faz quem somos sendo brancos. Daí a importância de questionarmos e analisarmos produções culturais, e aqui particularmente a ficção, que fazem parte da criação da narrativa de nós mesmas.

A segunda questão que gostaria de trazer é sobre a impropriedade do termo “exploração ilegal”, que coloco entre aspas justamente por causa de sua fragilidade e intrínseca trapaça. Podemos, efetivamente, classificar como legais e ilegais ações baseadas em um sistema formulado por aqueles que se beneficiam dessa organização de leis em detrimento daqueles sobre os quais as leis se aplicam? Já não foi legal a expropriação das terras dos indígenas que habitam o continente desde quando da chegada dos colonizadores, e não existe a manipulação e o preterimento das leis para que essa expropriação continue hoje, talvez sobre outros nomes? Soa ingênuo para mim, por tudo isso, chamar essas ações de “exploração ilegal” e pensar que as noções de legalidade e ilegalidade já atuam como uma espécie de punição classificatória. Como se isso fosse suficiente, e como se pudéssemos esperar sentadas por algum tipo de “justiça”.

Os questionamentos que apresentei não esgotam, sem dúvida, as possibilidades críticas e de ação que podem emergir da análise da representação de personagens indígenas no cinema brasileiro. O que busco fazer com este texto é um exercício no sentido de amplificar o que podemos perguntar, incentivar a expansão de minha capacidade questionadora. Pois, ao falar sobre um livro que disserta acerca da representação de personagens indígenas, posso, além de questionar a impropriedade ou propriedade dessas representações, questionar também a (im)propriedade das leis, a ficcionalidade das narrativas que me perpassam e constituem, a conexão entre ficção e realidade. Podemos e devemos tomar como determinação pessoal questionar tudo acerca do mundo em que vivemos.

Claudia Mayer
Doutora em Estudos Literários e Culturais
Editora Geral da Editora Monstro dos Mares
Contato: [email protected]

Contribuições com a campanha de financiamento coletivo do livro O índio no cinema brasileiro e o espelho recente, de Juliano Gonçalves da Silva, podem ser feitas até o dia 11/05, às 23h59min. Estamos muito felizes com o andamento dessa campanha e muito gratas a todas as pessoas que contribuíram e que ainda contribuirão. Logo os livros começarão a ser produzidos e prevemos para o fim deste mês o início dos envios nos Correios.

Apoie o financiamento coletivo do livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente” de Juliano Gonçalves da Silva no Catarse -> http://catarse.me/oindionocinemabrasileiro

Financiamento coletivo em 50%, quase lá!

Enfim o financiamento coletivo do novo livro da Monstro dos Mares chegou em 50% e, com a sua ajuda, vamos chegar lá! Ou seja, o livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente“, de nosso amigo Juliano Gonçalves da Silva, tem tudo para acontecer. No momento em que muitas pessoas estão preocupadas com o que vai acontecer nas próximas semanas, surpreendentemente chegamos na metade de nossa meta de financiamento.

Conforme a resenha do livro publicada pela Dra Claudia Mayer, certamente esse título vai contribuir para importante reflexão sobre o impacto cultural das representações ficcionais sobre a existência real dos povos indígenas, ao discutir como o cinema ficcional produz, reproduz e contraria os estereótipos constituídos acerca dos indígenas que permeiam o imaginário da cultura brasileira. Inegavelmente, a pesquisa do Juliano vem a favorecer o interesse de pesquisadoras acadêmicas, de pessoas que se interessam pelo cinema nacional e latino-americano e apoiadoras da causa indígena. Além disso, este livro vem fortalecer ferramentas para criação de acervos de videotecas, cineclubes e salas de exibição comunitárias e populares. Assim, o projeto ultrapassa o alcance individual de cada livro e busca atingir a sociedade como um todo.

Financiamento coletivo

Como resultado desse financiamento coletivo, pretendemos imprimir cerca de 200 exemplares do livro durante o ano de 2020. O financiamento coletivo também tem o propósito de distribuir gratuitamente parte considerável dessa tiragem de livros artesanais para bibliotecas comunitárias, coletivos, movimentos sociais, pesquisadoras acadêmicas e independentes. Os livros são feitos artesanalmente, em casa, utilizando uma impressora doméstica, equipamentos mecânicos muito simples como uma guilhotina e grampeador.

Para que o livro chegue em mais e mais mãos, pedimos sua gentil contribuição no financiamento coletivo no Catarse. Você pode contribuir com qualquer valor a partir de 10 reais e receber recompensas pelo seu apoio.

Apoie o financiamento coletivo do livro “O índio no cinema brasileiro e o espelho recente” de Juliano Gonçalves da Silva no Catarse -> http://catarse.me/oindionocinemabrasileiro

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