AnarchySF é um catálogo online que faz a intersecção entre anarquia e ficção científica. O site é um repositório de código aberto para ficção científica anarquista e/ou de inspiração anárquica. Estão em destaque muitos livros, filmes e outras mídias que são evidentemente anarquistas em sua forma política ou de interesse para anarquistas e pesquisas de referência.
O acervo foi inicialmente coletado e organizado por Ben Beck (professor de história aposentado e escritor), que localizou e manteve o material por cerca de três décadas. No final de 2019 a coleção foi reorganizada e recebeu um novo visual pelos novos chegados do projeto, Eden Kupermintz (crítico musical de metal extremo) e Yanai Sened (que prefere fazer mistério sobre sua identidade).
Durante o processo de reorganização, a missão básica foi de torná-la muito próxima de como ele se manteve durante os últimos 30 anos. Nas palavras do próprio Ben, curador original do acervo:
“Ficção Científica é inevitavelmente o gênero mais adequado para uma reflexão sobre o anarquismo, especulações sobre como pode ser o futuro, mesmo as utopias e as distopias na ficção por vezes ocupam um espaço de “subgênero” da ficção científica. Como sabemos, faz tempo que a ficção científica atrai anarquistas.
Também existe uma tendência muito natural de se olhar para o espaço e a exploração espacial como uma metáfora para a liberdade tão querida por anarquistas. Mas isso não quer dizer que a ficção científica seja em si essencialmente anarquista. O site procura apenas investigar o quanto a ficção científica tem sido criada por anarquistas e simpatizantes da anarquia, como tem sido tema de análise da crítica anarquista, ou de fato atacada por essa crítica.
A coleção é apenas uma visão anarquista da ficção científica, se você quiser.”
O objetivo do site, desde a sua reconstrução, é utilizar ferramentas modernas de gerenciamento de conteúdos para incentivar a participação da comunidade em torno do acervo e colaborar em sua manutenção. Ninguém conseguiria mantê-lo atualizado e preciso por muito tempo; além disso, esse não seria um “modo propriamente anarquista” de se fazer as coisas. Contando com os princípios da ajuda mútua, AnarchySF convida as pessoas para ajudar a manter o acervo. É possível acessar um guia de colaboração para saber como é possível se envolver no projeto.
Por que AnarchySF é anarquista?
Naturalmente o projeto tem uma essência anárquica. Para alguns dos colaboradores e mantenedores do site, o anarquismo pode ser uma perspectiva política ou um modo de vida. No entanto, nem todas as pessoas que mantêm ou contribuem para o projeto precisam ser, necessariamente, anarquistas; geralmente, anarquistas podem ser reconhecidas em muitas cores e não cabe ao projeto criar ainda mais distinções de ideias. Em vez disso, este acervo vê a anarquia como um objeto a ser descoberto, uma ideia a ser estudada. O projeto deseja ser um repositório de conhecimento para todas as pessoas interessadas na anarquia, independentemente de sua afiliação ou identificação política.
Tem dias mais difíceis, nos quais as preocupações estão além das necessidades de tinta, papel e textos. Ao pensar em questões como justiça social e segurança sanitária dos centros urbanos, das periferias e da vida no campo, refletimos sobre o que está acontecendo. Quem dirá sobre o que virá?
A pandemia está ensinando muitas lições sobre como encaramos a vida, as atividades diárias, nossa convivência com as pessoas próximas e a importância de saber “habitar nossas casas”. Uma questão que bateu forte aqui é a dúvida em torno da necessidade de sermos pessoas produtivas diante de um cenário tão adverso como o da doença que dominou o mundo. Por isso estamos fazendo como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar.
Podcast bônus
No dia 17 de Julho de 2020, Baderna James e abobrinha gravaram sobre suas atividades na editora, diagramação de livros e zines utilizando software livre (LibreOffice e GIMP) e sobre a obrigatoriedade de sermos pessoas produtivas.
Queremos agradecer as pessoas que estão conosco diariamente e que confiam em nosso projeto editorial. Algumas delas fortalecem com os recursos para manter a editora em funcionamento. Com muito carinho agradecemos as amizades da Rede de Apoio:
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A primeira intenção de acabar com a política e substitui-la pela justiça transformadora baseada na comunidade está em andamento nos E.U.A., mas existem comunidades que têm experimentado a auto-organização, como os Zapatistas em Chiapas.
A partir do caso Floyd, a primeira intenção de abolir a polícia e acabar com a política, e substitui-las pela justiça transformadora baseada na comunidade está em andamento nos E.U.A., mas existem comunidade que têm experimentado a auto-organização sem recorrer aos estados que as oprimem ou espoliam, como Rojava no noroeste da Síria, Cooperação Jackson no Mississippi e Zapatistas em Chiapas.
Os zapatistas, em particular, têm passado os últimos 20 anos organizando suas comunidades de maneira autônoma em relação ao Estado em todas as esferas da vida, desde a política e o sistema de justiça até a atenção médica, a economia e a educação. À medida que somos testemunhas dos limites do que se pode mudar radicalmente, a experiência zapatista é mais relevante do que nunca.
Sendo aprendiz de novas formas de democracia direta e autogoverno apátrida, viajei para Chiapas em dezembro passado para participar de um programa de um mês, chamado “Celebração da Vida”, que culminou com a celebração do 26º aniversário do levante Zapatista de 1994, quando campesinos indígenas de Chiapas se organizaram para defender seus direitos e terras contra o Estado e os grandes proprietários.
Embasando-me na investigação etnográfica existente, assim como em minhas próprias entrevistas e conversas durante a viagem, exploro neste texto as características mais instrutivas da organização social dos zapatistas: tomada de decisões de baixo para cima, justiça autônoma, educação, sistemas de saúde e economia cooperativa, com a esperança de que possamos nos beneficiar da experiência deles ao construir nosso próprio “outro mundo”.
As pessoas decidem
Nos 26 anos posteriores ao levantamento inicial, os zapatistas se converteram em uma voz de destaque dos povos indígenas de México e construíram um sistema autônomo de fato de autogoverno em territórios contíguos ao estado de Chiapas, habitados pelos defensores do movimento.
Um princípio-chave subjacente no projeto zapatista, que assegura que as instituições autônomas sirvam às pessoas, é “mandar obedecendo”, o que significa liderar obedecendo. Isso implica que os líderes políticos não tomam decisões em nome de sua comunidade como seus representantes, mas atuam como delegados da comunidade, implementando as decisões tomadas nas assembleias locais, um mecanismo tradicional de tomada de decisões.
Representantes existem no nível da aldeia e, diferente das assembleias tradicionais do México, incluem mulheres, cujo empoderamento está no centro da revolução zapatista. As assembleias elegem delegados por um conselho municipal, e seguem no nível da estrutura zapatista.
Logo, em nível regional, vários autônomos são representados por delegados em Juntas de Bom Governo (JBG), o Conselho de Bom Governo, chamados assim em contraste com o ‘mau’ governo mexicano. Os membros da JBG servem durante 3 anos de forma rotativa, em turnos de apenas algumas semanas. Essa rotação frequentemente se destina a prevenir o aparecimento de redes de clientelismo.
O mapa é cortesia de Maël Lhopital, voluntario do DESMI.
Qualquer ideia proposta em um nível administrativo superior passa pelo processo de consulta com cada comunidade, e após isso é que cada delegado leva a opinião de suas comunidades para a reunião municipal. Há uma forte ênfase na tomada de decisões por consenso, mesmo que isso signifique, constantemente, assistir a reuniões de um dia em que todos devem ser escutados, e que as decisões não aconteçam até que se chegue ao entendimento geral.
Os líderes são eleitos de acordo com o peso da tradição indígena, a obrigação de servir à comunidade, e se comprometem a postos de responsabilidades não-remunerados. As comunidades têm direito de revogar o mandato daqueles funcionários que não cumpram com seu dever de servir às pessoas.
A formação político-militar EZLN (Exército Zapatistas de Libertação Nacional), que se organizou clandestinamente em 1983 e alcançou o levante de 1994 e as ocupações de terras, existe paralelamente aos três níveis de administração autônoma e da direção política do movimento. Bem organizado hierarquicamente, seu corpo mais alto é formado por civis eleitos por assembleias comunitárias. Além disso, sua presença nos assuntos comunitários é limitada para garantir um verdadeiro autogoverno democrático das comunidades zapatistas.
O subcomandante Moisés fazendo uma declaração na celebração de aniversário, rodeado pelo resto da CCRI-CG, o corpo mais alto do EZLN (Comitê Clandestino Revolucionário Indígena – Comando Geral) | Foto: Anya Briy
Após adotar uma posição de rechaço a qualquer ajuda do chamado governo ‘mau’, os zapatistas assumiram a função estatal de prestação de serviços nas comunidades afiliadas ao movimento. Isso significa construir seus próprios sistemas comunitários de justiça, educação, saúde e produção.
Sistema de justiça
O sistema de justiça zapatista tem ganhado confiança e legitimidade, incluindo para além dos partidários do movimento. É gratuito, acontece nas línguas indígenas e é comprovadamente menos corrupto ou parcial em comparação com as instituições governamentais de justiça. Há, ainda, o que tem de mais importante: adota um enfoque restaurador, no lugar do punitivo, e coloca ênfase na necessidade de encontrar uma solução que satisfaça todas as partes.
Dentro da comunidade, o sistema possui três níveis: o primeiro nível se refere a questões entre os partidários zapatistas, como fofocas, roubos, embriaguez ou disputas domésticas. Tais casos são resolvidos pelas autoridades eleitas ou, se necessário, pela assembleia comunal, segunda a prática habitual. Ao resolver conflitos, as autoridades funcionam, em grande medida, como mediadoras, propondo soluções às partes envolvidas. Se não conseguem resolver, os casos passam, então, ao nível seguinte, municipal, no qual são tratados por uma Comissão de Honra e Justiça eleita.
Na maioria das vezes, as sentenças envolvem serviços voluntários ou multas; as penas de cárcere normalmente não excedem alguns dias. Como Melissa Forbis explica, o cárcere comunitário geralmente é apenas uma casa cercada com uma porta parcialmente aberta para que as pessoas possam passar para conversar e trazer comida. Quando quem cometeu a infração não tem meios e precisa pedir dinheiro emprestado aos membros de sua família para pagar uma sanção, estes também estão envolvidos e a prisão ajuda a prevenir uma transgressão maior. As questões domésticas relacionadas com as mulheres são abordadas pelas mulheres na Comissão.
Maria Mora oferece um retrato revelador do enfoque do movimento sobre a punição, documentando um caso em que os zapatistas emitiram uma sentença de serviço comunitário durante um ano por roubo. Aos declarados culpados permitiu-se oscilar entre o serviço com o trabalho em seus próprios campos de milho para que suas famílias não tivessem que compartilhar o castigo. A comissão explicou sua decisão da seguinte maneira:
“Pensamos que se simplesmente os prendêssemos, os que realmente sofreriam seriam os membros da família. Os culpados simplesmente descansariam todos os dias na prisão e aumentariam de peso, mas suas famílias precisariam trabalhar no milharal e descobrir como sobreviver.”
O nível mais alto do sistema de justiça, o JBG, se ocupa de casos que envolvem principalmente não-zapatistas ou outras organizações políticas locais, geralmente sobre disputas de terra, assim como as autoridades governamentais locais. Os não-zapatistas buscam o sistema de justiça autônomo não apenas quando têm disputas com membros das comunidades zapatistas, mas também quando experimentam um tratamento injusto por parte dos funcionários do governo; neste caso, os zapatistas podem decidir acompanhar os demandantes ao escritório público e debater em seu nome.
Embora os zapatistas tenham polícia, ela é bastante diferente de como estamos acostumados a pensar nisso. Como documenta Paulina Fernández Christlieb, não são armados, nem uniformizados, nem profissionais. Igual a outras autoridades, a polícia é eleita por sua comunidade; não são remunerados e não servem nesta função permanentemente. Cada comunidade tem sua própria polícia, enquanto nos níveis administrativos mais altos, os do município e da região, não têm. Descentralizados e desprofissionalizados, os policiais servem e estão sob o controle da comunidade que os elege.
Festival de dança que faz parte do longo programa do mês, chamado de “Celebração da Vida: membros da comunidade Zapatista comemoram a vida depois de 1994. As placas falam, “Educação”, “Saúde” e “Trabalho Coletivo”. Foto: Anya Briy
Educação
O sistema educativo zapatista está igualmente enraizado na comunidade. As escolas autônomas são administradas pelos chamados “promotores da educação”, principalmente jovens locais que ensinam em suas próprias comunidades sob a supervisão de um comitê educacional eleito por uma assembleia local.
Desde o lançamento do sistema educativo autônomo, os zapatistas têm levado a cabo programas de capacitação para preparar os promotores educativos e desenvolver um plano de estudos em colaboração com grupos solidários, ONGs e voluntários de fora, assim como em consulta com a população local. Atualmente as comunidades têm seus próprios profissionais que capacitam novos promotores. Assim como outros postos de autoridade e responsabilidade, os promotores não recebem salários e a comunidade apenas os ajuda no cultivo de seus campos de milho.
O plano de estudos está integrado na vida da comunidade e é desenhado para preparar uma nova geração para as tarefas de governança e autossuficiência, que incluem temas como autonomia, história, agroecologia e medicina veterinária. As aulas são ministradas tanto em espanhol quanto nas línguas indígenas, com ênfase na preservação das tradições e conhecimentos locais. A comunidade participa ativamente da escolha da metodologia e do plano de estudos, como mostra o comentário de um promotor de educação de uma das comunidades, citado por Bruno Baronnet:
“Consultamos o nosso comitê de educação e nossa assembleia sobre os verdadeiros conhecimentos que são importantes para nosso povo. São as pessoas que decidem e respeitamos suas opiniões, inclusive se as vezes não estou de acordo, como no outro dia durante a assembleia, quando me pediram que eu não jogasse com as crianças durante as horas de escola porque alguns pais pensam que não se podem aprender enquanto se divertem. Não sabia como dizer a eles que não estão de todo certo, mas os convencerei na próxima vez. (Tradução da autora, do Francês).”
Os jovens zapatistas estão representando suas vidas antes de 1994, fingindo beber cerveja e segurando um cartaz com o nome de um recente programa de ajuda governamental, Sembrando Vida.
Cuidados com a saúde
Os zapatistas também têm desenvolvido seu próprio sistema de saúde, enquanto ainda se utilizando da ajuda de especialistas não-zapatistas. A maioria das comunidades tem um voluntário local, um promotor de saúde, que recebe capacitação em medicina tradicional e moderna nos centros de saúde regionais organizados pelos zapatistas. Estes voluntários prestam serviços básicos em uma casa de saúde local.
O tratamento mais avançado disponível está nas clínicas localizadas em travessias de caminhos e em alguns centros municipais. A clínica em Oventic, por exemplo, é uma das mais sofisticadas: oferece cirurgia básica regular, atendimentos dentários, ginecológicos e oftalmológicos, abriga um laboratório, um canteiro de ervas, uma dúzia de leitos e está equipada com ambulâncias. Os comitês de coordenação de saúde, igual aos de educação, existem em cada nível administrativo, o que garante a participação das comunidades na administração do sistema de saúde autônomo.
Mulheres zapatistas que saíam de uma clínica localizada no centro de Morelia, onde se realizou o encontro internacional de mulheres, que também faz parte do programa de um mês e o aniversário. | Foto: Anya Briy
Nas comunidades mistas, onde os zapatistas coexistem com os não-zapatistas, os serviços autônomos estão abertos a todos. Me disseram, por exemplo, que pais não-zapatistas enviaram seus filhos para as escolas autônomas porque sabem que são de melhor qualidade. A mesma coisa se aplica às clínicas zapatistas, já que a falta de médicos nas comunidades indígenas é comum.
Produção: Para Todos Tudo, Para Nós Nada
O funcionamento do governo autônomo, escolas e clínicas, assim como de outros projetos coletivos, são financiados por meio do ingresso em cooperativas e coletivos de terras. Eles estão no centro da inspiração zapatistas de alcançar a autossuficiência econômica do Estado e construir uma economia baseada na distribuição equitativa dos recursos.
Embora as cooperativas e os coletivos coexistam com os terrenos familiares e o empreendimento individual, a participação no trabalho coletivo acontece de forma rotativa e é obrigatória. Também existem os bancos populares em forma de fundos rotativos que concedem empréstimos a baixo interesse aos membros da comunidade como base de apoio. Esses bancos geram fundos que se convertem em novos projetos coletivos. Alguns projetos coletivos são apenas para mulheres e têm a intenção de criar uma oportunidade para que elas ganhem confiança e participem da vida social de suas comunidades.
María, membro de uma comunidade zapatista, compartilhou sua experiência e compreensão sobre muitos aspectos da luta zapatista, incluindo o compromisso com o trabalho coletivo. | Foto: Anya Briy
Outro mundo é possível
Os desafios que o movimento zapatista enfrenta são muitos. Vão desde desertores, resultado da campanha de cooptação do governo por meio de subsídios e programas de melhoria, até a dependência financeira do financiamento por parte de ONGs solidárias e a persistência de tendências patriarcais e desigualdades internas.
Sem dúvida, apesar dos desafios, em 26 anos de luta pela autonomia, os zapatistas têm construído acordos sociais funcionais baseados na democracia debaixo para cima, cooperação e justiça comunitária, que colocam o bem estar da comunidade acima do benefício individual.
Através desses acordos, as comunidades zapatistas têm assegurado os direitos, a proteção e as necessidades básicas que o Estado mexicano tem lhes negado ou não pôde lhes proporcionar. Como assinalou recentemente Dora Roblero de Frayba, uma organização que vem acompanhando os zapatistas desde o princípio, os zapatistas podem ser a única comunidade no México mais preparada para resistir à pandemia, graças a sua auto-organização de serviços básicos durante anos.
Sabendo que os Estados não protegem e nem promovem serviços para tantos cidadãos em todo o mundo, a experiência zapatista oferece uma alternativa inspiradora centrada na comunidade.
Por Anya Briy, publicado em OpenDemocracy e traduzido por Ste.
Forma parte da tradição libertária, talvez de uma maneira central, o interesse pela difusão de suas ideias. Ao largo da existência do que poderia se chamar de movimento anarquista (com todas as aspas que queiram), existiram certos grupos dedicados a impressão de textos próprios ou traduzidos, assim como uma infinidade de revistas e publicações mais ou menos periódicas.
Distantes estão os tempos em que o número de exemplares se contava aos milhares (vale como exemplo o livreto Doze provas da inexistência de Deus, de Sebastian Faure, que teve uma edição de 620.000 exemplares em 1917 ou os 560.000 de Entre Campesinos, de Errico Malatesta, segundo cifras de J. Álvarez Junco), mas é um fato a vinculação do mundo editorial e o anarquismo. Figuras como Anselmo Lorenzo, Fermím Salvochea, Ricardo Mella ou Diego Abad de Santillán dedicaram esforços à edição e tradução de obras. Essa tradição editorial teve nos anos 70 e 80 uma continuidade, incluso por editoras estritamente libertárias, que aproveitaram o nicho de ideias para editar textos, como foi o caso da série Acracia, de Tusquets.
Nos últimos anos, entre outros motivos, por certo despertar de interesse acerca de temas sociais, estendeu-se por toda a Península uma interessante forma de se aproximar da cultura libertária: os encontros do livro anarquista. Salamanca, Barcelona, Madrid, Sevilla, Valência, Bilbao, Cartagena, Zaragoza, Gijón, Logroño, entre outras, são cidades em que esse tipo de evento já se celebra. Esses encontros servem para difundir o ideal anarquista tanto no âmbito oral, com conversas e colóquios, como por escrito, reunindo diferentes projetos dedicados ao mundo do livro e do fanzine.
Em paralelo ao crescimento e consolidação de muitos encontros ou feiras do livro anarquista, como evidente contraponto as feiras comerciais, parece também que se expandem e se consolidam diversos projetos editoriais ligados ao mundo libertário.
A cultura anarquista ocupa um lugar de permanente confrontação com a cultura hegemônica atual, porque frequentemente vive nas margens do sistema. Quando falamos das margens do sistema, queremos falar de como existem formas culturais que transitam com tensão ou que fogem com maior ou menor êxito da voracidade cultural da mercadoria. Dentro deste panorama, como não poderia ser diferente no mundo anarquista, a variedade se amplia.
Para algumas pessoas, a cultura anarquista é aquele que reflete as lutas, os personagens, as ideias, etc, associadas ao anarquismo no passado, presente e futuro. Isso pode se fazer desde diferentes modelos organizativos, entre os quais existam aqueles que defendam que o livro não é, única e exclusivamente, seu conteúdo. Para esta posição, o livro também é o seu modo de circulação. Assim, um livro seria como uma pessoa, que é seu conteúdo, suas palavras e seus atos, sendo esse modo de circulação do qual falamos. As palavras tem um conteúdo informativo, ou seja, as palavras fazem a realidade, ou se preferirmos, influencia nela. Seguindo esse raciocínio, se um livro diz coisas racistas, estaria se convertendo em parte do sistema de dominação (racial) e, por exemplo, se um livro é vendido em uma livraria onde seus trabalhadores/as têm condições laborais miseráveis, esse livro se impregnaria dessas circunstâncias, pois parte de seu preço se converteria em mais-valia (em síntese: em benefício para o explorador).
Essa postura convive com outras, seguindo múltiplos debates no cotidiano a partir de possíveis matizes que surgem no desenvolvimento da atividade cultural, nesse caso, editorial. Esses debates se movem entra a atividade editorial militante (que representariam as ideias explicadas) e as editoriais como cooperativas autogestionárias ou projetos de auto-emprego, entre uma atividade ao mais puro estilo Do It Yourself, ou mais ou menos profissionalizada. Em uma ou outra posição, sempre com firme caráter assembleário e autogestionário, se constituem vários projetos editoriais cujas diferenças também se relacionam com a preferência por tratar de temas variados ou girar ao redor de determinados temas específicos. Exemplo claro disso são os editoriais como o Ochodosquatro, que se dedica a divulgação de textos relacionados aos direitos dos animais, ou o El Salmón, que edita trabalhos que analisam como a tecnologia se insere no sistema de dominação. Não é raro que existam editoriais que sejam ao mesmo tempo livrarias ou livrarias que tenham seu próprio projeto editorial. Em Madrid já é veterana a livraria e editorial La Malatesta (e recém-nascida como La Rosa Negra) e em Barcelona se pode encontrar, nesse sentido, a Aldarull (e com parecido espírito temos também a El Lokal). Em Granada, a livraria Bakakai edita sob nomes diferentes, enquanto que nessa mesma cidade a Biblioteca Social Hermanos Quero, com o seu próprio nome, colabora com frequência com outros projetos para publica r livros sobre antipsiquiatria ou contrapsicologia, urbanismo, etc.
Já que nos metemos na infame tarefa de etiquetar editoras, há de se destacar que algumas tem especial interesse por textos mais clássicos, como a já mencionada La Malatesta, enquanto que outras se concentram principalmente na edição de ensaios mais contemporâneos, como a editora Vírus, ou a Muturreko Burutazioak, ou também, de forma exclusiva em textos atuais que analisam as últimas décadas do século XX até os dias de hoje, como a editora Klinamen. Não obstante, provavelmente sejam mais frequentes as editoras que utilizam em suas edições critérios não cronológicos, visto que se pode encontrar em seus catálogos textos de qualquer época, como os das editoras Deskontrol, Diaclasa, Calumnia, El Grillo Libertario, El Imperdible ou Piedra Papel Libros, entre muitos outros exemplos possíveis. A maioria das mencionadas (Diaclasa, El Imperdible e também Madre Tierra ou Ediciones Marginales) dedicam-se exclusivamente (ou quase) ao gênero literário ensaístico, se bem que existam outras que possuam em seus catálogos obras de outros gêneros literários (como Piedra Papel Libros em poesia e a Volapük em narrativa).
Simplificando de maneira um pouco insultante, podemos dizer que é possível a divisão do mundo editorial convencional entre as grandes empresas editoriais que funcionam como qualquer outra multinacional: é a grande indústria cultural como o Grupo Penguin Random House (Plaza y Janés, Debolsillo, Taurus, etc.) ou o Grupo Planeta (Espasa, Paidós, Ariel, etc.), e aquelas outras, poucas e pequenas quando comparadas com as outras, que se aferram à Cultura, com catálogos muito caprichados como Akal. Também podemos falar de um terceiro grupo de editoras alternativas por seu tamanho, como a Nórdica Libros, Errata Naturae ou a Impedimenta.
As primeiras buscam essencialmente dinheiro, em que pese o que poderia aparentar a complexa política de diversificação entre coleções de consumo massivo e outras de caráter acadêmico ou de altos voos culturais; as outras amam, apreciam a alta cultura porque acreditam, de forma implícita, que um “mundo mais culto” é um mundo melhor.
O mundo anarquista coincide com a desprezível grande indústria editorial em um aspecto. Frente as editoras que mimam seus catálogos com grandes pensadores ou pensadoras, e não sentem a cultura, como frequentemente fazem os artistas, como um fim em si mesmo, os livros anarquistas, de outro lado, são ferramentas para conscientizar, agitar e isso supõe que muitos livros anarquistas não saem de um grupo de pessoas que se dedica com exclusividade às atividades editorais, mas que os fazem como atividade cultural secundária ou pontual. Assim encontramos que a CNT tem uma fundação (Fundação Anselmo Lorenzo), dedicada a publicar livros sobre seus militantes e sua história, marginalizados pelos cronistas acadêmicos, ou que o já veterano Espaço Anarquista Magdalena no madrilenho bairro de Lavapiés publicou pontualmente ou colaborou com a edição de diversos textos.
Por outra parte, o mundo editorial anarquista, ao entender o livro como uma ferramenta a serviço da transformação social libertária, aposta tradicionalmente por valorizar a mensagem por cima da forma. Por isso, não é raro que o formato seja extremamente simples, inclusive, às vezes, muito mais simplório ante os estandartes comerciais. Para quem está acostumado ao mundo editorial convencional, pode ter uma impressão negativa, mas a realidade é que o processo, que nesses tempos relacionamos com o DIY, significa uma desconstrução da hierarquia do processo cultural editorial, ao abrir esse mundo para quase qualquer pessoa, ou grupo de pessoas que pretendam colocar no papel o que seja. Dessa maneira, existe uma débil barreira entre aqueles que difundem e editam textos anarquistas e seus leitores/as, de forma que passar de um lado para outro é tremendamente habitual, o que confere um caráter popular e horizontal ao mundo cultural libertário como é impossível de se imaginar na indústria cultural capitalista.
Isso se observa principalmente no mundo do fanzine, que usualmente aparece nas ruas ou em espaços diversos através de distribuidoras (que é o nome que lhe dá o movimento anarquista ao projeto de uma ou várias pessoas que publicam e vendem, ou só vendem, ou trocam, textos libertários por sua conta e risco, ou como parte de um projeto mais amplo como pode ser, por exemplo, um centro social), que se contam em dezenas, quiçá centenas, construindo provavelmente a parte quantitativa mais importante do mundo editorial anarquista.
É evidente que o campo editorial libertário serviu de inspiração para pessoas que não se identificam com o corpus geral de suas ideias ou práticas, mas que valorizam e integram muitos outros aspectos do mundo libertário: sua vocação anticapitalista, sua mensagem de ruptura, sua organização autogestionária, a pretensão de fazer coerentes os meios para alcançar um objetivo como próprio objetivo, etc. isso faz com que existam editoriais cujos vínculos com o movimento anarquista sejam difíceis de elucidar. Para além disso, um mundo descentralizado e focado em um aqui e agora de projetos que vem e vão em sua pretensão de mudar o mundo, resulta inalcançável para nossas possibilidades, razão pela qual muitos nomes, seguramente muito interessantes, meritórios e comprometidos caíram no caminho.
Por outro lado, valha este escrito para uma aproximação com o intenso trabalho de difusão cultural como forma de crítica social que mantém os anarquistas, frequentemente contra o vento e as mares.
Por outra parte, os esquecimentos tem fácil solução: esta página* tem a opção de acrescentar comentários para que recordemos esses projetos. Uma maneira de dar a conhecer aquelas editoras que acabamos por esquecer ou que não podemos incluir por limitação de espaço.
La Neurosis o Las Barricadas Ed.
* Se refere a página do ‘Solidaridad Obrera’, publicação que dá foz a CNT-AIT Catalunya-Balears, onde este texto foi publicado originalmente em 22 de março de 2017.
Nos livros de Iván Darío Álvarez pode-se compreender as bases do anarquismo, encontrar edições que quase desapareceram devido à sua estigmatização, e descobrir a faceta libertária do pensador Noam Chomsky. Estes são os textos fundamentais para um seguidor dessa corrente.
A ideia de um mundo sem governo, no qual todos os indivíduos possam considerarem-se livres de qualquer jugo, é, para muitos, utópica, ilusória, ou simplesmente uma piada. Para os/as anarquistas ou libertário(a)s, pelo contrário, acabar com o Estado, o capitalismo, e qualquer regulamentação opressora tem sido sua maior motivação há séculos.
O problema é que o termo anarquia — que por sua etimologia grega significa “ausência de governo” — está, muitas das vezes, associado à violência ou a tumultos. No México, por exemplo, vários jornais fazem uso do termo unicamente para referirem-se a atos violentos que são cometidos por algumas pessoas que guiam suas vidas segundo tais ideais. No Chile, o jornalista italiano Lorenzo Spairani foi deportado, em 2017, por gravar vídeos de uma marcha sindical, tendo sido acusado de fazer parte da cena anarcoliberal. Isso põe em dúvida a plena democracia do Chile, disse Spairani ao jornal costarriquenho El País.
Na Colômbia, há personalidades que, longe de promover a violência, assumiram o anarquismo a partir das letras e das artes cênicas. Uma dessas pessoas é Iván Darío Álvarez, escritor, bonequeiro, pensador, e também fundador, há 44 anos em Bogotá, do teatro La Libélula Dorada, no qual injeta o “veneno” libertário através de obras de sua autoria como El Dulce Encanto de la isla Acracia. Ele também colaborou no suplemento Magazín Dominical do jornal El Espectador com vários artigos dedicados ao anarquismo, e em 1992 fundou o jornal Biófilos, assim batizado em homenagem ao ativista e anarquista colombiano Biófilo Panclasta, do qual produziu quatro edições. Sua biblioteca, que ocupa quase três cômodos de sua casa, é uma vasta coleção de filosofia, contos infantis, peças teatrais, cancioneiros, poemas, e há um local especial para estes oito livros, recomendados por Iván Darío, que são fundamentais para qualquer interessado(a) em conhecer as bases e os ideais anarquistas.
Diccionario anarquista de emergencia – Iván Darío Álvarez e Juan Manuel Roca
Parecerá um pouco narcisista começar com este livro que escrevi junto com o poeta Juan Manuel Roca, mas este texto é como uma introdução ao anarquismo. Este livro está dividido em duas partes: na primeira, tomamos os termos de A a Z próximos à anarquia e os definimos do ponto de vista libertário, através de citações de filósofos, anarquistas, ou pessoas com ideais semelhantes ao anarquismo; na segunda parte, incluímos umas mini-biografias de personalidades que muita gente ignora que estavam próximas dessa corrente, tal como Albert Camus, Arthur Rimbaud, Oscar Wilde e Leon Tolstói.
Esta é uma joia porque, devido à sua estigmatização, encontrar edições desta obra é como procurar uma agulha no palheiro. Neste livro, Read reúne seis ensaios, nos quais há desde poesia até filosofia, e os relaciona ao anarquismo. Isto também é uma raridade em seu trabalho, porque esse inglês é mais conhecido por suas publicações sobre estética. A editora argentina que publicou esta obra, Américalee, é muito importante, pois se encarregou de resgatar clássicos do anarquismo de meados do século XX.
Chomsky também é muito conhecido por seus trabalhos linguísticos e críticos, mas pouco por sua faceta libertária. Neste livro, onde também há entrevistas, ele faz um estudo sobre a prática das ideias anarquistas na Guerra Civil Espanhola, que levaram a impedir que os franquistas tomassem Barcelona. Os libertários também assumiram o controle das fábricas, eliminaram o dinheiro, e colocaram os campos nas mãos dos camponeses, sob autogestão. O autor vê nisto um modelo inspirador para uma nova sociedade, onde seja possível haver uma democracia construída de baixo para cima, e não ao contrário.
Durante a Guerra Civil e a gestação do movimento operário espanhol, surgiram grandes figuras, entre elas o metalúrgico Buenaventura Durruti. Ele teve uma vida extraordinária: esteve preso, em seguida fugiu da Espanha e andou pelo México, Cuba e Argentina roubando, não para ficar rico, mas para financiar suas lutas sociais e a fundação de escolas anarquistas. Ele também criou a Coluna de Ferro, que eram as milícias anarquistas que enfrentavam Franco. Enzensberger tece muito bem esse relato, e o conta como um romance, com testemunhos de simpatizantes, inimigos, e por meio de fragmentos de livros e entrevistas.
Cabezas de tormenta: ensayos sobre lo ingobernable – Christian Ferrer
Nos quatro ensaios que compõem este livro, Ferrer pesquisa o estilo de vida dos libertários, seu idealismo e fé nas ideias, e os põe como um modelo do quê o anarquista ideal pode ser. Também se encarrega de desmistificar o imaginário que a burguesia impôs à sociedade a respeito do que é um seguidor da anarquia: alguém estigmatizado, satanizado por sua rebeldia, um ser perigoso e incendiário que sempre anda com uma bomba oculta. O autor dá a essa obra um estilo pessoal que o torna muito poético e agradável de ler.
Este trabalho é muito polêmico porque Zerzan é contrário ao progresso da civilização que, para ele, está nos levando a um beco sem saída. Ele argumenta que, com o surgimento da agricultura, começou a divisão do trabalho e um ideal de ambição e de conquista que serviram de base para o escravismo. O autor propõe voltar a uma sociedade primitiva, onde haja uma relação mais estreita entre os seres humanos e a natureza, e onde as cidades não existam; para ele, elas são monstros em crescimento que degradaram o ser humano até o ponto de convertê-lo em alguém anti-social.
O ativismo e sua participação em redes contra o Banco Mundial, o G8 e todos esses movimentos capitalistas e de globalização, levaram a esse graduado em Oxford a fazer este livro, que é sua tese de graduação. O particular é que ele não o fez sentado à uma mesa, mas sim embasado nas suas experiências em protestos. Gordon explica que, ainda que o anarquismo tenha sido ofuscado por movimentos como o marxismo, nunca desapareceu; depois do Maio de 68, houve uma nova irrupção e atualmente existem anarquistas que não se autodenominam assim, devido à estigmatização da palavra, e sim como autonomistas, assembleístas, etc.
Cine y anarquismo: la utopía anarquista en imágenes – Richard Porton
O cinema sempre esteve presente nas lutas sociais, e mostrou o anarquista de diferentes maneiras. Porton explica isso da perspectiva daqueles que seguem esses ideais, assim como daqueles que não seguem. Aqui falamos sobre, por exemplo, Sacco e Vanzetti (1971), filme que conta o caso de dois imigrantes italianos que chegaram nos Estados Unidos em busca de um futuro melhor e que, ao ver as formas brutais de exploração daquele país, ingressam no movimento operário norte-americano para lutar a partir do anarquismo. Logo são acusados de um crime que não cometeram e são condenados à cadeira elétrica.
Dia 23 de julho (quinta-feira) às 15h será realizado nosso terceiro vídeo ao vivo. Estamos muito felizes com a participação de tanta gente! São muitas perguntas, e queremos nos organizar bem para podermos discutir todas elas.
As perguntas coletadas para a próxima live são as seguintes:
Se os correios entrarem em greve, como vocês farão para entregar livros e zines?
Como ter vida familiar sendo editor?
Como vocês escolhem os papéis de capa e por que cores tão lindas?
Quais tipos de papel “grosso” vocês usam para fazer capas de zines?
Quem assina no Catarse recebe o que?
Qual o critério de escolha de textos para publicação?
Por que publicar um livro parece ser tão difícil?
Além das perguntas, também falaremos sobre o novo livro que está pronto para ser lançado!
“Você tem todo o direito de copiar este livro total ou parcialmente, imprimir e distribuir por qualquer meio. Esse conteúdo não é protegido por nenhum monopólio cultural ou direito comercial; ao curso da história os livros são e serão gratuitos. Ninguém vai te culpar ou prender por distribuir ou realizar cópias; pelo contrário, ficaremos muito agradecidos se você fizer isso. O conhecimento se distribui livremente.”
Ao abrir um livro, raramente é possível se deparar com essa afirmação, não restritiva – como regra geral –, mas permissiva. Essa tem sido a premissa sob a qual acadêmicos, poetas, estudantes e militantes anarquistas publicam, de forma independente, distribuem os textos próprios e outros. Essas editoras fazem isso criando outros formatos, que visam uma produção com mais tiragem, diferente dos panfletos e fanzines publicados há mais de 20 anos em universidades e outros espaços libertários.
Alguns livreiros identificam a origem dessas editoras anarquistas na Feira do Livro Independente e Autogerenciada (FLIA, que começou em Buenos Aires, Argentina) que, a partir de 2010, mudou-se para Bogotá. Desde a primeira edição, os visitantes do evento literário começaram a se familiarizar com uma produção diferente, clandestina e artesanal, que incentiva a produção doméstica dos livros. Uma dessas pessoas foi Fabián Serrano, membro da editora Imprenta Comunera, da cidade Bucaramanga. “O bom de ter uma editora independente é que escapamos da imposição de autores renomados e personalidades para focamos apenas nos personagens que consideramos importantes“, diz Fabián, que juntamente com outros dois colegas, lançou oito publicações em apenas cinco meses.
Eles, como seus colegas de outras editoras, não estão preocupados em ter lucro, mas em espalhar seus pensamentos e ideias para o maior público possível. É por isso que o tempo todo eles resgatam conteúdos de anarquistas conhecidos, mas que não são publicados em grandes editoras ou editoras comerciais, como é o caso da obra de Emma Goldman, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta, Uri Gordon, Henry David Thoreau e de personalidades com um lado libertário pouco conhecido, como Oscar Wilde ou Noam Chomsky. Para essas reedições, é mais complicado conseguir o texto para publicá-lo, por haver poucas cópias existentes; geralmente, os autores dessa corrente independente divulgam seus trabalhos sem restrições. “Sentimos que, quando criamos algo, isso não nos pertence mais, de modo que as pessoas assumem e se reconhecem neles, e isso é maravilhoso“, explica Iván Darío Álvarez, escritor, pensador anarquista e bonequeiro, fundador do teatro La libélula Dorada.
Pie de Monte é uma das editoras que faz esses resgates, mas que também quer apostar em novos escritores. Atualmente, a editora trabalha com textos de amigos e conhecidos, mas seu objetivo é que, mais tarde, mais pessoas sejam encorajadas a publicar seus trabalhos autorais. “Fizemos isso porque a ideia é que as pessoas saiam da dinâmica do mercado editorial e dos blogs e que resgatem a tarefa do livreiro e das livrarias. Isso sim, a única coisa que não tem discussão é que quem publica conosco deve deixar livres os direitos da obra“, comenta Santiago Lopez, membro da editora.
A conjuntura é outro fator importante nas reedições ou escritos originais: muitos textos são publicados em um determinado momento para demonstrar que as ideias anarquistas de várias décadas atrás ainda são válidas. Foi o caso da última publicação da El Rey Desnudo, a editora de Iván Darío e do poeta Juan Manuel Roca, USA nación de lunáticos, uma compilação de fragmentos de um ensaio que o escritor Henry Miller fez após o fracasso americano no Vietnã, um texto que foi lançado como uma crítica ao atual mandato de Donald Trump.
Embora os livros sejam o formato preferido para editoras anarquistas, brochuras, diários e jornais não são renegados. El Aguijón, uma editora criada dentro da Universidade Nacional de Medellín, em 2006, lançou uma seleção de contos e está preparando um novo volume. Porém, ocasionalmente eles tiram o jornal El Aguijón – Klavando la duda, para o qual recebem apoios financeiros que permitem dar continuidade em outros projetos. Você pode baixar os exemplares gratuitamente na página da editora.
O dinheiro investido é recuperado na maior parte das vezes, mas para reduzir custos ou acelerar o processo é comum alguns editores unirem forças. Rojinegro e Gato Negro reuniram textos como Estratégia e tática na prática anarquista, de Errico Malatesta, e Anarquismo e poder popular: teoria e prática sul-americanas, uma compilação de teorias e opiniões sobre anarquismo e poder popular. O número de cópias varia e, assim como alguns títulos chegam a 300 cópias, outros saem com apenas 30 exemplares.
Devido ao desconhecimento sobre os autores ou preconceitos que existem em relação ao anarquismo, poucos são os lugares onde é possível encontrar essas publicações em suas prateleiras. Em Bogotá, os mais comuns são La Valija de Fuego, Rojinegro, La Libélula Dorada, Luvina, El Dinosaurio, Árbol de Tinta e La Mandriguera del Conejo. Oscar Vargas, um dos fundadores da Gato Negro, diz que tentaram alcançar outros espaços, mas que não deu muito certo. “Isso foi difícil, porque em várias livrarias eles querem cobrar entre 30% e 40% do preço de capa, e buscam ter lucro por algo que nós não compartilhamos na mesma lógica. Somente alguns foram capazes de entender a proposta”, explica Óscar.
As publicações de Gato Negro. Foto cedida por Oscar Vargas.
Mas nem a clandestinidade, nem o baixo orçamento, foram impedimentos para alcançar outras partes do mundo. Por meio de conhecidos ou trocas por quilos, os editores colombianos levaram textos para Argentina, Chile, Equador, México, Peru, Uruguai, Brasil e Espanha. Os livros recebidos do exterior são vendidos para recuperar o dinheiro investido ou, como no caso da Rojinegro, são utilizados no Centro de Documentação Ácrata, uma espaço que fica nas suas instalações e que qualquer pessoa pode consultar o acervo ou fazer cópias.
Os preços baixos são a chave para alcançar mais pessoas: a maioria dos livros é vendida entre sete mil e quinze mil pesos, aproximadamente. (Nota do tradutor: O que equivale a um valor entre 10 e 20 reais) “Vimos que em feiras e eventos independentes, os metaleiros ou punks sacrificam parte da grana da birita porque estão interessados no que fazemos. É uma mentira que na Colômbia as pessoas não gostam de ler; elas não leem porque os livros aqui são muito caros”, explica Fabián.
Foto cedida por Oscar Vargas.
As editoras libertárias da Colômbia precisam ser mais divulgadas, mas seus editores estão satisfeitos com a situação atual e com o fato de que cada vez mais pessoas querem escapar da realidade do mercado e são incentivadas a publicar ou piratear o trabalho de autores que incomodam a outras editoras, ou mesmo ao estado. Essa aceitação vem aumentando e recentemente, por exemplo, uma tradução do livro de Iván Darío Álvarez e Juan Manuel Roca, Dicionário anarquista de emergência, começou a ser distribuído na França.
Para Roca, esse é um sinal da inconformidade latente que persiste na humanidade. “Anarquismo é como Drácula, que em todos os filmes eles o matam, mas em cada final ele acorda e está mais vivo do que os vivos. Há quantos anos eles decretam a sua morte e vemos que diversos movimentos de jovens e aqueles que não fazem parte de um partido se mobilizam de maneira tão vigorosa e sem limitações”, diz ele.
Por Andrés J. López, publicado em Cartel Urbano no dia 10 de Março de 2017. Versão para o português por Baderna James.
Está complicado olhar os números do Brasil e da pandemia de Covid-19. São mais de 60.000 pessoas que morreram devido ao vírus. Em diversas cidades do interior os números aumentaram assustadoramente e, infelizmente, em todas as notícias estão presentes a desinformação, o descaso e a omissão. Somente a imediata renúncia ou impeachment do presidente não são a solução, mas seria um bom começo.
Em Junho de 2020 aconteceram muitas coisas: chegada de novos títulos, colaborações, equipamentos. Estamos buscando formas de lidar com a pandemia e enfrentar a ansiedade, os medos e alguma frustração por não conseguir fazer tudo aquilo gostaríamos. Mas a pergunta é: quem está conseguindo lidar numa boa com tudo isso que está acontecendo? Todo dia tem uma nuvem de gafanhotos, um ciclone bomba, cobras voadoras, uma sala de espera virtual, entre outras pragas. Realmente não está sendo fácil! 🎶🕶 ️
Neste mês que passou, a Editora Monstro dos Mares completou 8 anos de atividade. Por algum tempo, tivemos cerca de um ou dois lançamentos por ano. Desde a chegada de nossa Editora Geral abobrinha, em 2017, nosso bonde editorial vem se transformando profundamente. Monas, minas e manos se somaram e hoje são 10 pessoas que fazem a seleção de materiais, traduções, revisões e outras atividades. No grupo do telegram da editora é possível acompanhar algumas dessas tarefas acontecendo, entre outras conversas bem animadas.
Na 2ª edição do “Chá da tarde”, abobrinha tirou dúvidas das pessoas que nos acompanham no Instagram sobre as questões do cotidiano da editora, próximos lançamentos e também deu uma série de dicas sobre “como montar uma editora”, que deu origem a um excelente artigo que recomendamos a todas as pessoas que desejam criar a própria publicadora de livros e zines em casa.
Espertirina Martins
Na Sexta-feira, dia 5, nossa nova impressora chegou. É uma Epson WorkForce Pro WF-C5710, que recebeu o nome de “ESPERTIRINA”, em memória e celebração da luta da jovem Espertirina Martins, que com suas mãos fez história ao enfrentar o inimigo. Inclusive o mestre GOG e o Ateneu Libertário “A Batalha da Várzea” de Porto Alegre também fazem homenagem à militante anarquista do início do século XX. A impressora é muito valente e nesse primeiro mês já demonstrou suas qualidades realizando mais de 20.000 impressões sem mostrar qualquer dificuldade ou problemas. E esperamos que continue assim por um bom tempo!
Foi dia 18 de junho a segunda edição do nosso Chá da tarde. Foram realizadas algumas mudanças, e achamos que deu muito certo. Melhoramos a iluminação, o posicionamento da câmera e a captura de som, além da linda ficha para pauta em papel cor-de-rosa metálico (inspirada, talvez, na Penélope do Castelo Rá-Tim-Bum 😁).
Você pode assistir à 2ª edição do Chá da tarde no IGTV e no YouTube.
Como explicamos neste post, decidimos usar o recurso dos vídeos ao vivo para entrar em contato mais próximo com as pessoas que nos acompanham on-line. A experiência tem sido muito legal para nós e já estamos pensando em mais maneiras de compartilhar as atividades da editora, falar sobre técnicas e sobre outros assuntos que estão no nosso dia a dia.
Agradecemos a todas as pessoas que puderam estar com a gente ao vivo, e também àquelas que estão nos acompanhando em outros momentos. Na próxima semana será aberta novamente a caixinha de perguntas no Stories do perfil da Monstro no Instagram e você poderá nos enviar suas perguntas. A caixinha vai aparecer uma vez por semana.
A Rede de Apoio é uma iniciativa importante para manter qualquer iniciativa seguindo em frente. Bandos, bandas, coletivos, bibliotecas comunitárias, movimentos sociais entre outras coletividades dependem da mobilização e participação de pessoas. Existem várias formas de colaborar e fortalecer uma iniciativa que você considera importante: fazer recomendações para as amizades, compartilhar conteúdos, contribuir com ideias, somar-se a atividades presenciais e remotas, participar de cursos e oficinas, contribuir financeiramente, entrando com doações, divulgando vaquinhas e financiamento coletivos, distribuindo livros e zines na sua região, etc.
Algumas coletividades ainda não possuem formas de apoio recorrente e talvez esse seja um momento importante para você ajudar contribuindo para mobilizar pessoas e fazer um financiamento recorrente para fortalecer uma causa, um grupo ou uma atividade. Ofereça ajuda! Muitas pessoas têm restrições para falar sobre as dificuldades de recursos para seus coletivos e não se sentem confortáveis em pedir.
As pessoas que compõem a Rede de Apoio do coletivo dão aquela força importante para que a atuação, mobilização e transformação continuem acontecendo. Depois de 8 anos fazendo livros e zines de forma absolutamente artesanal, com o objetivo de fazer com que os livros cheguem na mão de mais e mais pessoas, nós da Editora Monstro do Mares decidimos que nossa jornada requer mais fôlego para sobreviver, seguir existindo e se envolver em novas publicações com mais profundidade. Por isso queremos agradecer as pessoas que nos ajudam todos os meses no Catarse ou no PicPay Assinaturas. Obrigado mesmo!