Já faz algum tempo que o mês de Novembro é muito agitado na Monstro dos Mares. Geralmente, em Novembro ocorrem vários eventos acadêmicos e as feiras. Quando nossa editora emergiu em 2012, começamos a participar das feiras, como a Feira do Livro Anarquista de Porto Alegre (FLAPOA). Ela costuma acontecer em alguma data paralela à realização da Feira do Livro de POA. Em São Paulo, próximo ao feriado de 15 de Novembro, todo ano ocorre a Feira Anarquista de SP, onde acontecem diversas atividades interessantes. Essa feira reúne pessoas de vários recantos e pessoas que produzem livros, camisetas, ecobags, adesivos, rango vegano, plantinhas, entre outras criações, para abrir o pano e expor seus materiais. As feiras são ótimos espaços para conhecer pessoas e ver as práticas autogestionárias acontecendo, uma vez que os eventos são organizados coletivamente e as são tarefas compartilhadas.
Mas, como sabemos, a pandemia do novo coronavírus ainda segue por aí sem dar sinais de ir embora tão cedo. Com isso, as pessoas de nosso coletivo editorial decidiram em reunião virtual que a Monstro dos Mares participará de eventos presenciais somente quando houver condições sanitárias favoráveis e ampla imunização para toda a população. O vírus já fez milhares de vítimas no Brasil e no mundo, algumas pessoas não estão dispostas a ignorar os riscos dessa doença.
Nós queremos que Novembro continue sendo o mês da Feira do Livro, da Feira Anarquista, dos eventos acadêmicos, dos congressos e conferências. Nesse mês, sentimos falta daquele astral de banquinha. Por isso, decidimos dar 20% de desconto em todos os materiais de nossa loja — exceto o livro Amazônia em Kaos, que já possui um grande desconto combinado com as pessoas que organizaram o livro. Basta você digitar feiraanarquista2020 no cupom de desconto do carrinho de compras em nossa loja virtual.
Feira do Anarquista 2020 na Editora Monstro dos Mares, 20% de desconto com cupom “feiraanarquista2020” na loja online. https://monstrodosmares.com.br
No mês de Outubro de 2020 a Editora Monstro dos Mares, um pequeno coletivo editorial de inspiração anárquica localizado no interior do estado do Paraná, atingiu a marca de meio milhão de impressões. Esse número não representa absolutamente nada para a indústria gráfica nacional, mas é muito significativo para as pessoas, coletivos, movimentos sociais, bibliotecas comunitárias e iniciativas editoriais de livros e zines artesanais no Brasil.
Fazer impressões em casa para distribuir e fortalecer a disseminação de ideias radicais reúne um espectro de experiências que evidenciam a importância da autonomia e da livre cooperação entre pessoas e coletivos que compartilham dos mesmos princípios e éticas. Ao produzir um novo título, ou recuperar e colocar para circular uma publicação de outros tempos, aprendemos muito sobre apropriação tecnológica, sobre a necessidade de tinta no papel. Também percebemos a urgência do desenvolvimento de estratégias de sobrevivência e manutenção de nossos espaços coletivos, que muitas vezes se beneficiam diretamente da distribuição, venda e circulação de impressos. Além disso, obviamente, aprendemos sobre a contribuição para o aprendizado e mobilização das pessoas que estão unidas conosco nas lutas sociais ao lado de quem vem de baixo.
Nesse momento marcante da editora, queremos agradecer às monas, minas e manos que em algum momento de suas vidas e militâncias decidiram dedicar algum tempo para produzir materiais que questionam o Estado e o estado de coisas. São livros e zines que subvertem lógicas estabelecidas, pesquisas acadêmicas que expõem as linhas de fratura da normalidade e relatos de grupos e individualidades que, do lado de fora dos muros das universidades, criaram materiais para circular de mão em mão, feitos em casa, de baixo custo e que vão circular entre pessoas (tal como você e eu) que lutam para que o mundo, da forma que está, não mereça existir por nem mais um segundo.
Em 2020, desde o primeiro dia do ano, a Monstro dos Mares chamou para que as águas fizessem emergir novas editoras, coletivos publicadores, distros e banquinhas. Quando essas iniciativas despontam no horizonte, nossa sensação de criar, resgatar, mobilizar e difundir ideias radicais e dissidentes no formato impresso é uma ação direta no enfrentamento do grande capital, das constantes guinadas autoritárias, da precarização do trabalho e da destruição do meio ambiente. Essa não é uma tarefa fechada em si mesma, mas que está unida, de braços esticados e na luta. Tudo isso buscando não ignorar as subjetividades que nos constituem como pessoas e que nos unem como coletividades. Quando surge uma nova editora anarquista, aspiramos novos ares e vento nas velas.
As 500.000 impressões que alcançamos desde Agosto de 2017 representam mais do que 50 caixas de papel, 500 pacotes de A4, 15 litros de tinta pigmentada, mais de 5.000 livros e 9.000 zines. Esse meio milhão de impressões significa que há um espaço, mares navegáveis e um oceano de limonada para as ideias radicais. Além de comemorar esses números, queremos agradecer cada pessoa que carinhosamente nos incentiva a continuar fazendo o que acreditamos. Livros e Anarquia!
Muitos lançamentos estão borbulhando! Em Setembro, preparamos diversos lançamentos e novos títulos estão para surgir até o final deste ano estranho chamado 2020. Retomamos os envios pelos Correios, estávamos com saudades de nossas amizades atendentes e carteiros com quem temos contato frequente, sem esquecer o pessoal de operação de triagem e transbordo. Estamos muito próximos da marca de 500.000 impressões e queremos comemorar muito este momento com todas as pessoas que conhecem nossa atividade e reconhecem a importância da tinta no papel. Temos certeza que os próximos meses serão de produção intensa, muito material nas ruas e passando de mão em mão.
Conseguimos! Foram mais de 70 dias de ansiedade. O lançamento do livro “Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista” foi nossa sexta campanha de financiamento coletivo. Desde de 2015, utilizamos essa modalidade para incrementar os recursos necessários para a publicação de alguns títulos. Sabemos que esse período exige uma certa insistência nas redes sociais. Elas são canais poderosos para sensibilizar nossas amizades sobre a importância do tema e informar como pretendemos distribuir o livro. Esta será nossa primeira experiência em que a distribuição será destinada a algumas bibliotecas comunitárias, coletivos e movimentos selecionados desde o primeiro dia da divulgação. Seria lindo se tivéssemos mais e mais endereços. Porém, optamos por enviar uma quantidade generosa de livros para cada e fazer com que cada coletividade decida o que fazer com o pacote de 20 livros que serão enviados aos 11 endereços. Será possível fazer grupos de estudos, fortalecer a leitura de educadores, distribuir em outros espaços, tirar cópias, vender. Cada grupo vai decidir o que e como. A hora é de fazer o material circular.
Com isso, queremos agradecer profunda e sinceramente todas as pessoas que puderam dedicar uma parte de seus recursos, seu carinho e boa vontade com a produção de Waltinho Vadala e de quem mais atuou nesse projeto. Muito Obrigado!
Tem tanta coisa acontecendo que as vezes fica difícil organizar as ideias. Nos 60 dias recentes tivemos greve de trabalhadores e trabalhadoras dos Correios, mudança de casa, algumas preocupações com a saúde e claro, a pandemia do coronavírus que ainda segue, mesmo que muitas pessoas estejam simplesmente ignorando esse fato.
Todos os meses, as pessoas que apoiam a Monstro dos Mares em sua atividade editorial recebem em suas casas um pacote com fanzines e materiais produzidos e distribuídos por nós ou impressos por amizades que muito gentilmente enviam seus livros e zines para navegar em nossos mares. Nosso calendário de envios, entretanto, acabou dando uma bagunçada e os materiais de Agosto foram enviados em Setembro, após o anúncio de encerramento da greve de profissionais atendentes, carteiros e OTT’s. Com isso, decidimos reunir os meses de Setembro e Outubro em um único pacote e enviá-los juntos, de modo a regularizar nossas entregas.
Vamos retribuir o carinho e a paciência das pessoas que continuam conosco, confiando e acreditando na atividade transformadora que é produzir livros artesanais. Apropriar-se de métodos e tecnologias, distribuir conhecimentos, fortalecer movimentos. Somente existimos como coletivo editorial porque as pessoas reconhecem em nossas práticas o conjunto de ideias que compartilhamos. Agradecemos imensamente!
A cada dia, uma nova mudança. Mudar, é isso que fazemos ao curso do tempo. Mudamos de estilo, atitude, ideia, éticas e práticas. Mudamos o tempo todo o modo de movimentar o mundo — mundos em justa consonância com as lutas contra o capitalismo, a colonialidade e o patriarcado em todas as suas expressões. Mundos possíveis, participativos, sociais, inclusivos, diversos. Novos mundos!
As pessoas que compõem a Monstro dos Mares decidiram que para continuar fazendo livros e zines era necessário mudar, muito mais do que levantar velas, mas jogar um pouco mais de pressão no vapor. Com isso, durante algumas semanas estivemos em processo de mudança para um espaço onde cabem mais ideias, mais livros e mais participação.
♪ O Vapor de Cachoeira não navega mais no mar, Barco véio tá cansado, sobe o rio devagar. Ai, ai, ai, sobe o rio devagar.
Chegamos nos Campos Gerais em Janeiro de 2019 e seguimos na cidade de Ponta Grossa por mais algum tempo. Aos poucos, vamos estabelecemos relações com o lugar, com as pessoas e vales que recortam o horizonte paranaense. Nosso endereço de correspondência continua exatamente o mesmo (Caixa Postal 1560, CEP 84071-981).
Na Sexta-feira, 16 de Outubro, o caminhão levou impressoras, mesas, caixas e caixas de material impresso, muita tralha para outro destino. Novos ares! Mais do que coisas, carregamos nossa vontade de continuar fazendo livros e zines de ideias anárquicas e anarquistas, epistemologias dissidentes e pensamento radical sobre nosso tempo e queremos agradecer todas as pessoas que apoiam a existência desse projeto editorial.
Às vezes, ir para outro lugar é puxado. Mas, e se fizermos uma coisa de cada vez? O barco véio tá cansado, sobe o rio devagar. Você tem feito mudanças lentas, graduais e permanentes? Escreva nos comentários =]
“[…] A greve é legal, constitucional e absolutamente legítima, cabendo, como diz o art. 9 da Constituição Federal, aos trabalhadores decidirem a oportunidade de exercerem este secular direito e os interesses que devam por meio deste defender, o que é exatamente o que estão fazendo neste momento, com razão, os nossos carteiros e demais funcionários técnicos e administrativos do serviço postal brasileiro. O TST tem o dever de buscar a mediação e conciliação desta greve e não tratá-la com desdém ou preconceito, muito menos com ameaça de punições […]
Ao observar os números de Agosto de 2020 já sabíamos que seria um mês atípico. Afinal de contas, no início do mês decidimos parar por uma semana para cuidar de nossa saúde mental. No mesmo dia em que retornamos, foi decretada a greve de trabalhadoras e trabalhadores dos Correios. Em solidariedade às atendentes, carteiros e carteiras e OTT’s, paralisamos todos os nossos envios, ainda que as Agências Franqueadas e terceirizados estejam funcionando normalmente.
Evidentemente, com essas questões nosso ritmo de produção de livros caiu bastante, mas mantivemos a reposição de estoque de zines. Também adiantamos a impressão de 155 exemplares de nosso próximo lançamento e com isso o volume de impressões ficou maior que a quantidade de livros produzidos, o que provavelmente deve se manter em Setembro e ser normalizado em Outubro, no lançamento de “Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista“.
A partir de Agosto de 2020, todos os meses, o Instituto Bianca e Adrielle, em Belém do Pará, passará a receber um pacote de materiais da Monstro dos Mares através das amizades da Biblioteca Libertária Maxwell Ferreira.
Todos os meses a Editora Monstro dos Mares faz esse agradecimento às amizades que fortalecem nosso bonde e nos ajudam a atravessar os momentos difíceis e especialmente dramáticos como esse Agosto de 2020. Em função da pandemia, a manutenção da vida e das atividades da editora ficaram mais complexas. É compreensível que as pessoas não estejam priorizando o livro e as leituras nesse momento, então nossas vendas caíram bastante e cada real dos apoios nos ajudam muito, de verdade.
No início do mês ficamos uma semana fechados buscando cuidar de nossa saúde mental no auto-isolamento rigoroso que adotamos desde o dia 11 de Março. Quando retornamos às nossas atividades, foi decretada a greve da categoria de profissionais dos Correios (Carteiros e Carteiras, Atendentes e Operadoras e Operadores de Triagem e Transbordo, chamados de OTT’s). Nós apoiamos integralmente a mobilização contra o sequestro dos direitos e desmonte da empresa. Por isso, decidimos somar em solidariedade e não faremos nenhum envio enquanto a luta de trabalhadoras e trabalhadores manter a greve dos Correios.
A Editora Monstro dos Mares precisa da sua ajuda para continuar, contribua com a Rede de Apoio no Catarse ou PicPay e receba materiais impressos em sua casa. 🖨️
Um documentário que retoma as ideias de Frantz Fanon do passado e as coloca no caminho de como suas ideias estão ressoando com os jovens de hoje ao redor do planeta.
Quando Frantz Fanon estava nos últimos estágios da leucemia, aos 36 anos, ele foi levado para um hospital em Bethesda, Maryland, nos Estados Unidos, para uma cirurgia. Seu filho de 5 anos, Olivier, andando por lá e vendo a chegada de sangue para transfusão, vendo as bolsas de sangue, temeu que seu pai houvesse sido cortado em pedaços. O pequeno Olivier mais tarde encontrou flamulando uma bandeira da Argélia em uma rua desde a brutal e recorrente guerra Franco-Argelina, na qual ambos seus pais estiveram profundamente engajados. Esse era, até então, seu único entendimento de violência e sangue no mundo.
Eu me recordei desta história de partir o coração, incluída na biografia de Fanon feita por David Macey, durante a triagem do filme de Hassene Mezine, Fanon Hier, Aujourd’hui (Fanon: Ontem, hoje), com a participação de Olivier Fanon, agora adulto, lendo trechos do trabalho do pai. Entrevistas com ele e uma nota particularmente melancólica para o belamente composto sumário da vida de Fanon compõe a porção ‘ontem’ da primeira metade do filme. “Eu estava moldado em uma cena da Guerra da Argélia”. Olivier relata como foi viver marginalmente devido a ameaças constantes à vida de seu pai.
Mezine encerra a história de Fanon – a vida vivida desviantemente por um curto, enérgico e explosivo tempo – entre seu começo como um soldado lutando contra o nazismo aos 18 anos na II Guerra Mundial, até sua “última luta contra o colonialismo”. Aqui, o foco é nos dias em que Fanon esteve na Argélia, começando com seu posto em Blida, onde ele foi apontado como o médico-chefe no hospital psiquiátrico. Pegando a Estrada da recente publicação de Alienação e Liberdade: Frantz Fanon, na qual são recuperados e traduzidos a maioria de seus escritos psiquiátricos, o filme também se atenta ao trabalho psiquiátrico de Fanon no centro de seu pensamento anticolonial. Foi em Blida que ele estava disposto a tentar novas abordagens, métodos progressistas em um lugar e momento em que o colonialismo e o tratamento racista dos pacientes norte-africanos havia se tornado regra.
Fanon foi estagiário do Dr. Francois Tosquelles, que havia levantado a questão paradigmática, “Como você pode tratar pacientes se a instituição em si está doente?” e havia inventado a psiquiatria institucional. Levando estas ideias para mais longe, Fanon reorganizou completamente as atividades e tratamentos no hospital, incluindo arte terapia, música, sessões de contação de história, e até mesmo locais para arremessos e futebol. O filme alterna entre imagens antigas e novas do hospital em Blida, movendo de fotos ameaçadores de correntes, algemas e cintos para imagens de pessoas relaxando no café do hospital com o porta-retrato de Fanon pendurado em destaque na parede, evidência da longa permanência das mudanças estruturais que fez ali.
O filme toma o olhar por meio de Fanon no tempo em que era revolucionário na luta da Argélia até lentes íntimas e pessoais – histórias de amigos com quem se reunia nas refeições e tinha longas e agitadas discussões sobre a guerra; Fanon tocando guitarra e cantando nas festas de fim de ano, Fanon caminhando pelo seu quarto vazio, sem mobílias, no qual ele ditou seu livro todo para sua assistente Marie-Jean Manuellan; Fanon empurrando o pequeno Olivier em seu triciclo. Todos estes fragmentos de memória permitiram que o público acessasse o sociável, agradável e vibrante Fanon vivo – sendo sempre alguém com a comunidade, e que tinha energias ilimitadas e ideias sobre a luta colonial e as injustiças em todo lugar.
A inovação trazida por este documentário é simples: um curto retrato da companheira de Fanon em vida e amor, Josie. Resumido em um amor revolucionário, “Argélia serviu como catalisador para aproximar Fanon e minha mãe”, explica Olivier, “Ele estava lá nos campos de batalha, nas fronteiras”, acrescenta. Sem dúvida, Fanon, Josie e a Argélia eram indissociáveis.
Enquanto Josie Fanon foi deixada de lado pelos livros de história, esta curta homenagem faz o trabalho necessário de incitar e relembrar os especialistas em Fanon a avaliar a extensão em que a revolução é continuamente enquadrada como masculina, com as mulheres apenas tratadas como acessórios temporários para grandes projetos. Josie foi uma figura respeitada e amada que continuou o seu trabalho como jornalista na Argélia e foi uma forte aliada do movimento anti-apartheid na África do Sul, permanecendo essencialmente sem medo e engajada nas políticas até sua morte em 1989.
Após realizar muitas novas interações na biografia de Fanon, a sessão “hoje” mostra-se o ponto crucial do documentário. Ela contém a longa e robusta tese: a ideia de que o trabalho de Fanon tem sido transformador e influente, e que indubitavelmente possui radicalidade após sua vida.
Qual é, com tudo isso, a relevância de Fanon hoje? Diferente de Che Guevara, Fanon não se tornou um ícone de destaque. Não existem camisetas, broches, sacolas nas quais ele aparece, e isso é simplesmente porque as ideias de Fanon não são facilmente consumidas, nem servem para curtos e concisos lemas. Até como movimento de alerta para o direito global que agora cria raízes, que também tem ferocidades beligerantes e ideologia de resistência decolonial.
O documentário demonstra que Fanon tem muito o que oferecer para a juventude de hoje, que é privada de seus direitos pelas políticas econômicas neoliberais, alimentando o racismo pernicioso e profundamente radicalizado justamente devido à ampla disponibilidade online de uma lista de injustiças, desigualdades e corrupção no mundo. “Miséria é o único destino prometido para centenas de milhões de humanos”, a narradora Marie Tsakala estoicamente declara.
A jornada do filme começa na Martinica, local de nascimento de Fanon (onde o documentário exibe a audiência entusiasmada em um auditório massivamente lotado). Mezine estava surpreso em saber que o trabalho de Fanon era pouco conhecido na Martinica. Ademias, tal recepção ansiosa talvez evidenciasse que ali havia um desejo de olhar para além dos erros de estereótipo de Fanon como um “apóstolo da violência”, e a fome real de retomar suas ideias, que talvez possam oferecer respostas para problemas do presente.
Em Portugal, o rapper e ativista Flàvio Almada “LBC Soldjah” falou o quanto havia sido transformado por Pele Negra, Máscaras Brancas. O líder em “Plataforma Gueto”, um movimento social negro que inventa métodos para educação popular e construção comunitária, Almada reclama do racismo institucional e da violência policial contra a população negra arraigados em Portugal. Portanto, as noções fanonianas de que “nós nos revoltamos porque não podemos respirar” ressoam como urgentes. As ideias de Fanon são importantes porque ele ilumina o que não é culpa dos povos marginalizados, e que não são seus destinos, explica Almada, mas o racismo e a violência são ideologicamente organizados, e podem ser decolonizados, erradicados e superados.
Viajando para a França, África do Sul e Nigéria, o documentário pretendeu seguir a relevância de Fanon para a geração mais jovem intensamente consciente do fato de que o imperialismo continua inabalável em um rol de criativas e enganosas mutações. “Nós não somos os ‘condenados da terra’ falados por Fanon,” explica Houria Bouteldja ativista franco-argelino. “Nós somos os sujeitos pós-coloniais da Europa; nós somos o Sul no Norte.”
O próprio Hassane Mezine é muito o produto dessas ideias, e escolheu fazer este documentários por causa de sua “identidade argelina”, com a qual tinha conflitos enquanto crescia na França. Ele explica que é “confrontado com os mitos do republicanismo francês sobre justiça e igualdade, que não são realmente aplicados quando você nasceu fora, em uma colônia histórica francesa.” Para Bouteldja, assim como para Mezine, Fanon esclarece o processo como um colonialismo interno, e seus escritos oferecem estratégias para se decolonizar destas estruturas sufocantes.
Observações excepcionalmente fortes vêm do jovem ativista Ibrahima Diori em Niamey, Nigéria, que disse que as ideias fanonianas se tornaram particularmente relevantes em seu país pois ele tem um papel central na exacerbação do que chamam de “crise migratória”. As leis de divisão colonial entre a África Negra, a África Branca e o Norte da África evitam liberdades internas de movimentação; Como os chefes de Estado das nações norte-africanas se tornaram agentes das agendas europeias, fronteiras foram estendidas e se proliferaram ao longo da África, se tornando “um jogo de isolamento instituído pelas políticas anti-migratórias europeias.” Apesar das estatísticas que provam repetitivamente que a maioria dos migrantes não deseja entrar na Europa, mas pretende viajar livremente pela África, este discurso é promovido na mídia como uma justificação da draconiana e repressiva das políticas de fronteira.
Diori pleiteia a simplificação das relações entre os humanos, e Fanon oferece a ele uma ponte para os ideais de solidariedade e unidade. Salima Ghezali, jornalista e ativista, faz uma reflexão similar em Argel, Argélia, e fala em um discurso racista interno que tem sido combatido pelo grupo ao qual Fanon referiu-se como a corrupta “burguesia nacional” no contexto dos refugiados e migrantes oriundos da África.
Como a jornada de Fanon continua, parece claro que mulheres são a vanguarda dos movimentos de massa contemporâneos contra o racismo, ganância corporativa e colonialismo estrutural. Tal quadro fica ainda mais evidente quando Mexine termina com uma sessão na Palestina com Samah Jabr, que é uma das 22 pessoas exercendo a psiquiatria e a única mulher na profissão na Costa Oeste. Profundamente influenciada pelos escritos de Fanon, Jabr explica que “o trauma descrito nos manuais ocidentais não parece similar ao trauma que temos na Palestina.” Ela compara um grupo oprimido com uma sobrevivente de estupro que se culpa pelo estupro e imagina que ela inicialmente mereceu isso. Um grupo oprimido como os Palestinos tem que superar seu imenso complexo de inferioridade, e atuam inspirados pelo potencial terapêutico das teorias de Fanon, acrescenta Jabr. Em um movimento de poder simbólico, Mezine projeta as palavras de Fanon no rosto radiante de Ahed Tamimi, uma garota adolescente que já foi presa por seu confronto com os soldados israelenses, incitando manifestações e protestos globais.
De fato, Mezine inaugura Fanon na geração do século XXI que, talvez, nunca conheceram o colonialismo propriamente dito, mas tem herdado todas as suas duráveis brutalidades. Almada de Portugal insiste que “ativistas, rappers e acadêmicos devem ler Fanon, mas não o transformar em algo da moda. Fanon é para a libertação.” Em outro lugar, as palavras hipnotizantes de Cornel West para a câmera permanecem conosco: “Muitos do mundo pré-fanoniano persiste. Mas nós vamos conversar com Frantz Fanon porque muitos de nós decidimos que queremos ser fiéis até a morte as verdades ditas por eles, aos seus testemunhos…”
Como o esforço melancólico de Yazid Fentazi´s oud, que nos acompanhou por todo o documentário, agora deixa aos músicos Neyssatou da Tunísia que bravamente imersos por “War” de Bob Marley, há um senso de júbilo. A missão talvez ainda não esteja complete, mas a saga foi iniciada e o trabalho da decolonização libertária está encampada seriamente por todo o planeta.
Por Bhakti Shringarpure em Africa Is a Country. Gentilmente traduzido por Ste.
Em “Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista“, Walter Vadala articula as possibilidades de encontros e diálogos que emergem a partir da história de Zumbi para que educadoras e educadores possam compreender e combater o racismo utilizando-se da educação como mediadora e fazendo da escola mais que um ambiente de conhecimento teórico, mas um ambiente de transformação social.
A Monstro dos Mares tem entre seus princípios a tarefa de disponibilizar exemplares impressos a bibliotecas comunitárias, coletivos, movimentos e centros sociais que, entre suas práticas, promovem uma educação libertária, antirracista e que questionam o padrão eurocêntrico dentro e fora das salas de aula. A função de nosso bonde editorial é fazer do livro uma ferramenta de luta contra o capitalismo, a colonialidade e o patriarcado em todas as suas expressões. Para a publicação de “Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista“, vamos fortalecer as seguintes coletividades:
Biblioteca comunitária de Parelheiros (São Paulo – SP)
Biblioteca Comunitária Livro Livre Curió (Fortaleza – CE)
Rádio Comunitária A Voz do Morro (Porto Alegre – RS)
Rádio Comunitária Aconchego (Recife – PE)
CCS Vila Dalva (São Paulo – SP)
Para que muitos exemplares possam chegar nesses espaços precisamos da sua participação. Ao apoiar com valores a partir de 10 reais ou recomendar a campanha de financiamento coletivo do livro para suas amizades, você estará fortalecendo a distribuição de materiais que vão fortalecer efetivamente a luta cotidiana de quem faz educação.
“Zumbi dos Palmares: por uma educação antirracista” – para apoiar o projeto acesse: catarse.me/zumbidospalmares
O processo de publicação de um livro exige a participação de muitas pessoas. Para colocar as ideias para circular, Vadala contou com a colaboração de Monica Marques, que fez a diagramação e criou as belas e poderosas ilustrações que compõem o livro. Também estão neste projeto o carinho e atenção de Luciana Teixeira Morais, que fez a revisão, e os generosos conhecimentos do bibliotecário e ativista Paulo R. Freitas, que contribuiu com a ficha catalográfica e aspectos formais de registro do material. Aqui na Monstro, nosso compa Da Vinci ajuda nas rotinas de mídias sociais, Baderna James como assistente editorial (e impressão) e abobrinha como editora geral do projeto (e montagem). Com a sua participação, vamos debelar os limites físicos e sociais dos muros que cercam as universidades e formam verdadeiros abismos entre comunidade e conhecimento.