Apresentação de “Abaixo ao trabalho 2ª edição” por Baderna James

Abaixo ao trabalho
Imagens da primeira e segunda edição

A segunda edição de Abaixo ao Trabalho é uma homenagem, uma saudação e lembrança muito querida de um título que circulou durante muitos anos em vários meios graças a atuação da editora Deriva, um coletivo editorial que apresentou a toda uma geração, a possibilidade de realizar livros artesanais de baixo custo sem depender da indústria gráfica e sem amargar com tiragens gigantes.

A experiência de escolher os textos, formatá-los e colocar “pra rodar” é o que forma uma editora. Essa tarefa vem acompanhando coletivos de inspiração anárquica ao curso da história. É possível citar um sem-número de iniciativas genuinamente artesanais que estiveram presentes na formação de leitores dissidentes e libertários. Coletivo Sabotagem, Barba Ruiva, Deriva, Nenhures, Index Librorum Prohibitorum, Erva Daninha, são algumas dessas editoras que colocaram na pista livros feitos um a um, manualmente, nos mais diversos formatos e materiais.

Atualmente, algumas editoras como Imprensa Marginal, Contraciv, Facção Fictícia, Subta e Monstro dos Mares estão em movimento a mais tempo, saudando e inspirando o surgimento de diversas editoras artesanais que se chegam como a Terra Sem Amos (TSA), Adandé, Amanajé, Edições Kisimbi, Lampião, Insurgência, Correria e outros tantos projetos que florescem nos diversos recantos do país.

Relembrar e homenagear a movimentação de compas que fizeram livros com as próprias mãos e celebrar a chegada de tantos outros coletivos nos dá a certeza de que é possível apropriar-se das técnicas e das tecnologias que compõem a produção de livros e zines. Publicar os textos que percorrem o nosso tempo com observações e análises, pesquisas e investigações, relatos e estudos, compõem um conjunto de práticas significativas para formar um retrato da permanência das ideias de autonomia, liberdade, auto-organização e colaboração na luta contra todas as formas de opressão.

Anarquistas, libertárias, autônomas, anárquicas, críticas, dissidentes ou insurgentes, independente das cores e das tintas de cada coletivo editorial artesanal de ontem e de hoje, Abaixo ao Trabalho retorna às ruas, para circular de mão em mão, aproximando pessoas, movimentos, coletivos, grupos e bandos em torno de suas ideias: uma crítica genuína à ideia de trabalho.

Muitas das pessoas que tocam projetos editoriais artesanais já desistiram da possibilidade de se manterem em empregos horríveis, trocando suas liberdades por um salário no final do mês. O livro que você tem em mãos, reúne não apenas um conjunto de ideias, mas espectro de experiências que (re)afirmam a possibilidade de que há diversos modos de multiplicar e se somar as lutas do nosso tempo.

Faça livros, multiplique!

Baderna James, Outubro de 2020.


Onde encontrar: Sebo da Galeria (Belém, PA)

O Sebo da Galeria é um espaço de difusão da leitura e da literatura radical em Belém, um lugar onde você encontra títulos clássicos novos ou usados e também as novidades editoriais do meio anarquista. Na galeria acontecem alguns eventos, lançamentos de livros, debates, saraus, feiras e charlas. Em função da pandemia, entretanto, os eventos públicos estão suspensos. Todo Domingo na Praça da República o pessoal do sebo leva o material para o contato direto com o público.

O livreiro tem mais de dez anos de experiência na arte de comprar, vender e trocar livros novos e usados. Tudo começou com a exposição e distribuição de livros utilizando o pano no chão, material anarcopunk, participação em eventos acadêmicos, até conquistar o espaço na Galeria Alberto Lopes, a cerca de três anos, onde existem outros dois sebos e uma loja de quadrinhos.

Quando você estiver por perto, dê uma passada lá. O Sebo não tem horário fixo de atendimento, mas o livreiro resolve quase tudo pelo zap rapidão. =]

Sebo da Galeria
Av. Presidente Vargas, 560.
Galeria Alberto Lopes, entre Riachuelo e Aristides Lobo.
Pedidos e encomendas por Whatsapp (91) 8403-1182

Monstro dos Mares: 500.000 impressões de livros e zines de inspiração anárquica

No mês de Outubro de 2020 a Editora Monstro dos Mares, um pequeno coletivo editorial de inspiração anárquica localizado no interior do estado do Paraná, atingiu a marca de meio milhão de impressões. Esse número não representa absolutamente nada para a indústria gráfica nacional, mas é muito significativo para as pessoas, coletivos, movimentos sociais, bibliotecas comunitárias e iniciativas editoriais de livros e zines artesanais no Brasil.

Fazer impressões em casa para distribuir e fortalecer a disseminação de ideias radicais reúne um espectro de experiências que evidenciam a importância da autonomia e da livre cooperação entre pessoas e coletivos que compartilham dos mesmos princípios e éticas. Ao produzir um novo título, ou recuperar e colocar para circular uma publicação de outros tempos, aprendemos muito sobre apropriação tecnológica, sobre a necessidade de tinta no papel. Também percebemos a urgência do desenvolvimento de estratégias de sobrevivência e manutenção de nossos espaços coletivos, que muitas vezes se beneficiam diretamente da distribuição, venda e circulação de impressos. Além disso, obviamente, aprendemos sobre a contribuição para o aprendizado e mobilização das pessoas que estão unidas conosco nas lutas sociais ao lado de quem vem de baixo.

Nesse momento marcante da editora, queremos agradecer às monas, minas e manos que em algum momento de suas vidas e militâncias decidiram dedicar algum tempo para produzir materiais que questionam o Estado e o estado de coisas. São livros e zines que subvertem lógicas estabelecidas, pesquisas acadêmicas que expõem as linhas de fratura da normalidade e relatos de grupos e individualidades que, do lado de fora dos muros das universidades, criaram materiais para circular de mão em mão, feitos em casa, de baixo custo e que vão circular entre pessoas (tal como você e eu) que lutam para que o mundo, da forma que está, não mereça existir por nem mais um segundo.

Em 2020, desde o primeiro dia do ano, a Monstro dos Mares chamou para que as águas fizessem emergir novas editoras, coletivos publicadores, distros e banquinhas. Quando essas iniciativas despontam no horizonte, nossa sensação de criar, resgatar, mobilizar e difundir ideias radicais e dissidentes no formato impresso é uma ação direta no enfrentamento do grande capital, das constantes guinadas autoritárias, da precarização do trabalho e da destruição do meio ambiente. Essa não é uma tarefa fechada em si mesma, mas que está unida, de braços esticados e na luta. Tudo isso buscando não ignorar as subjetividades que nos constituem como pessoas e que nos unem como coletividades. Quando surge uma nova editora anarquista, aspiramos novos ares e vento nas velas.

As 500.000 impressões que alcançamos desde Agosto de 2017 representam mais do que 50 caixas de papel, 500 pacotes de A4, 15 litros de tinta pigmentada, mais de 5.000 livros e 9.000 zines. Esse meio milhão de impressões significa que há um espaço, mares navegáveis e um oceano de limonada para as ideias radicais. Além de comemorar esses números, queremos agradecer cada pessoa que carinhosamente nos incentiva a continuar fazendo o que acreditamos. Livros e Anarquia!

Editora Monstro dos Mares
Outubro de 2020

Mais mudança: estamos de casa nova!

A cada dia, uma nova mudança. Mudar, é isso que fazemos ao curso do tempo. Mudamos de estilo, atitude, ideia, éticas e práticas. Mudamos o tempo todo o modo de movimentar o mundo — mundos em justa consonância com as lutas contra o capitalismo, a colonialidade e o patriarcado em todas as suas expressões. Mundos possíveis, participativos, sociais, inclusivos, diversos. Novos mundos!

As pessoas que compõem a Monstro dos Mares decidiram que para continuar fazendo livros e zines era necessário mudar, muito mais do que levantar velas, mas jogar um pouco mais de pressão no vapor. Com isso, durante algumas semanas estivemos em processo de mudança para um espaço onde cabem mais ideias, mais livros e mais participação.

♪ O Vapor de Cachoeira não navega mais no mar,
Barco véio tá cansado, sobe o rio devagar.
Ai, ai, ai, sobe o rio devagar.

O vapor de Cachoeira” de David Nasser e Clemente Neto

Chegamos nos Campos Gerais em Janeiro de 2019 e seguimos na cidade de Ponta Grossa por mais algum tempo. Aos poucos, vamos estabelecemos relações com o lugar, com as pessoas e vales que recortam o horizonte paranaense. Nosso endereço de correspondência continua exatamente o mesmo (Caixa Postal 1560, CEP 84071-981).

Na Sexta-feira, 16 de Outubro, o caminhão levou impressoras, mesas, caixas e caixas de material impresso, muita tralha para outro destino. Novos ares! Mais do que coisas, carregamos nossa vontade de continuar fazendo livros e zines de ideias anárquicas e anarquistas, epistemologias dissidentes e pensamento radical sobre nosso tempo e queremos agradecer todas as pessoas que apoiam a existência desse projeto editorial.

Às vezes, ir para outro lugar é puxado. Mas, e se fizermos uma coisa de cada vez?
O barco véio tá cansado, sobe o rio devagar.
Você tem feito mudanças lentas, graduais e permanentes? Escreva nos comentários =]

Pandemia Covid-19: utilize o auto-isolamento para sua auto-instrução

Já faz seis meses que a Pandemia do Novo Coronavirus chegou ao Brasil e América Latina. É possível que cada uma de nós já tenha desenvolvido estratégias para lidar com o vírus, adotando um protocolo de segurança que atenda minimamente as necessidades mais básicas. Sabemos que, infelizmente, um dos principais sintomas dessa doença é escancarar as diferenças. Por isso, é importante reconhecer que algumas pessoas não conseguem manter os mesmos cuidados por diversos fatores, que são essencialmente sociais. Sabemos que os impactos sanitários, ambientais e sociais desse período modificarão profundamente os modos de viver e existir das próximas gerações.

É importante que cada pessoa apoie, dentro de suas possibilidades, as campanhas de apoio mútuo mobilizadas por diversas iniciativas, que seguem surgindo nesse tempo infeliz de descaso governamental.

Algumas pessoas, ainda que com dificuldades, optaram pelo auto-isolamento. Essa é uma forma de “distanciamento social” que busca evitar a circulação de pessoas e, com isso, reduzir ao máximo as chances de contágio e transmissão do vírus. Sabemos que esse método de prevenção envolve uma série de questões que precisam ser problematizadas AGORA. De que forma e em que condições é possível manter esse isolamento sem ignorar a realidade brasileira?

O objetivo deste texto não é expor as contradições envolvidas nessa escolha, mas reconhecer que, em diferentes modelos, um auto-isolamento é possível, seguro e pode ser solidário. Além disso, de alguma maneira pode ser útil para a auto-instrução e para a promoção de novos conhecimentos.

Você deve ter notado uma oferta imensa de cursos e lives com debates interessantíssimos, grupos de estudos on-line e projetos que recebem a adesão de variados perfis. Nossas amizades também estão promovendo momentos de encontro com artistas, músicos, performances e outras atividades artísticas e de compartilhamento de conhecimentos como nunca havia sido visto.

É bem possível que, se você leu até aqui, muito provavelmente já assistiu algum desses eventos, já recebeu o convite para participar de alguma live, um podcast ou, até mesmo, em algum momento já promoveu seu próprio evento. Por isso podemos ter essa conversa, pois já entendemos que alguma coisa temos em comum.

Auto-isolamento / auto-instrução

Para ampliar nossos conhecimentos e contribuir no desenvolvimento de uma autodefesa legítima contra a ideologia hegemônica do estado, do grande capital e do patriarcado, precisamos de uma programa de educação política capaz de romper com as lógicas de dominação e fazer com que nossas visões de mundo abram um espaço de possibilidade em nossos enfrentamentos cotidianos.

Nós, que nos reconhecemos como pessoas identificadas com políticas radicais e revolucionárias, precisamos construir ferramentas práticas para que nossas ideias e críticas possam emergir das realidades às quaisque estamos condicionadas, especialmente durante a pandemia. É preciso estilhaçar as ideias do senso comum e desenvolver dentro de nós a coragem necessária para que nossas convicções e capacidades de ação possam fortalecer uma resposta autônoma e autogestionária, compartilhando dos princípios e éticas libertários aos problemas impostos pelo Covid-19 ou agravados por ele.

Pensando em tudo isso, seguem abaixo algumas dicas para realizar momentos de leitura no seu dia a dia, só ou com seu bando.

Ideias e sugestões para seu programa de auto-instrução

  • Ler (ou reler) obras de uma autora ou ator do seu interesse, em ordem cronológica;
  • Ler um livro junto com uma amizade e promover encontros on-line para trocar ideias a cada capítulo;
  • Combinar a leitura de um texto literário com textos e teóricos que dialogam com a obra;
  • Fazer uma ampla seleção de documentários e filmes de ficção sobre um tema;
  • Pesquisar artigos acadêmicos, livros, zines e panfletos sobre um tema de seu interesse ou de algo absolutamente novo para você e seu bando. Anticolonialismo, agroecologia libertária, solarpunk, teoria queer, feminismo negro, epicurismo, arrombamento de fechaduras e segurança digital são ótimos exemplos de temas;
  • Transitar entre diferentes escolas e movimentos literários e sociais;
  • Criar uma playlist de músicas que tratam sobre o tema de sua pesquisa e, na sequência, pensar sobre as letras e o contexto social da época de lançamento;
  • Reservar um horário para leitura sem muitas interrupções;
  • Navegar por sites estrangeiros de editoras e livrarias;
  • Acessar a Biblioteca Anarquista Lusófona e conhecer os diversos textos disponíveis;
  • Explorar formatos e gêneros, alternando histórias em quadrinhos, contos, romances, etc;
  • Ler obras de autoras e autores que você sempre considerou impossíveis ou inacessíveis;
  • Fazer um cineclube virtual para assistir filmes e debater com co-residentes e familiares, utilizando recursos de videochamada ou mensagens de texto/áudio;
  • Ler o livro, assistir ao filme e discutir a adaptação;
  • Criar um zine;
  • Organizar sua biblioteca/coleção (vale a pasta de PDF);
  • Compartilhar seus títulos preferidos com suas amizades, para depois organizar leituras em grupo;
  • Crar sua própria estratégia de leitura.

Utilizar o tempo de auto-isolamento como um tempo útil e necessário para que seja possível fortalecer nossas visões de mundo e apontar direções para além do atual estado de coisas. Se manter o isolamento é viável para você, considere fazer um programa de estudos, um plano de zines, livros e capítulos que podem articular respostas para as dúvidas que movimentam suas inquietação e que te fazem perguntar como será possível fazermos, com nossas mãos, um século 21 absolutamente diferente.

Algo novo está em ebulição, bote para ferver!

Solidary Tea

Julho de 2020: Agradecimentos Rede de Apoio (Podcast bônus)

Tem dias mais difíceis, nos quais as preocupações estão além das necessidades de tinta, papel e textos. Ao pensar em questões como justiça social e segurança sanitária dos centros urbanos, das periferias e da vida no campo, refletimos sobre o que está acontecendo. Quem dirá sobre o que virá?

A pandemia está ensinando muitas lições sobre como encaramos a vida, as atividades diárias, nossa convivência com as pessoas próximas e a importância de saber “habitar nossas casas”. Uma questão que bateu forte aqui é a dúvida em torno da necessidade de sermos pessoas produtivas diante de um cenário tão adverso como o da doença que dominou o mundo. Por isso estamos fazendo como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar.

Podcast bônus

No dia 17 de Julho de 2020, Baderna James e abobrinha gravaram sobre suas atividades na editora, diagramação de livros e zines utilizando software livre (LibreOffice e GIMP) e sobre a obrigatoriedade de sermos pessoas produtivas.

Queremos agradecer as pessoas que estão conosco diariamente e que confiam em nosso projeto editorial. Algumas delas fortalecem com os recursos para manter a editora em funcionamento. Com muito carinho agradecemos as amizades da Rede de Apoio:

  • Contribuições anônimas;
  • Gabriel Jung do Amaral;
  • Mayumi Horibe;
  • Phanta;
  • Lua Clara Jacira;
  • Leo Foletto;
  • Viviane Kelly Silva;
  • Ricardo Mayer;
  • Willian Aust;
  • Enguia;
  • Fernando Silva e Silva;
  • Mauricio Marin;
  • Adriano Gatti Mesquita Cavalcanti;
  • Andressa França Arellano;
  • Eduardo Salazar Miranda da Conceição Mattos;
  • Anna Karina;
  • Victor Hugo de Oliveira;
  • Zé;
  • Karine Tressler;
  • Andrei Cerentini;
  • Lupi;
  • Caio;
  • Fyb C;
  • José Antônio de Castro Cavalcanti;
  • Guapo.

A Editora Monstro dos Mares precisa da sua ajuda para continuar, contribua com
a Rede de Apoio no Catarse ou PicPay e receba materiais impressos em sua casa. 🖨️

O panorama atual do livro anarquista. Passeando entre editoras

Forma parte da tradição libertária, talvez de uma maneira central, o interesse pela difusão de suas ideias. Ao largo da existência do que poderia se chamar de movimento anarquista (com todas as aspas que queiram), existiram certos grupos dedicados a impressão de textos próprios ou traduzidos, assim como uma infinidade de revistas e publicações mais ou menos periódicas.

Distantes estão os tempos em que o número de exemplares se contava aos milhares (vale como exemplo o livreto Doze provas da inexistência de Deus, de Sebastian Faure, que teve uma edição de 620.000 exemplares em 1917 ou os 560.000 de Entre Campesinos, de Errico Malatesta, segundo cifras de J. Álvarez Junco), mas é um fato a vinculação do mundo editorial e o anarquismo. Figuras como Anselmo Lorenzo, Fermím Salvochea, Ricardo Mella ou Diego Abad de Santillán dedicaram esforços à edição e tradução de obras. Essa tradição editorial teve nos anos 70 e 80 uma continuidade, incluso por editoras estritamente libertárias, que aproveitaram o nicho de ideias para editar textos, como foi o caso da série Acracia, de Tusquets.

Nos últimos anos, entre outros motivos, por certo despertar de interesse acerca de temas sociais, estendeu-se por toda a Península uma interessante forma de se aproximar da cultura libertária: os encontros do livro anarquista. Salamanca, Barcelona, Madrid, Sevilla, Valência, Bilbao, Cartagena, Zaragoza, Gijón, Logroño, entre outras, são cidades em que esse tipo de evento já se celebra. Esses encontros servem para difundir o ideal anarquista tanto no âmbito oral, com conversas e colóquios, como por escrito, reunindo diferentes projetos dedicados ao mundo do livro e do fanzine.

Em paralelo ao crescimento e consolidação de muitos encontros ou feiras do livro anarquista, como evidente contraponto as feiras comerciais, parece também que se expandem e se consolidam diversos projetos editoriais ligados ao mundo libertário.

A cultura anarquista ocupa um lugar de permanente confrontação com a cultura hegemônica atual, porque frequentemente vive nas margens do sistema. Quando falamos das margens do sistema, queremos falar de como existem formas culturais que transitam com tensão ou que fogem com maior ou menor êxito da voracidade cultural da mercadoria. Dentro deste panorama, como não poderia ser diferente no mundo anarquista, a variedade se amplia.

Para algumas pessoas, a cultura anarquista é aquele que reflete as lutas, os personagens, as ideias, etc, associadas ao anarquismo no passado, presente e futuro. Isso pode se fazer desde diferentes modelos organizativos, entre os quais existam aqueles que defendam que o livro não é, única e exclusivamente, seu conteúdo. Para esta posição, o livro também é o seu modo de circulação. Assim, um livro seria como uma pessoa, que é seu conteúdo, suas palavras e seus atos, sendo esse modo de circulação do qual falamos. As palavras tem um conteúdo informativo, ou seja, as palavras fazem a realidade, ou se preferirmos, influencia nela. Seguindo esse raciocínio, se um livro diz coisas racistas, estaria se convertendo em parte do sistema de dominação (racial) e, por exemplo, se um livro é vendido em uma livraria onde seus trabalhadores/as têm condições laborais miseráveis, esse livro se impregnaria dessas circunstâncias, pois parte de seu preço se converteria em mais-valia (em síntese: em benefício para o explorador).

Essa postura convive com outras, seguindo múltiplos debates no cotidiano a partir de possíveis matizes que surgem no desenvolvimento da atividade cultural, nesse caso, editorial. Esses debates se movem entra a atividade editorial militante (que representariam as ideias explicadas) e as editoriais como cooperativas autogestionárias ou projetos de auto-emprego, entre uma atividade ao mais puro estilo Do It Yourself, ou mais ou menos profissionalizada. Em uma ou outra posição, sempre com firme caráter assembleário e autogestionário, se constituem vários projetos editoriais cujas diferenças também se relacionam com a preferência por tratar de temas variados ou girar ao redor de determinados temas específicos. Exemplo claro disso são os editoriais como o Ochodosquatro, que se dedica a divulgação de textos relacionados aos direitos dos animais, ou o El Salmón, que edita trabalhos que analisam como a tecnologia se insere no sistema de dominação. Não é raro que existam editoriais que sejam ao mesmo tempo livrarias ou livrarias que tenham seu próprio projeto editorial. Em Madrid já é veterana a livraria e editorial La Malatesta (e recém-nascida como La Rosa Negra) e em Barcelona se pode encontrar, nesse sentido, a Aldarull (e com parecido espírito temos também a El Lokal). Em Granada, a livraria Bakakai edita sob nomes diferentes, enquanto que nessa mesma cidade a Biblioteca Social Hermanos Quero, com o seu próprio nome, colabora com frequência com outros projetos para publica r livros sobre antipsiquiatria ou contrapsicologia, urbanismo, etc.

Já que nos metemos na infame tarefa de etiquetar editoras, há de se destacar que algumas tem especial interesse por textos mais clássicos, como a já mencionada La Malatesta, enquanto que outras se concentram principalmente na edição de ensaios mais contemporâneos, como a editora Vírus, ou a Muturreko Burutazioak, ou também, de forma exclusiva em textos atuais que analisam as últimas décadas do século XX até os dias de hoje, como a editora Klinamen. Não obstante, provavelmente sejam mais frequentes as editoras que utilizam em suas edições critérios não cronológicos, visto que se pode encontrar em seus catálogos textos de qualquer época, como os das editoras Deskontrol, Diaclasa, Calumnia, El Grillo Libertario, El Imperdible ou Piedra Papel Libros, entre muitos outros exemplos possíveis. A maioria das mencionadas (Diaclasa, El Imperdible e também Madre Tierra ou Ediciones Marginales) dedicam-se exclusivamente (ou quase) ao gênero literário ensaístico, se bem que existam outras que possuam em seus catálogos obras de outros gêneros literários (como Piedra Papel Libros em poesia e a Volapük em narrativa).

Simplificando de maneira um pouco insultante, podemos dizer que é possível a divisão do mundo editorial convencional entre as grandes empresas editoriais que funcionam como qualquer outra multinacional: é a grande indústria cultural como o Grupo Penguin Random House (Plaza y Janés, Debolsillo, Taurus, etc.) ou o Grupo Planeta (Espasa, Paidós, Ariel, etc.), e aquelas outras, poucas e pequenas quando comparadas com as outras, que se aferram à Cultura, com catálogos muito caprichados como Akal. Também podemos falar de um terceiro grupo de editoras alternativas por seu tamanho, como a Nórdica Libros, Errata Naturae ou a Impedimenta.

As primeiras buscam essencialmente dinheiro, em que pese o que poderia aparentar a complexa política de diversificação entre coleções de consumo massivo e outras de caráter acadêmico ou de altos voos culturais; as outras amam, apreciam a alta cultura porque acreditam, de forma implícita, que um “mundo mais culto” é um mundo melhor.

O mundo anarquista coincide com a desprezível grande indústria editorial em um aspecto. Frente as editoras que mimam seus catálogos com grandes pensadores ou pensadoras, e não sentem a cultura, como frequentemente fazem os artistas, como um fim em si mesmo, os livros anarquistas, de outro lado, são ferramentas para conscientizar, agitar e isso supõe que muitos livros anarquistas não saem de um grupo de pessoas que se dedica com exclusividade às atividades editorais, mas que os fazem como atividade cultural secundária ou pontual. Assim encontramos que a CNT tem uma fundação (Fundação Anselmo Lorenzo), dedicada a publicar livros sobre seus militantes e sua história, marginalizados pelos cronistas acadêmicos, ou que o já veterano Espaço Anarquista Magdalena no madrilenho bairro de Lavapiés publicou pontualmente ou colaborou com a edição de diversos textos.

Por outra parte, o mundo editorial anarquista, ao entender o livro como uma ferramenta a serviço da transformação social libertária, aposta tradicionalmente por valorizar a mensagem por cima da forma. Por isso, não é raro que o formato seja extremamente simples, inclusive, às vezes, muito mais simplório ante os estandartes comerciais. Para quem está acostumado ao mundo editorial convencional, pode ter uma impressão negativa, mas a realidade é que o processo, que nesses tempos relacionamos com o DIY, significa uma desconstrução da hierarquia do processo cultural editorial, ao abrir esse mundo para quase qualquer pessoa, ou grupo de pessoas que pretendam colocar no papel o que seja. Dessa maneira, existe uma débil barreira entre aqueles que difundem e editam textos anarquistas e seus leitores/as, de forma que passar de um lado para outro é tremendamente habitual, o que confere um caráter popular e horizontal ao mundo cultural libertário como é impossível de se imaginar na indústria cultural capitalista.

Isso se observa principalmente no mundo do fanzine, que usualmente aparece nas ruas ou em espaços diversos através de distribuidoras (que é o nome que lhe dá o movimento anarquista ao projeto de uma ou várias pessoas que publicam e vendem, ou só vendem, ou trocam, textos libertários por sua conta e risco, ou como parte de um projeto mais amplo como pode ser, por exemplo, um centro social), que se contam em dezenas, quiçá centenas, construindo provavelmente a parte quantitativa mais importante do mundo editorial anarquista.

É evidente que o campo editorial libertário serviu de inspiração para pessoas que não se identificam com o corpus geral de suas ideias ou práticas, mas que valorizam e integram muitos outros aspectos do mundo libertário: sua vocação anticapitalista, sua mensagem de ruptura, sua organização autogestionária, a pretensão de fazer coerentes os meios para alcançar um objetivo como próprio objetivo, etc. isso faz com que existam editoriais cujos vínculos com o movimento anarquista sejam difíceis de elucidar. Para além disso, um mundo descentralizado e focado em um aqui e agora de projetos que vem e vão em sua pretensão de mudar o mundo, resulta inalcançável para nossas possibilidades, razão pela qual muitos nomes, seguramente muito interessantes, meritórios e comprometidos caíram no caminho.

Por outro lado, valha este escrito para uma aproximação com o intenso trabalho de difusão cultural como forma de crítica social que mantém os anarquistas, frequentemente contra o vento e as mares.

Por outra parte, os esquecimentos tem fácil solução: esta página* tem a opção de acrescentar comentários para que recordemos esses projetos. Uma maneira de dar a conhecer aquelas editoras que acabamos por esquecer ou que não podemos incluir por limitação de espaço.

La Neurosis o Las Barricadas Ed.

* Se refere a página do ‘Solidaridad Obrera’, publicação que dá foz a CNT-AIT Catalunya-Balears, onde este texto foi publicado originalmente em 22 de março de 2017.

Fonte: http://www.laneurosis.net/el-panorama-actual-del-libro-anarquista-buceando-entre-editoriales/

Tradução > Liberto
Links e modificações por Vertov.

Publicado em Agência de Notícias Anarquistas

Oito livros anarquistas fundamentais (de Iván Darío Álvarez)

Nos livros de Iván Darío Álvarez pode-se compreender as bases do anarquismo, encontrar edições que quase desapareceram devido à sua estigmatização, e descobrir a faceta libertária do pensador Noam Chomsky. Estes são os textos fundamentais para um seguidor dessa corrente.

A ideia de um mundo sem governo, no qual todos os indivíduos possam considerarem-se livres de qualquer jugo, é, para muitos, utópica, ilusória, ou simplesmente uma piada. Para os/as anarquistas ou libertário(a)s, pelo contrário, acabar com o Estado, o capitalismo, e qualquer regulamentação opressora tem sido sua maior motivação há séculos.

O problema é que o termo anarquia — que por sua etimologia grega significa “ausência de governo” — está, muitas das vezes, associado à violência ou a tumultos. No México, por exemplo, vários jornais fazem uso do termo unicamente para referirem-se a atos violentos que são cometidos por algumas pessoas que guiam suas vidas segundo tais ideais. No Chile, o jornalista italiano Lorenzo Spairani foi deportado, em 2017, por gravar vídeos de uma marcha sindical, tendo sido acusado de fazer parte da cena anarcoliberal. Isso põe em dúvida a plena democracia do Chile, disse Spairani ao jornal costarriquenho El País.

Na Colômbia, há personalidades que, longe de promover a violência, assumiram o anarquismo a partir das letras e das artes cênicas. Uma dessas pessoas é Iván Darío Álvarez, escritor, bonequeiro, pensador, e também fundador, há 44 anos em Bogotá, do teatro La Libélula Dorada, no qual injeta o “veneno” libertário através de obras de sua autoria como El Dulce Encanto de la isla Acracia. Ele também colaborou no suplemento Magazín Dominical do jornal El Espectador com vários artigos dedicados ao anarquismo, e em 1992 fundou o jornal Biófilos, assim batizado em homenagem ao ativista e anarquista colombiano Biófilo Panclasta, do qual produziu quatro edições. Sua biblioteca, que ocupa quase três cômodos de sua casa, é uma vasta coleção de filosofia, contos infantis, peças teatrais, cancioneiros, poemas, e há um local especial para estes oito livros, recomendados por Iván Darío, que são fundamentais para qualquer interessado(a) em conhecer as bases e os ideais anarquistas.

Diccionario anarquista de emergencia – Iván Darío Álvarez e Juan Manuel Roca

livros Diccionario anarquista de emergencia - Iván Darío Álvarez e Juan Manuel Roca

Parecerá um pouco narcisista começar com este livro que escrevi junto com o poeta Juan Manuel Roca, mas este texto é como uma introdução ao anarquismo. Este livro está dividido em duas partes: na primeira, tomamos os termos de A a Z próximos à anarquia e os definimos do ponto de vista libertário, através de citações de filósofos, anarquistas, ou pessoas com ideais semelhantes ao anarquismo; na segunda parte, incluímos umas mini-biografias de personalidades que muita gente ignora que estavam próximas dessa corrente, tal como Albert Camus, Arthur Rimbaud, Oscar Wilde e Leon Tolstói.

Anarquía y orden – Herbert Read

livros Anarquía y orden - Herbert Read

Esta é uma joia porque, devido à sua estigmatização, encontrar edições desta obra é como procurar uma agulha no palheiro. Neste livro, Read reúne seis ensaios, nos quais há desde poesia até filosofia, e os relaciona ao anarquismo. Isto também é uma raridade em seu trabalho, porque esse inglês é mais conhecido por suas publicações sobre estética. A editora argentina que publicou esta obra, Américalee, é muito importante, pois se encarregou de resgatar clássicos do anarquismo de meados do século XX.

Disponível em La Biblioteca Anarquista.

Razones para la anarquía – Noam Chomsky

livros Razones para la anarquía - Noam Chomsky

Chomsky também é muito conhecido por seus trabalhos linguísticos e críticos, mas pouco por sua faceta libertária. Neste livro, onde também há entrevistas, ele faz um estudo sobre a prática das ideias anarquistas na Guerra Civil Espanhola, que levaram a impedir que os franquistas tomassem Barcelona. Os libertários também assumiram o controle das fábricas, eliminaram o dinheiro, e colocaram os campos nas mãos dos camponeses, sob autogestão. O autor vê nisto um modelo inspirador para uma nova sociedade, onde seja possível haver uma democracia construída de baixo para cima, e não ao contrário.

Disponível em The Anarchist Library.

El corto verano de la anarquía: vida y muerte de DurrutiHans Magnus Enzensberger

livros El corto verano de la anarquía: vida y muerte de Durruti - Hans Magnus Enzensberger

Durante a Guerra Civil e a gestação do movimento operário espanhol, surgiram grandes figuras, entre elas o metalúrgico Buenaventura Durruti. Ele teve uma vida extraordinária: esteve preso, em seguida fugiu da Espanha e andou pelo México, Cuba e Argentina roubando, não para ficar rico, mas para financiar suas lutas sociais e a fundação de escolas anarquistas. Ele também criou a Coluna de Ferro, que eram as milícias anarquistas que enfrentavam Franco. Enzensberger tece muito bem esse relato, e o conta como um romance, com testemunhos de simpatizantes, inimigos, e por meio de fragmentos de livros e entrevistas.

Disponível em La Biblioteca Anarquista.

Cabezas de tormenta: ensayos sobre lo ingobernable – Christian Ferrer

livros Cabezas de tormenta: ensayos sobre lo ingobernable - Christian Ferrer

Nos quatro ensaios que compõem este livro, Ferrer pesquisa o estilo de vida dos libertários, seu idealismo e fé nas ideias, e os põe como um modelo do quê o anarquista ideal pode ser. Também se encarrega de desmistificar o imaginário que a burguesia impôs à sociedade a respeito do que é um seguidor da anarquia: alguém estigmatizado, satanizado por sua rebeldia, um ser perigoso e incendiário que sempre anda com uma bomba oculta. O autor dá a essa obra um estilo pessoal que o torna muito poético e agradável de ler.

El crepúsculo de las maquinas – John Zerzan

livros El crepúsculo de las maquinas - John Zerzan

Este trabalho é muito polêmico porque Zerzan é contrário ao progresso da civilização que, para ele, está nos levando a um beco sem saída. Ele argumenta que, com o surgimento da agricultura, começou a divisão do trabalho e um ideal de ambição e de conquista que serviram de base para o escravismo. O autor propõe voltar a uma sociedade primitiva, onde haja uma relação mais estreita entre os seres humanos e a natureza, e onde as cidades não existam; para ele, elas são monstros em crescimento que degradaram o ser humano até o ponto de convertê-lo em alguém anti-social.

Anarchy Alive!Uri Gordon

livro "anarquia viva!" Uri Gordon

O ativismo e sua participação em redes contra o Banco Mundial, o G8 e todos esses movimentos capitalistas e de globalização, levaram a esse graduado em Oxford a fazer este livro, que é sua tese de graduação. O particular é que ele não o fez sentado à uma mesa, mas sim embasado nas suas experiências em protestos. Gordon explica que, ainda que o anarquismo tenha sido ofuscado por movimentos como o marxismo, nunca desapareceu; depois do Maio de 68, houve uma nova irrupção e atualmente existem anarquistas que não se autodenominam assim, devido à estigmatização da palavra, e sim como autonomistas, assembleístas, etc.

Disponível na Biblioteca Anarquista Lusófona.

Cine y anarquismo: la utopía anarquista en imágenes – Richard Porton

livro Cine y anarquismo: la utopía anarquista en imágenes

O cinema sempre esteve presente nas lutas sociais, e mostrou o anarquista de diferentes maneiras. Porton explica isso da perspectiva daqueles que seguem esses ideais, assim como daqueles que não seguem. Aqui falamos sobre, por exemplo, Sacco e Vanzetti (1971), filme que conta o caso de dois imigrantes italianos que chegaram nos Estados Unidos em busca de um futuro melhor e que, ao ver as formas brutais de exploração daquele país, ingressam no movimento operário norte-americano para lutar a partir do anarquismo. Logo são acusados ​​de um crime que não cometeram e são condenados à cadeira elétrica.


Fonte: Andrés J. López. Artigo ¿Qué hay en la biblioteca de un anarquista? originalmente publicado na revista Cartel Urbano, de Bogotá (Colômbia), em 22 de fevereiro de 2017. Versão em português por Anders Bateva.

Editoras anarquistas que mantêm vivo o espírito libertário na Colômbia

“Você tem todo o direito de copiar este livro total ou parcialmente, imprimir e distribuir por qualquer meio. Esse conteúdo não é protegido por nenhum monopólio cultural ou direito comercial; ao curso da história os livros são e serão gratuitos. Ninguém vai te culpar ou prender por distribuir ou realizar cópias; pelo contrário, ficaremos muito agradecidos se você fizer isso. O conhecimento se distribui livremente.”

Ao abrir um livro, raramente é possível se deparar com essa afirmação, não restritiva – como regra geral –, mas permissiva. Essa tem sido a premissa sob a qual acadêmicos, poetas, estudantes e militantes anarquistas publicam, de forma independente, distribuem os textos próprios e outros. Essas editoras fazem isso criando outros formatos, que visam uma produção com mais tiragem, diferente dos panfletos e fanzines publicados há mais de 20 anos em universidades e outros espaços libertários.

Alguns livreiros identificam a origem dessas editoras anarquistas na Feira do Livro Independente e Autogerenciada (FLIA, que começou em Buenos Aires, Argentina) que, a partir de 2010, mudou-se para Bogotá. Desde a primeira edição, os visitantes do evento literário começaram a se familiarizar com uma produção diferente, clandestina e artesanal, que incentiva a produção doméstica dos livros. Uma dessas pessoas foi Fabián Serrano, membro da editora Imprenta Comunera, da cidade Bucaramanga. “O bom de ter uma editora independente é que escapamos da imposição de autores renomados e personalidades para focamos apenas nos personagens que consideramos importantes“, diz Fabián, que juntamente com outros dois colegas, lançou oito publicações em apenas cinco meses.

Eles, como seus colegas de outras editoras, não estão preocupados em ter lucro, mas em espalhar seus pensamentos e ideias para o maior público possível. É por isso que o tempo todo eles resgatam conteúdos de anarquistas conhecidos, mas que não são publicados em grandes editoras ou editoras comerciais, como é o caso da obra de Emma Goldman, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta, Uri Gordon, Henry David Thoreau e de personalidades com um lado libertário pouco conhecido, como Oscar Wilde ou Noam Chomsky. Para essas reedições, é mais complicado conseguir o texto para publicá-lo, por haver poucas cópias existentes; geralmente, os autores dessa corrente independente divulgam seus trabalhos sem restrições. “Sentimos que, quando criamos algo, isso não nos pertence mais, de modo que as pessoas assumem e se reconhecem neles, e isso é maravilhoso“, explica Iván Darío Álvarez, escritor, pensador anarquista e bonequeiro, fundador do teatro La libélula Dorada.

Pie de Monte é uma das editoras que faz esses resgates, mas que também quer apostar em novos escritores. Atualmente, a editora trabalha com textos de amigos e conhecidos, mas seu objetivo é que, mais tarde, mais pessoas sejam encorajadas a publicar seus trabalhos autorais. “Fizemos isso porque a ideia é que as pessoas saiam da dinâmica do mercado editorial e dos blogs e que resgatem a tarefa do livreiro e das livrarias. Isso sim, a única coisa que não tem discussão é que quem publica conosco deve deixar livres os direitos da obra“, comenta Santiago Lopez, membro da editora.

A conjuntura é outro fator importante nas reedições ou escritos originais: muitos textos são publicados em um determinado momento para demonstrar que as ideias anarquistas de várias décadas atrás ainda são válidas. Foi o caso da última publicação da El Rey Desnudo, a editora de Iván Darío e do poeta Juan Manuel Roca, USA nación de lunáticos, uma compilação de fragmentos de um ensaio que o escritor Henry Miller fez após o fracasso americano no Vietnã, um texto que foi lançado como uma crítica ao atual mandato de Donald Trump.

Embora os livros sejam o formato preferido para editoras anarquistas, brochuras, diários e jornais não são renegados. El Aguijón, uma editora criada dentro da Universidade Nacional de Medellín, em 2006, lançou uma seleção de contos e está preparando um novo volume. Porém, ocasionalmente eles tiram o jornal El Aguijón – Klavando la duda, para o qual recebem apoios financeiros que permitem dar continuidade em outros projetos. Você pode baixar os exemplares gratuitamente na página da editora.

O dinheiro investido é recuperado na maior parte das vezes, mas para reduzir custos ou acelerar o processo é comum alguns editores unirem forças. Rojinegro e Gato Negro reuniram textos como Estratégia e tática na prática anarquista, de Errico Malatesta, e Anarquismo e poder popular: teoria e prática sul-americanas, uma compilação de teorias e opiniões sobre anarquismo e poder popular. O número de cópias varia e, assim como alguns títulos chegam a 300 cópias, outros saem com apenas 30 exemplares.

Devido ao desconhecimento sobre os autores ou preconceitos que existem em relação ao anarquismo, poucos são os lugares onde é possível encontrar essas publicações em suas prateleiras. Em Bogotá, os mais comuns são La Valija de Fuego, Rojinegro, La Libélula Dorada, Luvina, El Dinosaurio, Árbol de Tinta e La Mandriguera del Conejo. Oscar Vargas, um dos fundadores da Gato Negro, diz que tentaram alcançar outros espaços, mas que não deu muito certo. “Isso foi difícil, porque em várias livrarias eles querem cobrar entre 30% e 40% do preço de capa, e buscam ter lucro por algo que nós não compartilhamos na mesma lógica. Somente alguns foram capazes de entender a proposta”, explica Óscar.

As publicações de Gato Negro. Foto cedida por Oscar Vargas.

Mas nem a clandestinidade, nem o baixo orçamento, foram impedimentos para alcançar outras partes do mundo. Por meio de conhecidos ou trocas por quilos, os editores colombianos levaram textos para Argentina, Chile, Equador, México, Peru, Uruguai, Brasil e Espanha. Os livros recebidos do exterior são vendidos para recuperar o dinheiro investido ou, como no caso da Rojinegro, são utilizados no Centro de Documentação Ácrata, uma espaço que fica nas suas instalações e que qualquer pessoa pode consultar o acervo ou fazer cópias.

Os preços baixos são a chave para alcançar mais pessoas: a maioria dos livros é vendida entre sete mil e quinze mil pesos, aproximadamente. (Nota do tradutor: O que equivale a um valor entre 10 e 20 reais) “Vimos que em feiras e eventos independentes, os metaleiros ou punks sacrificam parte da grana da birita porque estão interessados no que fazemos. É uma mentira que na Colômbia as pessoas não gostam de ler; elas não leem porque os livros aqui são muito caros”, explica Fabián.

Foto cedida por Oscar Vargas.

As editoras libertárias da Colômbia precisam ser mais divulgadas, mas seus editores estão satisfeitos com a situação atual e com o fato de que cada vez mais pessoas querem escapar da realidade do mercado e são incentivadas a publicar ou piratear o trabalho de autores que incomodam a outras editoras, ou mesmo ao estado. Essa aceitação vem aumentando e recentemente, por exemplo, uma tradução do livro de Iván Darío Álvarez e Juan Manuel Roca, Dicionário anarquista de emergência, começou a ser distribuído na França.

Para Roca, esse é um sinal da inconformidade latente que persiste na humanidade. “Anarquismo é como Drácula, que em todos os filmes eles o matam, mas em cada final ele acorda e está mais vivo do que os vivos. Há quantos anos eles decretam a sua morte e vemos que diversos movimentos de jovens e aqueles que não fazem parte de um partido se mobilizam de maneira tão vigorosa e sem limitações”, diz ele.


Por Andrés J. López, publicado em Cartel Urbano no dia 10 de Março de 2017.
Versão para o português por Baderna James.

Numerologia de Junho de 2020 💐💣

Está complicado olhar os números do Brasil e da pandemia de Covid-19. São mais de 60.000 pessoas que morreram devido ao vírus. Em diversas cidades do interior os números aumentaram assustadoramente e, infelizmente, em todas as notícias estão presentes a desinformação, o descaso e a omissão. Somente a imediata renúncia ou impeachment do presidente não são a solução, mas seria um bom começo.

Em Junho de 2020 aconteceram muitas coisas: chegada de novos títulos, colaborações, equipamentos. Estamos buscando formas de lidar com a pandemia e enfrentar a ansiedade, os medos e alguma frustração por não conseguir fazer tudo aquilo gostaríamos. Mas a pergunta é: quem está conseguindo lidar numa boa com tudo isso que está acontecendo? Todo dia tem uma nuvem de gafanhotos, um ciclone bomba, cobras voadoras, uma sala de espera virtual, entre outras pragas. Realmente não está sendo fácil! 🎶🕶 ️

Neste mês que passou, a Editora Monstro dos Mares completou 8 anos de atividade. Por algum tempo, tivemos cerca de um ou dois lançamentos por ano. Desde a chegada de nossa Editora Geral abobrinha, em 2017, nosso bonde editorial vem se transformando profundamente. Monas, minas e manos se somaram e hoje são 10 pessoas que fazem a seleção de materiais, traduções, revisões e outras atividades. No grupo do telegram da editora é possível acompanhar algumas dessas tarefas acontecendo, entre outras conversas bem animadas.

Na 2ª edição do “Chá da tarde”, abobrinha tirou dúvidas das pessoas que nos acompanham no Instagram sobre as questões do cotidiano da editora, próximos lançamentos e também deu uma série de dicas sobre “como montar uma editora”, que deu origem a um excelente artigo que recomendamos a todas as pessoas que desejam criar a própria publicadora de livros e zines em casa.


Espertirina Martins

Na Sexta-feira, dia 5, nossa nova impressora chegou. É uma Epson WorkForce Pro WF-C5710, que recebeu o nome de “ESPERTIRINA”, em memória e celebração da luta da jovem Espertirina Martins, que com suas mãos fez história ao enfrentar o inimigo. Inclusive o mestre GOG e o Ateneu Libertário “A Batalha da Várzea” de Porto Alegre também fazem homenagem à militante anarquista do início do século XX. A impressora é muito valente e nesse primeiro mês já demonstrou suas qualidades realizando mais de 20.000 impressões sem mostrar qualquer dificuldade ou problemas. E esperamos que continue assim por um bom tempo!


Numerologia de Junho de 2020

  • Impressões de Junho de 2020: 20.750
  • Livros impressos: 305
  • Livros distribuição gratuita: 33
  • Zines impressos: 394
  • Zines distribuição gratuita: 123

Numerologia: Hotsite com informações sobre nossos números mensais/anuais 🔮
https://monstrodosmares.com.br/numerologia

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