A Rede de Apoio é uma chance de nos conectarmos com pessoas que compartilham a ideia de que os livros e a palavra impressa têm um significado maior do que apenas um amontoado de um monte de coisa escrita como disse isso daí, taoquei. Compartilhar princípios e práticas é muito mais do que ler e concordar com os postulados de alguns teóricos. A solidariedade acontece quando estendemos os braços para fortalecer as atividades das coletividades e ideias de pessoas que fazem as lutas do nosso tempo. O livro impresso, abundante, acessível e disponível é uma parte dessa ecologia de resistência que enfrenta as opressões que tornam mais difícil a vida de toda a gente que sofre.
A Editora Monstro dos Mares é um coletivo de pessoas em movimento que buscam transformações sociais profundas e urgentes. Somos uma dezena de pessoas que lançam mão do seu pouco tempo livre disponível para ler e discutir os textos que são publicados como livros, zines e artigos no blog. Também contamos com a disposição das mais de três dezenas de pessoas que participam da Rede de Apoio para ajudar nos processos de preparação de textos, revisão, tradução e atividades de publicação. Além disso, monas, minas e manos que compreendem a importância do livro passando de mão em mão em todos os recantos enviam colaborações por e-mail, grupo no telegram e nas chamadas mídias sociais.
Intensificar a conexão entre as aquelas e aqueles que cometem livros e as mais diversas singularidades, coletividades, espaços sociais e de pesquisa acadêmica só é possível porque existem pessoas que confiam em nossas práticas. Em 2020, a Editora Monstro dos Mares, em colaboração da Rede de Apoio, distribuiu gratuitamente 821 livros e 1.211 zines gratuitamente.
Agradecemos imensamente as pessoas que tornam o nosso projeto possível:
Gabriel Jung do Amaral;
Camila;
Mayumi Horibe;
Victor Hugo de Oliveira;
Taipy;
Nicolas H Mosko;
DaVinci;
Viviane Kelly Silva;
Bruna Lima Sanyana;
Andressa França Arellano;
Marcelo Mathias Lima;
Vitor Gomes da Silva;
Zé;
Felipe Brunieri;
Leo Foletto;
Leonardo Goes;
Mauricio Marin;
Fernando Silva e Silva;
Nilo Sergio Campos;
Thiago de Macedo Bartolet;
Alexis Peixoto;
Lupi
Paulo Oliveira;
Anna Karina;
Caio;
Vitória;
Claudia Mayer;
Andrei Cerentini;
Igor;
Pedro Augusto Papini;
Ian;
Fyb C;
Lorenzo;
Karina Goto;
Guapo;
Ste;
Contribuições anônimas.
A Editora Monstro dos Mares precisa da sua ajuda para continuar, contribua com a Rede de Apoio no Catarse ou PicPay e receba materiais impressos em sua casa. 🖨️
Treta do frete: porque o rastreamento demora para atualizar?
Os grandes sites de e-commerce habituaram as pessoas a acreditar que só existem duas modalidades de envios nos Correios: PAC e Sedex. Mas não é bem assim: essa é a treta do frete. Quem recebe e envia livros provavelmente já se deparou com esses códigos de rastreamento que começam com as letras JN ou RE, que demoram para atualizar. Mas é assim mesmo que funciona o IMPRESSO na modalidade de REGISTRO MÓDICO. Esse é um serviço de envio de materiais impressos para editoras, livrarias, sindicatos, cooperativas, associações e pessoas físicas que precisam de uma modalidade econômica de envio pelos Correios.
No vídeo Treta do Frete, disponível abaixo, Baderna James apresenta a modalidade de envios utilizada pela Monstro dos Mares, o IMPRESSO. Como funciona? Quais as diferenças entre o Impresso e outras modalidades de entregas? Quem pode utilizar e porque demora tanto para atualizar no Sistema de Rastreamento de Objetos (SRO)? Como a pandemia de coronavirus está afetando o dia a dia de atendentes, carteiras e carteiros, operadores de triagem e transbordo (OTT’s) e os prazos de entregas? Antes de falar sobre o preço do frete, James aproveita para contar uma história envolvendo a sua avó, um carteiro e um banco de concreto. O editor também dá dicas importantes sobre como cuidar da sua caixa de correspondência e como são entregues os pacotes de impressos na sua casa.
Muito se fala sobre uma improvável privatização dos Correios, mas só quem não conhece o cotidiano do milagre logístico operado pela EBCT em todos os municípios brasileiros para dizer uma coisa dessas. Quem compraria os Correios, se já existem serviços de entrega de encomendas privados de grandes e pequenas transportadoras? Como um pacote de livros pode atravessar o país por apenas 20 reais? É lógico que o serviço prestado pela empresa sempre pode melhorar, e poderia até mesmo ser mais barato. Mas será que as tarefas de trabalhadoras e trabalhadores que estão em afastamento por motivo de saúde estão sendo compensadas ou estão ficando acumuladas? Será que serão realizados novos concursos ou contratações? E a função de pessoas que estão merecidamente buscando aposentadoria, ou que já se aposentaram, recebem reposição ou tem alguém deixando de contratar para ver a empresa quebrar?
Os Correios já foram uma das mais prestigiadas e confiáveis empresas do país e seus serviços costumavam ser reconhecidos por todos. O desmonte dos Correios é fruto de muitas gerações de maus gestores, ladrões que roubaram os fundos de pensões de trabalhadores e pilantras como o ministro da economia, que pensam que podem vender a empresa a preço de banana só para dizer que conseguiu vender alguma coisa. Privatização é coisa de ladrão!
As amizades que fazem parte da Rede de Apoio recebem os vídeos antecipadamente e possibilitam a aquisição e manutenção dos recursos técnicos para que mais conteúdos sejam criados e disponibilizados em vídeo no Youtube e no Podcast da editora. Nosso muito obrigado pelo apoio e um salve especial às monas, minas e manos que trabalham nos Correios.
Escrever agradecimentos às pessoas que fortalecem a correria do nosso bonde é o mínimo que podemos fazer. Neste mês, conseguimos fazer algo mais: fizemos um encontro, uma celebração (assim, do jeito que dá, on-line). Chamamos as amizades do conselho editorial e científico, da Rede de Apoio e Solidariedade, e também algumas pessoas que publicaram conosco em 2020. Essa atividade não teve caráter de reunião, afinal, estamos no final de um ano horroroso e estamos felizes que podemos nos encontrar para conversar e saber como cada singularidade está atravessando esse período. Sim, esse ano foi um triturador. Tudo o que se fez e o que ainda vamos fazer precisa ser entendido e avaliado pelas limitações desse período estranho, não por suas potencialidades. Essa avaliação se estende, inclusive, aos nossos afetos.
Chá da tarde especial da Rede de Apoio e Solidariedade
O final de ano também é aquela época em que muita gente rememora o que fez durante o ano, em busca de aprendizados. Em 2020 nós decidimos não realizar uma retrospectiva, porque nossa maior vitória foi seguir existindo. Ao que tudo indica, em 2021 permaneceremos em casa; com isso, decidimos rever fatores importantes de nossa presença nas redes sociais e de comunicação. Voltamos ao Twitter, com mais pessoas ajudando a responder e deixar o perfil mais humano, uma vez que nos últimos tempo apenas o robô cuidava de tudo. Também voltamos a enviar notícias por e-mail (newsletter), uma prática que havia sido deixada de lado em função da correria do dia a dia.
Estamos felizes em poder contar com uma rede próxima de pessoas que confia no que fazemos e fortalece o envio de materiais para diversos recantos do país. Em 2020, as pessoas que fazem parte da Rede de Apoio da Monstro fortaleceram a distribuição gratuita de 821 livros e 1211 zines para coletivos, movimentos, bibliotecas comunitárias, okupas, sindicatos, federações, pesquisadoras e pesquisadores independentes e acadêmicas. Temos certeza de que parte significativa de nosso esforço diário em produzir cultura e referências de pesquisa é destinada a ser enviada gratuitamente pelos Correios. Nada disso seria possível sem o desprendimento do valor de uma lanche ou uma pizza de algumas pessoas. Com o pouquinho de cada uma, conseguimos fazer muito.
Obrigado por estar conosco em Dezembro de 2020:
Ian Fernandez
Fyb C
Lorenzo
Karina Goto
Camila
Caio
Mayumi Horibe
Gabriel Jung do Amaral
Viviane Kelly Silva
R
Vitor Gomes da Silva
Zé
Leo Foletto
Nicolas H Mosko
Andressa França Arellano
Marcelo Mathias Lima
Fernando Silva e Silva
Thiago de Macedo Bartoleti
Victor Hugo de Oliveira
Mauricio Marin Eidelman
Lupi
Leonardo Goes
Paulo Oliveira
Anna Karina
Andrei Cerentini
Igor
Claudia Mayer
Guapo
Márcio Massula
Angela Natel
Talles Azigon
Contribuições e apoios anônimos
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Agnes Inglis nunca planejou uma carreira como bibliotecária. Aos 52 anos em 1924, e após um período de intenso trabalho em prol dos imigrantes radicais que enfrentavam perseguição e deportação após a Primeira Guerra Mundial, Inglis visitou a biblioteca da Universidade de Michigan para consultar a coleção de livros, periódicos, artigos, recortes e efêmera doada por seu amigo Joseph Labadie em 1911. “Jo” Labadie1 foi um líder sindical, reformador social e anarquista individualista que acumulou um grande número de materiais documentando a multidão de eventos e movimentos dos quais ele participou ao longo de uma carreira de quarenta anos. Inglis encontrou a coleção original de Labadie nas mesmas condições em que fora doada: “em ótimo estado… embora ainda não encadernada”. (Inglis 1924) Ela decidiu passar um curto período de tempo como voluntária na biblioteca desempacotando e separando materiais. Esse curto período se transformou em 28 anos de serviço distinto e principalmente gratuito, durante os quais ela não apenas organizou a grande coleção, mas a aumentou em cerca de vinte vezes seu tamanho original, e a elevou ao status de que goza hoje entre as bibliotecas que documentam a história e filosofia do anarquismo e outros movimentos sociais e políticos radicais. A vida de Inglis como anarquista e bibliotecária nos mostra um excelente caso de intersecção entre ideais políticos e biblioteconomia.
Nascida como a filha mais nova de uma família abastada de Detroit em 1872, Agnes passou a maior parte de suas três primeiras décadas em uma casa de família religiosa, conservadora e isolada. Seu pai, um médico notável, morreu quando ela tinha quatro anos. Além de um ano em uma academia exclusiva para meninas em Massachusetts, Inglis passou a juventude cuidando de uma irmã doente com câncer e, posteriormente, de sua mãe, que morreu antes de Agnes completar trinta anos. Sem mais obrigações familiares e uma renda substancial, Agnes saiu de casa para viajar e frequentar a Universidade de Michigan, onde estudou história e literatura.
Inglis deixou a escola antes de se formar e passou vários anos como assistente social na Hull House, em Chicago, na Franklin Street Settlement House em Detroit e na Ann Arbor YWCA. Enquanto trabalhava nesses ambientes, ela adquiriu conhecimento íntimo das condições injustas de trabalho e vida sofridas por mulheres e homens imigrantes da classe trabalhadora. Ela também se tornou cética quanto à eficácia das políticas e programas liberais destinados a transformar a vida dos trabalhadores e, subsequentemente, começou a questionar as condições sociais, econômicas e políticas nos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, Inglis continuou sua educação abreviada informalmente. Ela lia muito e era especialmente atraída e persuadida por escritores revolucionários. Ela assistiu a muitas palestras em Ann Arbor e Detroit dadas por uma variedade de críticos sociais, muitos deles anarquistas. Ela conheceu Emma Goldman em 1915 e tornou-se amiga da famosa anarquista, por meio da qual também conheceu Alexander Berkman, companheiro e amante de longa data de Goldman. Inglis organizou palestras anarquistas no sudeste de Michigan, começou associações e amizades com muitos radicais locais e juntou-se à divisão de Detroit dos Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW). Além de seu ativismo, Inglis usou seus recursos financeiros para apoiar generosamente os esforços radicais, de fundos de greve a dinheiro de fiança para aqueles presos por expressar pontos de vista políticos impopulares.
Com o início do envolvimento dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, Inglis intensificou suas atividades radicais, participando frequentemente de manifestações de protesto contra o recrutamento militar obrigatório e a guerra. Quando o governo reprimiu os radicais que se manifestavam contra a guerra no que ficou conhecido como o primeiro Red Scare (pânico vermelho), Inglis descobriu que seus recursos eram ainda mais necessários. Junto com os esforços incansáveis em apoio àqueles que enfrentavam a deportação, ela também pagou fiança para vários indivíduos e contribuiu pesadamente para seus fundos de defesa. Seu apoio de longa data a causas radicais acabou levando sua família a cortar seu acesso ilimitado a fundos e deu-lhe apenas uma renda modesta para viver.
Quando a turbulência após o Red Scare diminuiu, Inglis começou sua carreira na Coleção Labadie. Como curadora, Agnes desenvolveu técnicas organizacionais idiossincráticas que, no entanto, forneceram uma estrutura útil para a coleção. Ela começou dividindo materiais diversos em amplas categorias de assuntos que resultaram em um sistema de arquivos vertical ainda em uso atualmente. Ela tinha muitos jornais encadernados, incluindo Mother Earth, Regeneration e Appeal to Reason, e compilou recortes e outras coisas efêmeras em álbuns de recortes, lidando com assuntos sobre os quais existia documentação abundante, como Emma Goldman, Haymarket, o IWW, o caso Tom Mooney, e Sacco e Vanzetti. Além disso, ela construiu um catálogo de fichas detalhado (também ainda em uso) que continha a catalogação em nível de item da maioria dos materiais da coleção, bem como listas de informações de indivíduos e grupos que funcionavam como um arquivo de autoridade de nome de baixo nível.
Embora sua morte tenha deixado alguns mistérios sobre a disposição dos materiais na coleção, seus esforços organizacionais restauraram informações contextuais aos materiais e os tornaram muito mais utilizáveis por pesquisadores. Não há evidências de que ela teve ou procurou a ajuda de bibliotecários treinados dentro do sistema de biblioteca; consequentemente, todo esse trabalho foi feito por conta própria.
A Inglis teve sucesso em aumentar e ampliar muito o acervo da Coleção Labadie. Depois de alguns anos organizando-a, Agnes e Jo enviaram uma carta a 400 radicais pedindo-lhes que contribuíssem com seus materiais documentando eventos e pessoas que conheciam. Embora a carta tenha recebido apenas uma resposta limitada, Inglis a usou como ponto de partida para buscar agressivamente pessoas para doar materiais. Entre as coleções mais importantes que ela adicionou estavam documentos relacionados a Voltairine de Cleyre, uma anarquista nascida em Michigan e amiga de Emma Goldman, e o escritor socialista John Francis Bray. Ela usou suas extensas conexões e correspondência com radicais do período, como Goldman, Roger Baldwin, Elizabeth Gurley Flynn e Ralph Chaplin, entre muitos outros, para persuadi-los a contribuir com materiais relevantes. Agnes também ajudou muitos indivíduos em suas pesquisas e publicações, incluindo ajudar Goldman e Chaplin com suas autobiografias, Henry David com o seminal The Haymarket Tragedy e James J. Martin com Men Against the State.
A carreira de Inglis tem significado histórico para bibliotecários preocupados com questões de justiça social por uma série de razões. Sua história é inspiradora do ponto de vista político porque, uma vez que seus ideais políticos foram formados, ela nunca os traiu e os viu como centrais para seu trabalho como bibliotecária. Suas motivações vieram explicitamente de sua devoção aos ideais da filosofia e da história dos anarquistas e outros radicais de esquerda com os quais ela trabalhou por um mundo melhor e mais justo. Seus compromissos políticos muitas vezes trabalharam em benefício da coleção, visto mais explicitamente no uso de suas conexões para adquirir registros de seus camaradas. Mesmo recentemente, a Coleção Labadie recebeu um valioso conjunto de papéis de uma mulher que ainda era grata a Agnes por ter libertado seu pai da prisão em 1917.
Ela também priorizou o uso da coleção, chegando ao extremo de emprestar materiais. Quando um de seus tomadores de empréstimo danificava ou não devolvia um item, sua natureza gentil e generosa nunca permitiu que ela os acusasse. Ela ficou satisfeita o suficiente com o interesse das pessoas pelos materiais. Uma nota que ela escreveu descrevendo seu empréstimo de um livro para um anarquista italiano que vivia na Vigésima Aliança em Detroit em 1934 diz que “a Vigésima Aliança é dura para um livro raro!”
Finalmente, seu conhecimento dos indivíduos e eventos daquela história permitiu-lhe coletar, organizar, descrever e fornecer acesso aos materiais da coleção com eficácia. Certa vez, Inglis escreveu para Emma Goldman: “Não é brincadeira pegar todo esse material e consertá-lo para que os alunos possam realmente usá-lo. Não é um trabalho que todos possam fazer. É preciso conhecer o material. As pessoas não gostam disso.” (Inglis 1925) Agnes devotou o terço final de sua vida à Coleção Labadie, até sua morte em 1952. Gerações de acadêmicos que usaram a coleção apreciaram o conhecimento, habilidade e dedicação que Agnes Inglis trouxe à causa de documentar a história dos movimentos políticos radicais nos Estados Unidos e sua contribuição para essa história é incomensurável.
Trabalhos citados
Inglis, Agnes (1924) Carta para Joseph Labadie, 11 de fevereiro, Joseph Labadie Papers, Labadie Collection, University of Michigan, Ann Arbor.
Inglis, Agnes (1925) Carta para Emma Goldman, 19 de março, Emma Goldman Papers, Labadie Collection, University of Michigan, Ann Arbor.
Para obter mais informações sobre a vida de Labadie, consulte a excelente nova biografia de Carlotta Anderson, All American Anarchist: Joseph A. Labadie e o Movimento Trabalhista (Detroit: Wayne State University Press) 1998. [↩]
A segunda edição de Abaixo ao Trabalho é uma homenagem, uma saudação e lembrança muito querida de um título que circulou durante muitos anos em vários meios graças a atuação da editora Deriva, um coletivo editorial que apresentou a toda uma geração, a possibilidade de realizar livros artesanais de baixo custo sem depender da indústria gráfica e sem amargar com tiragens gigantes.
A experiência de escolher os textos, formatá-los e colocar “pra rodar” é o que forma uma editora. Essa tarefa vem acompanhando coletivos de inspiração anárquica ao curso da história. É possível citar um sem-número de iniciativas genuinamente artesanais que estiveram presentes na formação de leitores dissidentes e libertários. Coletivo Sabotagem, Barba Ruiva, Deriva, Nenhures, Index Librorum Prohibitorum, Erva Daninha, são algumas dessas editoras que colocaram na pista livros feitos um a um, manualmente, nos mais diversos formatos e materiais.
Atualmente, algumas editoras como Imprensa Marginal, Contraciv, Facção Fictícia, Subta e Monstro dos Mares estão em movimento a mais tempo, saudando e inspirando o surgimento de diversas editoras artesanais que se chegam como a Terra Sem Amos (TSA), Adandé, Amanajé, Edições Kisimbi, Lampião, Insurgência, Correria e outros tantos projetos que florescem nos diversos recantos do país.
Relembrar e homenagear a movimentação de compas que fizeram livros com as próprias mãos e celebrar a chegada de tantos outros coletivos nos dá a certeza de que é possível apropriar-se das técnicas e das tecnologias que compõem a produção de livros e zines. Publicar os textos que percorrem o nosso tempo com observações e análises, pesquisas e investigações, relatos e estudos, compõem um conjunto de práticas significativas para formar um retrato da permanência das ideias de autonomia, liberdade, auto-organização e colaboração na luta contra todas as formas de opressão.
Anarquistas, libertárias, autônomas, anárquicas, críticas, dissidentes ou insurgentes, independente das cores e das tintas de cada coletivo editorial artesanal de ontem e de hoje, Abaixo ao Trabalho retorna às ruas, para circular de mão em mão, aproximando pessoas, movimentos, coletivos, grupos e bandos em torno de suas ideias: uma crítica genuína à ideia de trabalho.
Muitas das pessoas que tocam projetos editoriais artesanais já desistiram da possibilidade de se manterem em empregos horríveis, trocando suas liberdades por um salário no final do mês. O livro que você tem em mãos, reúne não apenas um conjunto de ideias, mas espectro de experiências que (re)afirmam a possibilidade de que há diversos modos de multiplicar e se somar as lutas do nosso tempo.
No mês de Outubro de 2020 a Editora Monstro dos Mares, um pequeno coletivo editorial de inspiração anárquica localizado no interior do estado do Paraná, atingiu a marca de meio milhão de impressões. Esse número não representa absolutamente nada para a indústria gráfica nacional, mas é muito significativo para as pessoas, coletivos, movimentos sociais, bibliotecas comunitárias e iniciativas editoriais de livros e zines artesanais no Brasil.
Fazer impressões em casa para distribuir e fortalecer a disseminação de ideias radicais reúne um espectro de experiências que evidenciam a importância da autonomia e da livre cooperação entre pessoas e coletivos que compartilham dos mesmos princípios e éticas. Ao produzir um novo título, ou recuperar e colocar para circular uma publicação de outros tempos, aprendemos muito sobre apropriação tecnológica, sobre a necessidade de tinta no papel. Também percebemos a urgência do desenvolvimento de estratégias de sobrevivência e manutenção de nossos espaços coletivos, que muitas vezes se beneficiam diretamente da distribuição, venda e circulação de impressos. Além disso, obviamente, aprendemos sobre a contribuição para o aprendizado e mobilização das pessoas que estão unidas conosco nas lutas sociais ao lado de quem vem de baixo.
Nesse momento marcante da editora, queremos agradecer às monas, minas e manos que em algum momento de suas vidas e militâncias decidiram dedicar algum tempo para produzir materiais que questionam o Estado e o estado de coisas. São livros e zines que subvertem lógicas estabelecidas, pesquisas acadêmicas que expõem as linhas de fratura da normalidade e relatos de grupos e individualidades que, do lado de fora dos muros das universidades, criaram materiais para circular de mão em mão, feitos em casa, de baixo custo e que vão circular entre pessoas (tal como você e eu) que lutam para que o mundo, da forma que está, não mereça existir por nem mais um segundo.
Em 2020, desde o primeiro dia do ano, a Monstro dos Mares chamou para que as águas fizessem emergir novas editoras, coletivos publicadores, distros e banquinhas. Quando essas iniciativas despontam no horizonte, nossa sensação de criar, resgatar, mobilizar e difundir ideias radicais e dissidentes no formato impresso é uma ação direta no enfrentamento do grande capital, das constantes guinadas autoritárias, da precarização do trabalho e da destruição do meio ambiente. Essa não é uma tarefa fechada em si mesma, mas que está unida, de braços esticados e na luta. Tudo isso buscando não ignorar as subjetividades que nos constituem como pessoas e que nos unem como coletividades. Quando surge uma nova editora anarquista, aspiramos novos ares e vento nas velas.
As 500.000 impressões que alcançamos desde Agosto de 2017 representam mais do que 50 caixas de papel, 500 pacotes de A4, 15 litros de tinta pigmentada, mais de 5.000 livros e 9.000 zines. Esse meio milhão de impressões significa que há um espaço, mares navegáveis e um oceano de limonada para as ideias radicais. Além de comemorar esses números, queremos agradecer cada pessoa que carinhosamente nos incentiva a continuar fazendo o que acreditamos. Livros e Anarquia!
A cada dia, uma nova mudança. Mudar, é isso que fazemos ao curso do tempo. Mudamos de estilo, atitude, ideia, éticas e práticas. Mudamos o tempo todo o modo de movimentar o mundo — mundos em justa consonância com as lutas contra o capitalismo, a colonialidade e o patriarcado em todas as suas expressões. Mundos possíveis, participativos, sociais, inclusivos, diversos. Novos mundos!
As pessoas que compõem a Monstro dos Mares decidiram que para continuar fazendo livros e zines era necessário mudar, muito mais do que levantar velas, mas jogar um pouco mais de pressão no vapor. Com isso, durante algumas semanas estivemos em processo de mudança para um espaço onde cabem mais ideias, mais livros e mais participação.
♪ O Vapor de Cachoeira não navega mais no mar, Barco véio tá cansado, sobe o rio devagar. Ai, ai, ai, sobe o rio devagar.
Chegamos nos Campos Gerais em Janeiro de 2019 e seguimos na cidade de Ponta Grossa por mais algum tempo. Aos poucos, vamos estabelecemos relações com o lugar, com as pessoas e vales que recortam o horizonte paranaense. Nosso endereço de correspondência continua exatamente o mesmo (Caixa Postal 1560, CEP 84071-981).
Na Sexta-feira, 16 de Outubro, o caminhão levou impressoras, mesas, caixas e caixas de material impresso, muita tralha para outro destino. Novos ares! Mais do que coisas, carregamos nossa vontade de continuar fazendo livros e zines de ideias anárquicas e anarquistas, epistemologias dissidentes e pensamento radical sobre nosso tempo e queremos agradecer todas as pessoas que apoiam a existência desse projeto editorial.
Às vezes, ir para outro lugar é puxado. Mas, e se fizermos uma coisa de cada vez? O barco véio tá cansado, sobe o rio devagar. Você tem feito mudanças lentas, graduais e permanentes? Escreva nos comentários =]
Já faz seis meses que a Pandemia do Novo Coronavirus chegou ao Brasil e América Latina. É possível que cada uma de nós já tenha desenvolvido estratégias para lidar com o vírus, adotando um protocolo de segurança que atenda minimamente as necessidades mais básicas. Sabemos que, infelizmente, um dos principais sintomas dessa doença é escancarar as diferenças. Por isso, é importante reconhecer que algumas pessoas não conseguem manter os mesmos cuidados por diversos fatores, que são essencialmente sociais. Sabemos que os impactos sanitários, ambientais e sociais desse período modificarão profundamente os modos de viver e existir das próximas gerações.
É importante que cada pessoa apoie, dentro de suas possibilidades, as campanhas de apoio mútuo mobilizadas por diversas iniciativas, que seguem surgindo nesse tempo infeliz de descaso governamental.
Algumas pessoas, ainda que com dificuldades, optaram pelo auto-isolamento. Essa é uma forma de “distanciamento social” que busca evitar a circulação de pessoas e, com isso, reduzir ao máximo as chances de contágio e transmissão do vírus. Sabemos que esse método de prevenção envolve uma série de questões que precisam ser problematizadas AGORA. De que forma e em que condições é possível manter esse isolamento sem ignorar a realidade brasileira?
O objetivo deste texto não é expor as contradições envolvidas nessa escolha, mas reconhecer que, em diferentes modelos, um auto-isolamento é possível, seguro e pode ser solidário. Além disso, de alguma maneira pode ser útil para a auto-instrução e para a promoção de novos conhecimentos.
Você deve ter notado uma oferta imensa de cursos e lives com debates interessantíssimos, grupos de estudos on-line e projetos que recebem a adesão de variados perfis. Nossas amizades também estão promovendo momentos de encontro com artistas, músicos, performances e outras atividades artísticas e de compartilhamento de conhecimentos como nunca havia sido visto.
É bem possível que, se você leu até aqui, muito provavelmente já assistiu algum desses eventos, já recebeu o convite para participar de alguma live, um podcast ou, até mesmo, em algum momento já promoveu seu próprio evento. Por isso podemos ter essa conversa, pois já entendemos que alguma coisa temos em comum.
Auto-isolamento / auto-instrução
Para ampliar nossos conhecimentos e contribuir no desenvolvimento de uma autodefesa legítima contra a ideologia hegemônica do estado, do grande capital e do patriarcado, precisamos de uma programa de educação política capaz de romper com as lógicas de dominação e fazer com que nossas visões de mundo abram um espaço de possibilidade em nossos enfrentamentos cotidianos.
Nós, que nos reconhecemos como pessoas identificadas com políticas radicais e revolucionárias, precisamos construir ferramentas práticas para que nossas ideias e críticas possam emergir das realidades às quaisque estamos condicionadas, especialmente durante a pandemia. É preciso estilhaçar as ideias do senso comum e desenvolver dentro de nós a coragem necessária para que nossas convicções e capacidades de ação possam fortalecer uma resposta autônoma e autogestionária, compartilhando dos princípios e éticas libertários aos problemas impostos pelo Covid-19 ou agravados por ele.
Pensando em tudo isso, seguem abaixo algumas dicas para realizar momentos de leitura no seu dia a dia, só ou com seu bando.
Ideias e sugestões para seu programa de auto-instrução
Ler (ou reler) obras de uma autora ou ator do seu interesse, em ordem cronológica;
Ler um livro junto com uma amizade e promover encontros on-line para trocar ideias a cada capítulo;
Combinar a leitura de um texto literário com textos e teóricos que dialogam com a obra;
Fazer uma ampla seleção de documentários e filmes de ficção sobre um tema;
Pesquisar artigos acadêmicos, livros, zines e panfletos sobre um tema de seu interesse ou de algo absolutamente novo para você e seu bando. Anticolonialismo, agroecologia libertária, solarpunk, teoria queer, feminismo negro, epicurismo, arrombamento de fechaduras e segurança digital são ótimos exemplos de temas;
Transitar entre diferentes escolas e movimentos literários e sociais;
Criar uma playlist de músicas que tratam sobre o tema de sua pesquisa e, na sequência, pensar sobre as letras e o contexto social da época de lançamento;
Reservar um horário para leitura sem muitas interrupções;
Navegar por sites estrangeiros de editoras e livrarias;
Acessar a Biblioteca Anarquista Lusófona e conhecer os diversos textos disponíveis;
Explorar formatos e gêneros, alternando histórias em quadrinhos, contos, romances, etc;
Ler obras de autoras e autores que você sempre considerou impossíveis ou inacessíveis;
Fazer um cineclube virtual para assistir filmes e debater com co-residentes e familiares, utilizando recursos de videochamada ou mensagens de texto/áudio;
Ler o livro, assistir ao filme e discutir a adaptação;
Criar um zine;
Organizar sua biblioteca/coleção (vale a pasta de PDF);
Compartilhar seus títulos preferidos com suas amizades, para depois organizar leituras em grupo;
Crar sua própria estratégia de leitura.
Utilizar o tempo de auto-isolamento como um tempo útil e necessário para que seja possível fortalecer nossas visões de mundo e apontar direções para além do atual estado de coisas. Se manter o isolamento é viável para você, considere fazer um programa de estudos, um plano de zines, livros e capítulos que podem articular respostas para as dúvidas que movimentam suas inquietação e que te fazem perguntar como será possível fazermos, com nossas mãos, um século 21 absolutamente diferente.
Tem dias mais difíceis, nos quais as preocupações estão além das necessidades de tinta, papel e textos. Ao pensar em questões como justiça social e segurança sanitária dos centros urbanos, das periferias e da vida no campo, refletimos sobre o que está acontecendo. Quem dirá sobre o que virá?
A pandemia está ensinando muitas lições sobre como encaramos a vida, as atividades diárias, nossa convivência com as pessoas próximas e a importância de saber “habitar nossas casas”. Uma questão que bateu forte aqui é a dúvida em torno da necessidade de sermos pessoas produtivas diante de um cenário tão adverso como o da doença que dominou o mundo. Por isso estamos fazendo como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar.
Podcast bônus
No dia 17 de Julho de 2020, Baderna James e abobrinha gravaram sobre suas atividades na editora, diagramação de livros e zines utilizando software livre (LibreOffice e GIMP) e sobre a obrigatoriedade de sermos pessoas produtivas.
Queremos agradecer as pessoas que estão conosco diariamente e que confiam em nosso projeto editorial. Algumas delas fortalecem com os recursos para manter a editora em funcionamento. Com muito carinho agradecemos as amizades da Rede de Apoio:
Contribuições anônimas;
Gabriel Jung do Amaral;
Mayumi Horibe;
Phanta;
Lua Clara Jacira;
Leo Foletto;
Viviane Kelly Silva;
Ricardo Mayer;
Willian Aust;
Enguia;
Fernando Silva e Silva;
Mauricio Marin;
Adriano Gatti Mesquita Cavalcanti;
Andressa França Arellano;
Eduardo Salazar Miranda da Conceição Mattos;
Anna Karina;
Victor Hugo de Oliveira;
Zé;
Karine Tressler;
Andrei Cerentini;
Lupi;
Caio;
Fyb C;
José Antônio de Castro Cavalcanti;
Guapo.
A Editora Monstro dos Mares precisa da sua ajuda para continuar, contribua com a Rede de Apoio no Catarse ou PicPay e receba materiais impressos em sua casa. 🖨️
Forma parte da tradição libertária, talvez de uma maneira central, o interesse pela difusão de suas ideias. Ao largo da existência do que poderia se chamar de movimento anarquista (com todas as aspas que queiram), existiram certos grupos dedicados a impressão de textos próprios ou traduzidos, assim como uma infinidade de revistas e publicações mais ou menos periódicas.
Distantes estão os tempos em que o número de exemplares se contava aos milhares (vale como exemplo o livreto Doze provas da inexistência de Deus, de Sebastian Faure, que teve uma edição de 620.000 exemplares em 1917 ou os 560.000 de Entre Campesinos, de Errico Malatesta, segundo cifras de J. Álvarez Junco), mas é um fato a vinculação do mundo editorial e o anarquismo. Figuras como Anselmo Lorenzo, Fermím Salvochea, Ricardo Mella ou Diego Abad de Santillán dedicaram esforços à edição e tradução de obras. Essa tradição editorial teve nos anos 70 e 80 uma continuidade, incluso por editoras estritamente libertárias, que aproveitaram o nicho de ideias para editar textos, como foi o caso da série Acracia, de Tusquets.
Nos últimos anos, entre outros motivos, por certo despertar de interesse acerca de temas sociais, estendeu-se por toda a Península uma interessante forma de se aproximar da cultura libertária: os encontros do livro anarquista. Salamanca, Barcelona, Madrid, Sevilla, Valência, Bilbao, Cartagena, Zaragoza, Gijón, Logroño, entre outras, são cidades em que esse tipo de evento já se celebra. Esses encontros servem para difundir o ideal anarquista tanto no âmbito oral, com conversas e colóquios, como por escrito, reunindo diferentes projetos dedicados ao mundo do livro e do fanzine.
Em paralelo ao crescimento e consolidação de muitos encontros ou feiras do livro anarquista, como evidente contraponto as feiras comerciais, parece também que se expandem e se consolidam diversos projetos editoriais ligados ao mundo libertário.
A cultura anarquista ocupa um lugar de permanente confrontação com a cultura hegemônica atual, porque frequentemente vive nas margens do sistema. Quando falamos das margens do sistema, queremos falar de como existem formas culturais que transitam com tensão ou que fogem com maior ou menor êxito da voracidade cultural da mercadoria. Dentro deste panorama, como não poderia ser diferente no mundo anarquista, a variedade se amplia.
Para algumas pessoas, a cultura anarquista é aquele que reflete as lutas, os personagens, as ideias, etc, associadas ao anarquismo no passado, presente e futuro. Isso pode se fazer desde diferentes modelos organizativos, entre os quais existam aqueles que defendam que o livro não é, única e exclusivamente, seu conteúdo. Para esta posição, o livro também é o seu modo de circulação. Assim, um livro seria como uma pessoa, que é seu conteúdo, suas palavras e seus atos, sendo esse modo de circulação do qual falamos. As palavras tem um conteúdo informativo, ou seja, as palavras fazem a realidade, ou se preferirmos, influencia nela. Seguindo esse raciocínio, se um livro diz coisas racistas, estaria se convertendo em parte do sistema de dominação (racial) e, por exemplo, se um livro é vendido em uma livraria onde seus trabalhadores/as têm condições laborais miseráveis, esse livro se impregnaria dessas circunstâncias, pois parte de seu preço se converteria em mais-valia (em síntese: em benefício para o explorador).
Essa postura convive com outras, seguindo múltiplos debates no cotidiano a partir de possíveis matizes que surgem no desenvolvimento da atividade cultural, nesse caso, editorial. Esses debates se movem entra a atividade editorial militante (que representariam as ideias explicadas) e as editoriais como cooperativas autogestionárias ou projetos de auto-emprego, entre uma atividade ao mais puro estilo Do It Yourself, ou mais ou menos profissionalizada. Em uma ou outra posição, sempre com firme caráter assembleário e autogestionário, se constituem vários projetos editoriais cujas diferenças também se relacionam com a preferência por tratar de temas variados ou girar ao redor de determinados temas específicos. Exemplo claro disso são os editoriais como o Ochodosquatro, que se dedica a divulgação de textos relacionados aos direitos dos animais, ou o El Salmón, que edita trabalhos que analisam como a tecnologia se insere no sistema de dominação. Não é raro que existam editoriais que sejam ao mesmo tempo livrarias ou livrarias que tenham seu próprio projeto editorial. Em Madrid já é veterana a livraria e editorial La Malatesta (e recém-nascida como La Rosa Negra) e em Barcelona se pode encontrar, nesse sentido, a Aldarull (e com parecido espírito temos também a El Lokal). Em Granada, a livraria Bakakai edita sob nomes diferentes, enquanto que nessa mesma cidade a Biblioteca Social Hermanos Quero, com o seu próprio nome, colabora com frequência com outros projetos para publica r livros sobre antipsiquiatria ou contrapsicologia, urbanismo, etc.
Já que nos metemos na infame tarefa de etiquetar editoras, há de se destacar que algumas tem especial interesse por textos mais clássicos, como a já mencionada La Malatesta, enquanto que outras se concentram principalmente na edição de ensaios mais contemporâneos, como a editora Vírus, ou a Muturreko Burutazioak, ou também, de forma exclusiva em textos atuais que analisam as últimas décadas do século XX até os dias de hoje, como a editora Klinamen. Não obstante, provavelmente sejam mais frequentes as editoras que utilizam em suas edições critérios não cronológicos, visto que se pode encontrar em seus catálogos textos de qualquer época, como os das editoras Deskontrol, Diaclasa, Calumnia, El Grillo Libertario, El Imperdible ou Piedra Papel Libros, entre muitos outros exemplos possíveis. A maioria das mencionadas (Diaclasa, El Imperdible e também Madre Tierra ou Ediciones Marginales) dedicam-se exclusivamente (ou quase) ao gênero literário ensaístico, se bem que existam outras que possuam em seus catálogos obras de outros gêneros literários (como Piedra Papel Libros em poesia e a Volapük em narrativa).
Simplificando de maneira um pouco insultante, podemos dizer que é possível a divisão do mundo editorial convencional entre as grandes empresas editoriais que funcionam como qualquer outra multinacional: é a grande indústria cultural como o Grupo Penguin Random House (Plaza y Janés, Debolsillo, Taurus, etc.) ou o Grupo Planeta (Espasa, Paidós, Ariel, etc.), e aquelas outras, poucas e pequenas quando comparadas com as outras, que se aferram à Cultura, com catálogos muito caprichados como Akal. Também podemos falar de um terceiro grupo de editoras alternativas por seu tamanho, como a Nórdica Libros, Errata Naturae ou a Impedimenta.
As primeiras buscam essencialmente dinheiro, em que pese o que poderia aparentar a complexa política de diversificação entre coleções de consumo massivo e outras de caráter acadêmico ou de altos voos culturais; as outras amam, apreciam a alta cultura porque acreditam, de forma implícita, que um “mundo mais culto” é um mundo melhor.
O mundo anarquista coincide com a desprezível grande indústria editorial em um aspecto. Frente as editoras que mimam seus catálogos com grandes pensadores ou pensadoras, e não sentem a cultura, como frequentemente fazem os artistas, como um fim em si mesmo, os livros anarquistas, de outro lado, são ferramentas para conscientizar, agitar e isso supõe que muitos livros anarquistas não saem de um grupo de pessoas que se dedica com exclusividade às atividades editorais, mas que os fazem como atividade cultural secundária ou pontual. Assim encontramos que a CNT tem uma fundação (Fundação Anselmo Lorenzo), dedicada a publicar livros sobre seus militantes e sua história, marginalizados pelos cronistas acadêmicos, ou que o já veterano Espaço Anarquista Magdalena no madrilenho bairro de Lavapiés publicou pontualmente ou colaborou com a edição de diversos textos.
Por outra parte, o mundo editorial anarquista, ao entender o livro como uma ferramenta a serviço da transformação social libertária, aposta tradicionalmente por valorizar a mensagem por cima da forma. Por isso, não é raro que o formato seja extremamente simples, inclusive, às vezes, muito mais simplório ante os estandartes comerciais. Para quem está acostumado ao mundo editorial convencional, pode ter uma impressão negativa, mas a realidade é que o processo, que nesses tempos relacionamos com o DIY, significa uma desconstrução da hierarquia do processo cultural editorial, ao abrir esse mundo para quase qualquer pessoa, ou grupo de pessoas que pretendam colocar no papel o que seja. Dessa maneira, existe uma débil barreira entre aqueles que difundem e editam textos anarquistas e seus leitores/as, de forma que passar de um lado para outro é tremendamente habitual, o que confere um caráter popular e horizontal ao mundo cultural libertário como é impossível de se imaginar na indústria cultural capitalista.
Isso se observa principalmente no mundo do fanzine, que usualmente aparece nas ruas ou em espaços diversos através de distribuidoras (que é o nome que lhe dá o movimento anarquista ao projeto de uma ou várias pessoas que publicam e vendem, ou só vendem, ou trocam, textos libertários por sua conta e risco, ou como parte de um projeto mais amplo como pode ser, por exemplo, um centro social), que se contam em dezenas, quiçá centenas, construindo provavelmente a parte quantitativa mais importante do mundo editorial anarquista.
É evidente que o campo editorial libertário serviu de inspiração para pessoas que não se identificam com o corpus geral de suas ideias ou práticas, mas que valorizam e integram muitos outros aspectos do mundo libertário: sua vocação anticapitalista, sua mensagem de ruptura, sua organização autogestionária, a pretensão de fazer coerentes os meios para alcançar um objetivo como próprio objetivo, etc. isso faz com que existam editoriais cujos vínculos com o movimento anarquista sejam difíceis de elucidar. Para além disso, um mundo descentralizado e focado em um aqui e agora de projetos que vem e vão em sua pretensão de mudar o mundo, resulta inalcançável para nossas possibilidades, razão pela qual muitos nomes, seguramente muito interessantes, meritórios e comprometidos caíram no caminho.
Por outro lado, valha este escrito para uma aproximação com o intenso trabalho de difusão cultural como forma de crítica social que mantém os anarquistas, frequentemente contra o vento e as mares.
Por outra parte, os esquecimentos tem fácil solução: esta página* tem a opção de acrescentar comentários para que recordemos esses projetos. Uma maneira de dar a conhecer aquelas editoras que acabamos por esquecer ou que não podemos incluir por limitação de espaço.
La Neurosis o Las Barricadas Ed.
* Se refere a página do ‘Solidaridad Obrera’, publicação que dá foz a CNT-AIT Catalunya-Balears, onde este texto foi publicado originalmente em 22 de março de 2017.